Aspectos que todos os empresários deveriam saber para formação do fundo de comércio das empresas
É fundamental elaborar estudo referente aos elementos que constituirão o modelo de negócio a fim de avaliar se há violação aos direitos imateriais de terceiros.
quinta-feira, 31 de março de 2016
Atualizado em 30 de março de 2016 15:08
Para uma sociedade empresária alcançar posição de destaque no mercado e criar a sua identidade/personalidade, é necessário o investimento na formação do fundo de comércio como: a constituição da empresa e do conjunto de bens corpóreos ou incorpóreos que facilitarão o exercício da atividade empresarial.
Assim, para a valorização do trabalho humano e da livre concorrência, conforme o disposto no artigo 170 da CF/88, há a necessidade de criar uma identidade com o consumidor, por meio das marcas, para que o empresário possa se diferenciar da concorrência, bem como criar o conjunto-imagem - layout da empresa - reconhecido pelos Tribunais Brasileiros pela expressão inglesa - Trade Dress.
Como o empresário não tem a garantia de retorno do investimento, muitas vezes, antes de se estabelecer no mercado, é obrigado a encerrar as atividades pela falta de recursos financeiros ou pela atuação desleal de empresas que controlam o mercado.
Dentre os requisitos essenciais para o sucesso do empreendimento, o principal encontra-se na criação de uma logomarca com capacidade distintiva que consiga jungir a qualidade dos produtos/serviços ao nome e, a partir do investimento em marketing/publicidade, fazer com que a marca seja reconhecida pelos consumidores.
Contudo, o que se percebe pela análise e a atuação, na área de Propriedade Industrial - marcas - é que a grande maioria dos empresários procura, para a criação do fundo de comércio, desenvolver logomarcas descritivas/evocativas de forma que o consumidor possa, simplesmente, identificar o produto e o serviço, reduzindo os investimentos com publicidade, fazendo com que a marca seja reconhecida pelos consumidores instantaneamente.
Além de se aproximar dos consumidores, aproximam-se da concorrência e dividem o mercado com marcas semelhantes e idênticas que, geralmente, variam, sutilmente, pela apresentação gráfica.
Quando há a presença de marcas descritivas/evocativas para o mesmo setor, a nova marca poderá, em tese, se aproveitar do elemento comum à atividade para criação da marca, mas jamais se destacará em relação à concorrência.
A lei 9.279/96 e a hermenêutica adotada pelos Tribunais impedem a aquisição, por um único particular, de expressões comuns à atividade/ domínio público e, pela interpretação do artigo 124, inciso VI, da lei 9.279/96, das teorias da distância e da diluição, permitem a convivência pacífica de marcas semelhantes para identificar produtos e serviços afins. Veja-se:
"Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admitindo-se a sua utilização por terceiros de boa-fé". (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgRg no AREsp 100976 SP 2011/0237750-1)
Todavia, em razão do uso singular e contínuo, há casos em que marcas formadas por elementos comuns poderão adquirir significação diferenciada de forma a ser considerada pela doutrina como um secondary meaning, e, quando o titular de um registro de marca, sem qualquer limitação de direito pela Autarquia Federal, percebe a presença de outras empresas se aproximando gráfica e foneticamente da sua marca, esses atos já terão acarretado a perda da unicidade do sinal e de mercado.
Ante a ausência de reconhecimento dessa condição pela Autarquia Federal - Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, os Tribunais, para averiguação do segundo significado, declaram que o conjunto da marca não poderá ser óbvio, ou seja, formado em sua composição, apenas, por elementos comuns à atividade, havendo a necessidade do sinal apresentar em sua essência a capacidade de se destacar.
"Todavia, para a confecção sua marca a Recorrente valeu-se de palavras comuns, que, isolada ou conjuntamente, não podem ser apropriadas com exclusividade por ninguém, já que são de uso muito corriqueiro e desprovidas de originalidade" STJ - Recurso Especial: Resp 1039011 Rj 2008/0053676-1.
"O reconhecimento da incidência no caso concreto da Teoria do Significado Secundário, conhecida na sua versão anglófona como Secondary Meaning, deve encontrar base em elementos probatórios que demonstrem a projeção desse novo significado perante o mercado e nunca pode implicar na apropriação do significado primário do sinal marcário". TRF-2 - APELAÇÃO CIVEL: AC 356240 RJ 2001.51.01.536393-6
Nesse escopo, a possibilidade de excluir terceiros, por meio das liminares, torna-se tarefa ainda mais árdua, ante a possibilidade de ser reconhecida pelo Tribunal a falta de distintividade, limitando, consideravelmente, o alcance das normas contra a violação de marca, previstas nos artigos 124, 130 e 195 todos da lei 9.279/96.
