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A judicialização de questões referentes ao custeio dos planos de saúde coletivos de autogestão

Arthur Nolasco de Oliveira, Fernando Henrique Santos de Souza Melo e Gabrielle Figueiredo de França

Questionam-se a legalidade e a abusividade dos valores das mensalidades advindos, especialmente, da forma de custeio utilizada.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Atualizado em 11 de abril de 2016 12:38

Os planos de saúde constituídos na modalidade autogestão não estão sujeitos aos limites de reajustes estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde - ANS, por se tratarem de entidades fechadas de saúde suplementar, multipatrocinadas e sem fins lucrativos.

Em geral, esses planos de saúde possuem um conselho deliberativo que, além de permitir a administração paritária pela representação dos próprios usuários, estabelece a forma de aplicação do custeio, influenciando diretamente nas mensalidades de todos os seus beneficiários.

O mencionado custeio dos planos de saúde na modalidade autogestão constitui-se num sistema solidário entre todos os participantes, ou seja, as despesas da gestora do plano são suportadas conjuntamente entre seus beneficiários por meio de suas contribuições, sendo esta a única fonte de receita dos referidos planos de saúde.

Nesse sentido, o reajuste de mensalidades difere-se do custeio, pois naquele há a aplicação de índices oficiais, tais como os regulamentados pela Agência Nacional de Saúde - ANS, IPCA, inflação, entre outros.

Por sua vez, a incidência de aplicação de novas formas de custeio, dentre outros fatores, tem por base não somente a distribuição para os beneficiários dos custos com atendimentos, materiais e procedimentos médicos, mas também a mudança na faixa etária, o que somente acontece até os 59 anos de idade do beneficiário.

A despeito da legalidade da forma de custeio em geral aplicada pelos planos de saúde na modalidade autogestão, a judicialização da questão tem se tornado cada vez mais comum. Questionam-se a legalidade e a abusividade dos valores das mensalidades advindos, especialmente, da forma de custeio utilizada.

Sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - TJRS - assentou o entendimento de que uma entidade de autogestão em saúde não pode se equiparar às demais operadoras de planos de saúde, por se tratar de "entidade fechada de saúde complementar, multipatrocinada e sem fins lucrativos".¹

No mesmo julgado, o TJRS assentou que "são os beneficiários que deliberam todas as questões da entidade, definindo, enfim, toda a política assistencial, bem como a contribuição para o custeio do plano, tudo visando alcançar seu equilíbrio econômico-financeiro, já que o plano é estruturado de forma solidária e mutualista".

No caso, o TJRS julgava recurso de apelação da Fundação GEAP Autogestão em Saúde², em que esta alegava, em síntese, que a forma de contribuição dos seus beneficiários havia sofrido uma alteração, visando, principalmente, à sobrevivência da Fundação. Alegava, ainda, que os reajustes aprovados anualmente pela ANS não são utilizados em nenhum dos planos inseridos na modalidade coletiva por adesão, mas apenas nos individuais, não havendo necessidade de autorização prévia do órgão regulador - ANS - para a efetivação do custeio da GEAP.

Acresça-se que tal entendimento coaduna-se ao Enunciado nº 22 do Conselho Nacional de Justiça, aprovado na I Jornada de Direito da Saúde, o qual dispõe que "nos planos coletivos deve ser respeitada a aplicação dos índices e/ou fórmulas de reajuste pactuados, não incidindo, nestes casos, o índice da Agência Nacional de Saúde Suplementar editados para os planos individuais".

As formas do modelo contributivo - custeio - das entidades de autogestão em planos de saúde, portanto, são aprovadas por um Conselho Deliberativo e paritário, composto, inclusive, por seus beneficiários, não se caracterizando como abusivas ou ilegais quando reverenciado o caráter solidário e mutualista das contribuições.

Sob tal perspectiva, o entendimento a respeito de que a aplicação de novos percentuais assegura a saúde econômico-financeira daquelas instituições é acertado, elidindo os equivocados argumentos da existência de abusividade nos regulamentos e nas cláusulas contratuais.

Em recente acórdão publicado em Março de 2016, também em julgamento de recurso da GEAP, o TJRS reforçou o entendimento acima destacado e, quanto à alteração da forma de custeio daquela Fundação, ponderou que "a alteração do modelo contributivo deu-se como meio de manutenção do equilíbrio atuarial e não pode ser tido como abusivo"³. 

Verifica-se, assim, que a modalidade de custeio reflete todas as despesas financeiras das operadoras de autogestão em saúde, que são custeadas por meio das contribuições mensais dos beneficiários participantes do plano, conforme exposto anteriormente.

Logo, se algum dos participantes não tiver sua mensalidade devidamente majorada de acordo com o custeio aplicável à época, a diferença pecuniária será repassada aos demais usuários. Isto é, em média ou larga escala, não somente a entidade de autogestão terá um déficit indevido, mas os seus beneficiários, igualmente, sofrerão com os impactos dos custos a eles direcionados.

Com essas considerações, a conclusão a que se pode chegar é que o tratamento legal dispensado aos planos de saúde comuns não pode ser o mesmo daquele direcionado às operadoras de autogestão em saúde, como já decidiu o próprio Colendo Superior Tribunal de Justiça4, de modo que os limites de reajustes estabelecidos pela ANS não devem ser a elas aplicados.

Perfilhar entendimento em sentido contrário macula a essência dos próprios planos de saúde constituídos na modalidade autogestão, que, além de não visarem lucro, possuem por finalidade a promoção do bem estar social de seus usuários, sendo todos os seus recursos revertidos para a assistência integral dos seus co-gestores, ou seja, dos seus próprios beneficiários.

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Referências

1 RIO GRANDE DO SUL (BRASIL). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Sexta Câmara Cível. Processo nº: 0087241-80.2015.8.21.7000. Apelação. Seguros. Planos de saúde. Geap - fundação de seguridade social. Autogestão multipatrocinada. Plano. Saúde. Reajuste na mensalidade. Abusividade não verificada. à unanimidade deram provimento ao apelo da ré. Recorrente: GEAP Autogestão em Saúde. Porto Alegre, Novembro de 2015.

2 A GEAP Autogestão em Saúde é uma Fundação com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada juridicamente como operadora de plano de saúde, na modalidade de autogestão multipatrocinada, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira.

3 RIO GRANDE DO SUL (BRASIL). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Sexta Câmara Cível. Processo nº 0064537-39.2016.8.21.7000. Apelação. Seguros. Planos de Saúde. GEAP. Entidade de autogestão. Ausência de abusividade na readequação do modelo de contribuição aprovado pelo Conselho Deliberativo de plano de autogestão multipatrocinada. Demonstração de paridade na representação no órgão deliberativo entre participantes assistidos e patrocinadores. Apelo provido. Recorrente GEAP Autogestão em saúde. Porto Alegre, Março de 2016.

4 REsp 1121067/PR, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe  03/02/2012

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*Arthur Nolasco de Oliveira é advogado associado do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados e membro da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB/DF.

*Fernando Henrique Santos de Sousa Melo é advogado associado do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.

*Gabrielle Figueiredo de França é advogada associada e coordenadora de núcleo contencioso cível do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.

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