A batalha contra o nepotismo não acabou
A tradicional bonomia do caráter do povo brasileiro tem-nos, muitas vezes, impingido conviver com equívocos, vícios e até injustiças, incrustados às ilhargas da história brasileira. Exemplo bem acabado é a prática do nepotismo. Com extensas raízes que, no Brasil, chegam ao colonialismo e à cultura portuguesa da época, não conseguiu a República aplacar-lhe a voracidade.
quarta-feira, 26 de abril de 2006
Atualizado em 25 de abril de 2006 12:13
A batalha contra o nepotismo não acabou
Manoel Antonio de Oliveira Franco*
A tradicional bonomia do caráter do povo brasileiro tem-nos, muitas vezes, impingido conviver com equívocos, vícios e até injustiças, incrustados às ilhargas da história brasileira. Exemplo bem acabado é a prática do nepotismo. Com extensas raízes que, no Brasil, chegam ao colonialismo e à cultura portuguesa da época, não conseguiu a República aplacar-lhe a voracidade.
Lamentavelmente, a prática da apropriação do bem público em benefício privado infesta todas as instâncias dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Diante de tal descalabro, tem-se insurgido a sociedade brasileira, em sensato sentimento de indignação, encampado e conduzido por lúcidas e patrióticas intervenções de grupos sociais, entidades e instituições, que feriram de morte o abuso indecoroso da prática do nepotismo, filho espúrio da discricionariedade do Poder, mácula na moralidade da administração pública.
A Ordem dos Advogados do Brasil, cônscia da missão institucional de pugnar pelo triunfo da Justiça e pela moralidade no trato da coisa pública, revelou-se importante partícipe dessa luta e autora de diversos pronunciamentos e fundamentações, buscando demonstrar que o cargo público não é propriedade do seu ocupante de plantão. O nepotismo ameaça o Princípio da Impessoalidade - segundo o qual todos os indivíduos devem ser tratados de maneira uniforme e sem privilégios - e os fundamentos constitucionais da moralidade do ato administrativo, que descreve os funcionários públicos como agentes delegados que devem atuar por conta e a bem do interesse público.
A propósito, no livro Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa, ensina o Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho: "Os exageros, sem dúvida escapam da verdade jurídica e da verdade de ordem constitucional. Convém, como preliminar, saber que o nexus moralis faz o conceito de justiça. Inclusive da Justiça formal, dialética e aberta a críticas conjunturais do processo histórico." Após ponderar sobre o elemento moral do ato administrativo, conclui: "A tese da moralidade administrativa, portanto, sustenta-se no elemento moral que deve integrar forçosamente o ato administrativo; moralidade aliada da eficácia, da conveniência e da equidade, aparecendo a moral como elemento de mérito, de juízo, contra o erro, o dolo, a violência e a arbitrariedade."
Coube ao Conselho Nacional da Justiça, órgão de controle externo de funcionamento da Justiça como um todo, baixar em 18 de outubro de
Arrostada a Resolução do Conselho Nacional de Justiça por uma pletora de liminares, em Tribunais de vinte Estados, a corrida pró-nepotismo só foi refreada graças a uma Ação Declaratória de Constitucionalidade impetrada pela colenda Associação dos Magistrados do Brasil, acolhida e referendada pelo Supremo Tribunal Federal em memorável sessão do dia 17 de fevereiro de 2006, por nove votos contra um. A maioria absoluta concorda que a prática do nepotismo fere os princípios da moralidade e da impessoalidade, garantidos no Artigo 37 da Constituição Federal.
No entanto, o que temos não é suficiente. Defendemos a extinção dos cargos em comissão, para que não se permita a barganha de favores entre autoridades de poderes diferentes - Legislativo, Executivo e Judiciário - em todos os níveis, e que outros sejam criados e preenchidos por concursos públicos, onde prevalecerá, na administração pública, a competência, o conhecimento, a qualidade: um sistema democrático de governo conduzido pelo talento.
Acreditamos ter havido um passo importante. A OAB Paraná, contudo, continuará pleiteando que medidas semelhantes sejam votadas no Congresso Nacional e na Assembléia Legislativa, estendendo-as a todos os níveis da administração pública federal, estadual e municipal. Para que não persista a tradição de que o Estado Brasileiro é um cabide de empregos.
No ocaso político em que vivemos, a luz que emana desse episódio estimula-nos a crer e a continuar propondo caminhos de solução compatíveis com o Estado de Direito.
"Não é separando a Moral do Direito que atingiremos a plenitude da civilização cristã." (Franco Sobrinho - ob. supra citada)
*Presidente da OAB/PR
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