O meu caminho para a felicidade
Depois de ter percorrido o meu caminho rumo à felicidade, eu posso dizer : ouça o seu coração, acredite e siga adiante, sem medo.
sexta-feira, 8 de abril de 2016
Atualizado em 7 de abril de 2016 14:02
Já era tarde e eu ainda estava trabalhando. Havia terminado de dar mais uma aula na faculdade, em Brasília. Naquele dia, me sentia cansado. Resolvi telefonar para o meu pai, que vive no Piauí.
Depois de ouvir o meu desabafo, ele perguntou: "O que você quer dessa vida, meu filho?". Eu respondi: "Eu quero ser rico, pai!". Foi quando ele questionou: "Se você olhar para onde você está agora, o que você vê?". Eu só conseguia enxergar livros; sobre a mesa, no chão, preenchendo a estante, ocupando todas as gavetas, na minha bolsa, numa maleta no canto da sala, embaixo da mesa, sobre a cadeira..., aqui, acolá e em todo o lugar.
"Eu vejo livros". Ele retrucou: "Você ama livros, Saul! Por isso, você tem um monte deles. Na vida, terminamos tendo aquilo que amamos. Para ser rico, você precisa amar o dinheiro. Você ama o dinheiro?". Não consegui responder. Eu não estava certo da resposta.
Três meses depois, Marcelo Zerbini, um ex-aluno, retornou da África do Sul trazendo-me um presente, o livro "A Estranha Alquimia da Vida e da Lei", de Albie Sachs, um jurista que foi indicado por Nelson Mandela para a Corte Constitucional do país.
Eu achava que dominava o inglês, mas a verdade é que eu não dominava. Usando o google tradutor, fui decifrando uma sentença de cada vez. Ler sobre a África do Sul fez o meu coração disparar. Decidi publicar um artigo sobre Albie Sachs e o seu legado. Graças ao amigo Adriano Trindade, consegui o email dele. Eu lhe escrevi num inglês quase incompreensível, e anexei o artigo. Ele respondeu. Albie foi carinhoso, sensível e generoso. Para a minha surpresa, ele tinha lido o artigo. Por ter vivido onze anos em Moçambique, durante o apartheid, ele fala português. Esse episódio mudou a minha vida.
Em dezembro de 2013, Rebeca, a minha noiva, e eu, aterrissamos na Cidade do Cabo, onde ficaríamos por pouco mais de um mês estudando inglês. Depois de algumas semanas, escrevi para Albie novamente. Ele me convidou para um café. Nós conversamos por duas horas. Percebendo que eu estava nervoso e sem conseguir falar perfeitamente, ele me ajudou usando palavras em português. Após um tempo, ele me perguntou: "Você quer ir para a minha casa?". Lá, eu fiquei por todo o dia na companhia de uma pessoa que me inspirou enormemente, alguém que foi apresentado, a mim, pelos livros.
Em fevereiro de 2014, eu e a Rebeca estávamos no aeroporto da Cidade do Cabo, voltando ao Brasil. A bagagem ultrapassou o peso em razão dos livros que eu havia adquirido. Rebeca teve de correr para comprar duas outras malas, enquanto eu tirava tudo de dentro da bagagem e lidava com as taxas extras. Estávamos atrasados e eu tinha certeza de que perderíamos o vôo. Rebeca colocou alguns livros na sua bolsa e eu cheguei a guardar outros dentro da minha própria roupa. Eu prometi a ela que jamais faria aquilo novamente, mas essa promessa não durou muito.
Caminhando pelo aeroporto, avistei uma livraria. Passando por uma das prateleiras, o título de uma obra chamou a minha atenção: "Justiça". Eu peguei o livro. Nele, vi o rosto de um senhor com o subtítulo ao lado: "Uma versão pessoal". Edwin Cameron era o autor. Ele caminhava num pátio claro, com um vitral ao fundo, ao lado de uma jovem que segurava uma agenda. Cameron vestia uma toga verde. Para a minha surpresa, ele era juiz da Corte Constitucional da África do Sul.
Resolvi comprar o livro. No avião, comecei a lê-lo. Eu não consegui parar. Como o meu inglês estava um pouco melhor, rapidamente as folhas ficaram repletas de anotações. No Brasil, eu escrevi um artigo sobre o Juiz Cameron e encaminhei para a Corte, por fax, junto com os meus contatos. Algumas semanas depois, recebi um email do próprio juiz. Ele, assim como Albie, foi carinhoso, sensível e generoso.