Então, a escolha por marcas que facilitem a identificação do produto e do serviço, em vez de marcas distintivas que não guardam relação direta/indireta com o produto e/ou o serviço, poderá, no início das atividades, reduzir o investimento, mas, posteriormente, caso a marca venha a ganhar mercado, o empenho financeiro para a manutenção da unicidade e da exclusividade se tornará tarefa onerosa.
Isso é decorrente do sistema adotado pelo INPI que, além de ser extremamente moroso, não reconhece o instituto do secondary meaning quando, constantemente, privilegia a diluição/erosão das marcas renomadas, por meio de exames estéries que excluem a representatividade daquele sinal no mercado como se fossem marcas desconhecidas da coletividade.
Outro ponto que precisa ser destacado é que, além da marca, o empresário, quando adentra em segmento especifico, é obrigado a conhecer a concorrência e, para evitar a violação de bens de propriedade industrial de terceiros, deverá realizar estudo referente ao conjunto-imagem (trade dress).
O trade dress é conceituado como a roupagem pela qual o produto ou o serviço se apresenta no mercado. A proteção poderá recair sobre: cor ou esquema de cores, forma de embalagem, configuração de um produto, sinais, frases, disposições e tamanhos de letras, gráficos desenhos, emblemas, brasões, texturas e enfeites ou ornamento em geral, vindo a ser um instrumento de importância para proteção do fundo de comércio dos empresários, evitando a prática de confusão e de associação.
Isso não quer dizer que toda e qualquer apresentação será passível de proteção. Muitas vezes, a jurisprudência exige para o seu reconhecimento a proteção por meio de monopólios como: marcas, desenho industrial e/ou desenho autoral.
Assim, em certos casos, haverá crime quando o empresário utiliza de padrão distintivo adotado por terceiros, bem como crime contra a ordem econômica e a sociedade, quando o empresário - líder de mercado - procura se apoderar do código da categoria para excluir a concorrência, configurando infração ao artigo 170 da CF e ao disposto nos artigos 36, I e §3º, IV, da lei 12.529/11.
O abuso do empresário de tentar se apropriar de um código da categoria ou de bens que representam o domínio público, caracteriza uma forma de limitação no modo de agir da outra empresa porque impede o acesso de novas empresas ao mercado e, consequentemente, de novos produtos/serviços pelos consumidores.
Embora a intenção da lei seja a proteção do empresário contra os atos de associação e de confusão, a partir de elementos característicos do produto/serviço a distinguir, este, quando adota em seu fundo de comércio elementos comuns à atividade e que são facilmente identificados na concorrência, não poderá restringir a atuação de terceiros no mercado.
A admissão de exclusividade sobre esses elementos configurará em monopólio do titular da marca mais antiga, subtraindo o intuito social da atividade empresarial que objetiva a tutela da livre concorrência. Veja-se:
As cores dos recipientes - caixas, embalagens, etc - usadas na comercialização de produtos são elementos neutros no marketing próprio das empresas, não constituindo, como já foi dito, um diferenciador mercadológico ou um conjunto de imagem (trade dress) capaz de causar imitação e confusão em relação à origem do produto, com o objetivo de proveito próprio da notoriedade da marca do concorrente e evidente intenção de desviar o público consumidor, que possam atrair vedações e condutas tipificadas pela lei de propriedade industrial.
Dessarte, não se pode, como pretendido na presente demanda, tratar, com excessivo rigor, a simples semelhança e coincidência de cores nas latas de cerveja, tendo em vista envolver situações extremamente habituais e ser facilmente previsível que os consumidores criem vínculos com outros elementos do produto "cerveja" por eles já conhecidos, como a própria marca inscrita
no recipiente, potencializada no mercado em especial pelo seu atrativo sabor. (STJ - Recurso especial - Resp 1376264RJ/0087236-8)
Então, de acordo com a situação ou o caso concreto, na escolha de elementos para formação do fundo de comércio há a necessidade de elaboração de estudo referente aos elementos que constituirão o modelo de negócio para avaliar se há alguma violação aos direitos imateriais de terceiros.
Em razão do exposto, mesmo com a elaboração do estudo, riscos de litígios envolvendo marcas e trade dress jamais poderão ser afastados por completo, e, como vem acontecendo, ao judiciário caberá analisar o fato concreto e afastar os atentados à livre concorrência, à livre iniciativa e a prática de associação e confusão de marcas que possam causar concorrência desleal.
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*Fábio Rodrigues Guimarães da Silva é advogado do escritório Denis Borges Barbosa Advogados. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela PUC/RJ.