O pato da FIESP. Plágio?
A despeito de ser a violação de direito de autor mais conhecida e comentada, o plágio não está explicitamente contido na Lei de Direito Autoral.
terça-feira, 5 de abril de 2016
Atualizado em 4 de abril de 2016 16:30
Quem acompanha o noticiário político sabe que a FIESP (Federação da Indústria do Estado de São Paulo) mantém um pato amarelo inflável na porta de sua sede na paulista e instalou nos gramados da esplanada dos Ministérios, em Brasília, mais de uma centena de patos amarelos de borracha. O pato é uma espécie de mascote da campanha contra o aumento e a criação de impostos e possui até um sítio na internet (www.naovoupagaropato.com.br).
A imprensa divulgou nos últimos dias (BBC, O Globo, UOL) que o artista plástico holandês Florentijn Hofman, autor da obra Rubber Duck, acusou a FIESP de ter plagiado sua criação, no caso, o pato:
Algumas coincidências são relatadas nas matérias. A primeira é que o artista já havia apresentado sua criação no Brasil e que encomendou de uma empresa brasileira a confecção do pato. A mesma empresa produziu o pato da FIESP. Outro aspecto noticiado é que a FIESP teria enviado para a fábrica de bonecos infláveis uma foto do pato do holandês como referência.
Em nota à imprensa, a FIESP diz que se inspirou nos "patinhos de banheira" e não confirma o envio da foto. A empresa, por sua vez, afirma que o projeto é novo, que é muito simples e que demorou quatro horas para elaborá-lo.
É comum no noticiário e nos meios acadêmicos se ouvir acusações de plágio. Os acusadores usualmente não têm dimensão da gravidade dessa imputação que, em boa parte das vezes, se revela em desacordo com as normas que regem o direito autoral, porque o plágio - como ilícito de direito - se distancia muito daquilo que o senso ordinário concebe como tal.
A despeito de ser a violação de direito de autor mais conhecida e comentada, o plágio não está explicitamente contido na Lei de Direito Autoral. O ilícito civil disciplinado na lei de regência da matéria é a chamada contrafação, conceituada como "reprodução não autorizada". Essa omissão, entretanto, não significa que o plágio não seja condenável juridicamente. Ao contrário, trata-se da infração mais odiosa na seara do direito autoral.
A dissimulação é elemento essencial para a configuração do plágio. O contrafator - aqui entendido genericamente como aquele que viola o direito de autor - quando decide plagiar uma obra, procura disfarçar seu ato. Esconder seu dolo é o escopo.
A propósito da discussão, ressalte-se que para uma obra ser protegida é preciso, entre outros elementos, identificar originalidade e criatividade na exteriorização do pensamento. Uma obra é original quando ela tem traços característicos próprios que a diferenciem de uma pré-existente. A criatividade se revela no ato do criador e se traduz no detalhe que o autor acrescenta à realidade. É criativo o esforço intelectual que transforma.
Vale mencionar que a originalidade serve como critério distintivo para revelar se uma obra é copiada ou plagiada de outra. Apenas a obra original é protegida pelo direito autoral, não a cópia. À fraude, o direito autoral não concede proteção em virtude de faltar ao fraudador, ao copista, ao contrafator, um mínimo de esforço intelectual que distinga a sua cópia da obra original. Não se pode pretender proteger uma obra que tem variações triviais de outra preexistente. É necessário, pois, que possa ser identificado o ato de criador. Variações simples, modificações superficiais, alterações pequenas não importam em obra protegida.
Voltando ao pato e diante do que já foi dito, não parece ter havido plágio. A identidade da obra do holandês com os patos de borracha vendidos no mercado é marcante. Sugiro, a propósito, que o leitor digite rubber duck no google e faça a comparação com a obra do holandês. Em um segundo momento, compare o pato da FIESP com os de borracha e, por fim, compare o da FIESP com o do artista. A conclusão é de que os três têm semelhanças. Se Florentijn Hofman usou como inspiração o pato de borracha para conceber sua obra, não pode impedir que outras pessoas (artistas ou não) o façam.
Pode-se ainda argumentar que o plágio foi verificado na cópia do projeto do pato. Isto é, no esforço intelectual do artista em conceber um cálculo estrutural para viabilizar a sustentação do brinquedo inflável. Ainda assim, parece que, diante do que alegou a empresa que executou sobre a simplicidade do projeto, não haveria como conceber a existência de ilícito.
É preciso lembrar ainda que a semelhança entre obras não signifique - necessariamente - plágio. Os temas se repetem numa constante e o aproveitamento do acervo cultural é próprio da criação. O direito de autor não se presta a estabelecer um monopólio sobre ideias, personagens caricatos, gêneros literários, narrativas básicas, temas, coisas comuns, fatos históricos etc. As coincidências, as referências identificadas em obras não devem ser inibidas nem inibir os autores, sob pena de se sacrificar o propósito desse ramo do direito. O direito autoral só existe para estimular novas criações, estabelecendo um privilégio temporário para que o autor continue criando e para que surjam novos criadores.
Finalmente, o direito autoral não cria monopólio sobre temas e ideias. Esse nobre ramo da ciência jurídica é dedicado a estabelecer direitos de natureza moral e patrimonial, que incidem sobre uma forma de expressão original e criativa, mas não permitem ao autor o estabelecimento de um escudo intransponível que envolva a obra e impeça qualquer outra pessoa de usá-la dentro dos limites legais.
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*Luciano Andrade Pinheiro é advogado do escritório Corrêa da Veiga Advogados Associados.