Depois desses eventos, eu decidi voltar, dessa vez para uma longa temporada. Rebeca pediu demissão do escritório no qual trabalhava, mesmo estando inteiramente integrada aos colegas. Eu contei com uma licença do meu escritório, um suporte sem o qual eu jamais poderia ter partido. Além disso, pedi demissão das faculdades onde lecionava em Brasília e cancelei o contrato de aluguel do apartamento onde morava. Tudo o que eu acumulei ao longo da vida se transformou em caixas de papelão, que foram enviadas para a casa dos meus pais, no Piauí. Chegamos na Cidade do Cabo em dezembro de 2014.
Dia 2 de julho de 2015 fazia um inverno monumental lá. Eu havia feito o meu application para a Corte Constitucional, mas não havia recebido resposta. O Tribunal tem um programa para estrangeiros que pretendem atuar como clerk, basicamente, assessorando os juízes. A ansiedade estava me matando. Sentindo o meu humor, Rebeca sugeriu um filme, em Waterfront. O Cinema Nouveau é o nosso predileto. Fomos à pé.
No cinema, vimos o cartaz do filme "5 to 7", cuja tradução no Brasil é "Encontro Marcado". Dirigido por Victor Lenin, o enredo traz o escritor iniciante de Nova Iorque, Brian (Anton Yelchin), num romance com a bela Arielle (Bérénice Marlohe), esposa de um diplomata francês confortável com a relação extra-conjugal. Numa cena, Brian abre a caixa de correio e pega uma carta enviada por uma das tantas editoras para onde ele havia remetido originais do seu livro. Era só mais uma recusa. No pequeno apartamento, ele cola a carta na parede. Ao lado dela, preenchendo todo o quarto, havia dezenas de outras. "Eu sou o Brian", pensei. O jovem escritor, ao final, conquista o sonho de ter seu livro publicado. "Eu não sou o último Brian; sou o primeiro, cheio de cartas de rejeição", martelava na minha cabeça.
Em casa, Rebeca foi até a geladeira. "Quer jantar?", perguntou. "Vou lá em cima abrir meus emails". Subi a escada sufocado. Diante do computador, fui deletando todos os emails. Foi quando vi um com o título "Congratulations". Eu não conhecia o remetente, mas o sobrenome era sul-africano. Enviado da Corte Constitucional, uma assessora me parabenizava pela aceitação como clerk. Eu estava esperando aquela resposta há sete longos meses. Costumava atualizar o email até seis vezes por dia. O nó na garganta se desfez. Ali, eu senti a minha alma gargalhando.
Hoje, eu posso dizer: valeu a pena. Há um momento que ilustra tudo. Na Corte Constitucional, no final de janeiro desse ano, o juiz Johann van der Westhuizen fazia o seu discurso de despedida, antes de se aposentar. Citando Nelson Mandela, ele disse: "Agora está nas suas mãos".
Eu estava lá, não como um turista que visitava a Corte, como eu costumava fazer, mas como um clerk, um assessor, parte da engrenagem responsável por proteger a Constituição. Eu era o assessor do Juiz Edwin Cameron. Albie Sachs, mesmo aposentado, também estava presente. Ele piscou o olho e deu um sorriso discreto na minha direção. Cameron e Albie, os personagens reais de dois livros que mudaram a minha vida, estavam ali, na minha frente, e eu, orgulhosamente vestido em minha toga, era parte de tudo aquilo.
O meu pai estava certo: terminamos tendo aquilo o que amamos. Eu não amo o dinheiro. Eu amo os livros. Dei o meu coração para eles e eles me guiaram para uma experiência de transformação pessoal na África do Sul. Depois de ter percorrido o meu caminho rumo à felicidade, eu posso dizer: ouça o seu coração, acredite e siga adiante, sem medo. Como Nelson Mandela disse: "Agora está nas suas mãos".
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*Saul Tourinho Leal é advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados, doutor em Direito pela PUC/SP, professor do IDP e autor de vários livros, dentre eles, "Direito à Felicidade", cujas pesquisas serviram de base para o voto do ministro Celso de Mello, do STF, no julgamento sobre as uniões homoafetivas. Foi professor visitante na Universidade Georgetown e funcionou como International Expert perante a Comissão de Implementação da Constituição do Quênia.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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