"Augusto Nunes, para que processo então?"
O ministro Marco Aurélio dentro do seu indefectível estilo e com a franqueza que beira a acidez, que lhe é própria, surpreendeu o apresentador do programa e a bancada de entrevistadores que ficaram boquiabertos.
sexta-feira, 8 de abril de 2016
Atualizado em 7 de abril de 2016 16:39
O programa "Roda Viva", no ar há três décadas, é exibido pela TV Cultura de São Paulo com transmissão para todo o Brasil. Já foi, sem dúvida alguma, um dos melhores programas da pobre televisão brasileira. Não somente pelos apresentadores que conduziam a Roda como pelos entrevistadores/debatedores e, notadamente, pelos entrevistados que se colocam no centro do "Roda Viva".
Passaram pelo "Roda" personalidades marcantes da vida política e cultural brasileira e do mundo: Leonel Brizola, Fidel Castro, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor de Melo, José Saramago, Tom Jobim, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Noam Chomsky, Bibi Ferreira, Mario Vargas Llosa, entre outros.
Contudo, já há algum tempo, o programa perdeu em credibilidade e com certeza em audiência, principalmente, após focar em criticar sistematicamente os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da Presidenta da República Dilma Rousseff. Sem qualquer parcimônia e, muito menos, imparcialidade, o programa se transformou numa "Roda" de ataques aos petistas e aqueles que o apoiam. Os entrevistadores são escolhidos com todo cuidado entre aqueles que fazem parte da grande mídia e supostos intelectuais da direita.
Porém, o programa da última segunda-feira, 4, surpreendeu, até mesmo, o conservador e autoritário apresentador Augusto Nunes.
O "Roda Viva" entrevistou o ministro do STF Marco Aurélio Mello. Desde 13 de junho de 1990 no Supremo Tribunal Federal, o carioca formado pela respeitável Faculdade Nacional de Direito da UFRJ é um dos ministros mais respeitados e badalados do STF. Ninguém, absolutamente ninguém, para o bem ou para o mal, é indiferente ao ministro Marco Aurélio. O ministro Marco Aurélio é o mais requisitado pela imprensa, o mais espirituoso, o mais arremedado, o mais polêmico e, sem dúvida, um dos mais inteligentes e cultos que já passaram pela Corte Constitucional. A independência do ministro Marco Aurélio é marcada, não raras vezes, pelos seus votos divergentes que lhe isola da maioria dos demais ministros.
No "Roda Viva" da última segunda-feira o ministro Marco Aurélio dentro do seu indefectível estilo e com a franqueza que beira a acidez, que lhe é própria, surpreendeu o apresentador do programa e a bancada de entrevistadores que ficaram boquiabertos com a defesa que o ministro vez da presunção de inocência e do Estado Democrático de Direito.
Não poupou críticas ao número elevado de delações (colaborações) premidas, à operação "Lava Jato", ao excesso de prisões provisórias e, até mesmo, às decisões do próprio STF como, por exemplo, a que "flexibilizou" o princípio da presunção de inocência.
Em relação às delações ou colaborações premiadas o ministro Marco Aurélio foi enfático em dizer que vê "algo de errado no grande número de delações premiadas", disse o ministro: "Nunca vimos um número tão grande de delações. Não é aceitável que se mantenha o cidadão preso temporariamente por tanto tempo para que ele faça uma delação. Alguma coisa errada está havendo".
Sendo categórico em afirmar que: "Não compreendo alguém ser enviado ao xilindró e mantido lá até haver delação premiada, algo errado está havendo. Não estou pressupondo que haja invencionice dos delatores, ou melhor dos colaboradores do Judiciário, o que não compreendo é que se prenda, invertendo o princípio constitucional, que se prenda para fragilizar o ser humano e ele vir a delatar. Sob minha ótica científica, isso está acontecendo". Lembrou, ainda, que a delação premiada deve ser espontânea.
No "Roda Viva", Marco Aurélio, também, criticou as interceptações telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação "Lava Jato": "As divulgações são condenáveis a todos os títulos. Temos lei que impõe sigilo. Para divulgação de um magistrado, há pena prevista no campo administrativo. Agora, o conteúdo é algo super desagradável, para dizer o mínimo".
Em relação à nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ministro Chefe da Casa Civil, o ministro Marco Aurélio afirmou que: "Desde o início apontei que a integração de Lula ao ministério seria a tábua de salvação do governo. No caso ele iria para o ministério tentar resgatar o que ainda existe do Partido dos Trabalhadores", dizendo, ainda, que a nomeação é um ato exclusivo da Presidenta da República que independe de aprovação do Senado Federal, como no caso dos ministros do STF.
No que se refere ao processo de impeachment, o ministro Marco Aurélio asseverou que: "O Supremo jamais examinará a conotação política do que vier a ser deliberado pelas duas casas do Congresso. Mas o enquadramento jurídico em si, ele (Supremo) examina". O ministro voltou a repetir, já havia dito em recente entrevista, que "o judiciário é a última trincheira do cidadão".
Já no apagar das luzes do programa, o apresentador Augusto Nunes inconformado com as respostas do entrevistado, notadamente, em relação às delações premiadas, encheu a boca para dizer: "A esta altura já está tudo provado, como o senhor mesmo disse Ministro, trata-se do maior esquema de corrupção da história..." ao que o preclaro ministro respondeu em tom sarcástico e crítico: "Augusto Nunes, para que processo então?"
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*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado da banca Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados.