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Da (im)possibilidade da prorrogação da competência relativa em razão do lugar no processo do trabalho frente ao princípio do acesso à Justiça e proteção ao hipossuficiente

Priscilla Mirelle Ramos Silva, Juliana Gabriela Bomfim Gomes e Bruno Henning Veloso

segunda-feira, 28 de março de 2016

Atualizado em 24 de março de 2016 16:39

[As regras de competência territorial no Processo do Trabalho previstas no artigo 651 da CLT vêm sendo relativizadas para o domicilio do empregado, independentemente do local da prestação dos serviços, em face da aplicação do princípio do acesso à Justiça.]

RESUMO: O presente artigo acadêmico tem o escopo de investigar a possibilidade da prorrogação da competência relativa em razão do lugar no Processo do Trabalho, à luz dos princípios do acesso à Justiça e da inafastabilidade do Poder Judiciário inseridos na Constituição Federal, e o princípio basilar do Direito do Trabalho da proteção ao hipossuficiente, tendo em vista que, recentemente, vem à tona a calorosa discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de flexibilização da competência territorial para o domicílio do trabalhador, alterando as regras primitivas trazidas no artigo 651 da CLT. A partir da análise bibliográfica e jurisprudencial sobre a matéria, busca-se uma resposta para a problemática que, de forma ponderada, não infrinja de maneira indistinta a norma legal de ordem pública prevista pelo legislador na CLT.

Palavras-chave: Competência. Processo do Trabalho. Acesso à Justiça. Artigo 651 DA CLT.

1. Introdução

O presente estudo científico busca analisar a possibilidade, ou não, da prorrogação da competência territorial para o domicílio do obreiro no Processo do Trabalho, mesmo que não haja identidade com a regra contida no artigo 651 da CLT, em face da interpretação extensiva dos princípios do acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88) e da proteção ao hipossuficiente.

Observa-se, hodiernamente, um dissenso doutrinário e jurisprudencial acerca do tema proposto, uma vez que as normas que dispõem sobre as regras de competência são de ordem pública, não cabendo ao Julgador estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas no texto legal.

Por intermédio de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial, serão investigadas as posições diversas sobre a questão, para, ao final, através de uma ponderação entre os argumentos distintos, lançar uma conclusão que, efetivamente, revele o alcance do acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88) e da proteção ao hipossuficiente, sem que, com isso, se permita abusos no exercício do direito de ação, bem como demandismos e litigiosidades desnecessários.

2. Competência relativa em razão do lugar

Regra geral, conforme preconiza o artigo 651 da CLT, a competência das Varas Trabalhistas é determinada pela localidade onde o reclamante prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

Cumpre salientar que a competência territorial é prorrogável. Desse modo, ensina Carrion (2011, p. 577):

Se o réu não comparecer para alegar a incompetência territorial, ou comparecendo, não a alegar no momento da contestação, o órgão judicial, que inicialmente não a possuía, passa a tê-la, não podendo o juiz declará-la de ofício.

Assim, pois, é imperioso concluir que, ajuizada a reclamação trabalhista em local diverso, deverá a reclamada apresentar, na primeira audiência, a exceção de incompetência em razão do lugar, sob pena de preclusão, e prorrogação da competência.

Portanto, pelos fundamentos supra, o juiz antes de receber a contestação deve julgar a exceção de incompetência, sendo que da referida decisão não será cabível recurso de imediato, por se tratar de uma decisão interlocutória, salvo na hipótese prevista no item c da Súmula 214 do TST, abaixo transcrita:

Súmula nº 214 do TST

Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. [893], § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão:

a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho;

b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal;

c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT. (grifamos)

Notadamente, só caberá recurso imediato se o juiz acolher a exceção de incompetência territorial e determinar a remessa dos autos para vara do trabalho de outro TRT.

Neste caso, o recurso cabível será o Recurso Ordinário, no prazo de 8 dias, nos termos do artigo 898, inciso I da CLT.

Depreende-se do exposto uma das três exceções ao princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, prevista no artigo [893], § 1º da CLT, que dispõem:

Art. 893 - Das decisões são admissíveis os seguintes recursos:

§ 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.

Como visto acima, a regra é o local da prestação do serviço, porém há exceções previstas no próprio bojo da Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 651, que assim estabelece:

Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

§ 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima. (Redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999)

§ 2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

§ 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

Acrescente-se que somente duas são as exceções à regra do local da prestação de serviços, a saber: a primeira, quando o empregado for viajante ou agente. Nesta hipótese, a competência será da vara da localidade em que se situa a filial a que o empregado está subordinado. Não havendo, será o local do domicílio do empregado.

De bom alvitre registrar que apenas nessa hipótese se admite o domicílio como critério para definir a competência.

A segunda exceção, preconizada no § 2º do art. [651] da CLT, trata das empresas itinerantes, ou seja, empresas que promovam atividades em mais de uma localidade. Nesta hipótese, o empregado poderá optar pelo local da contratação ou de qualquer local onde o serviço foi prestado.

Posto isto, consoante fundamentação supra, a opção do empregado só é possível nessa hipótese. Não se aplica esta última exceção se a empresa possuir diversas filiais e o empregado prestar serviços em apenas uma delas, pois a exceção diz respeito exclusivamente às empresas itinerantes.

Repise-se, por fim, que a competência territorial é relativa, ou seja, se não arguida no momento oportuno, prorroga-se a competência do juízo, bem como não pode o juízo determinar a competência como forma de proteção ao empregado.

3. Dos princípios do acesso à Justiça e da proteção ao hipossuficiente

3.1 Princípio do acesso à Justiça

O princípio do acesso à justiça esculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal - "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"-, pressupõe que todos possam postular a defesa dos seus direitos, frente a uma lesão ou ameaça, perante o Poder Judiciário.

À propósito, sobre princípio, afirma Mello (1996, p.545-546):

Principio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.

Arrematando o disposto acima, extrai-se que o acesso à justiça não poderá ser negado ao cidadão em nenhuma hipótese. Indo além, como um princípio fundamental, o acesso à justiça é muito mais abarcante do que o acesso ao Poder Judiciário, é um direito essencial ao exercício da cidadania e está intensamente unido à justiça social.

E ainda, o direito de ação, como também é denominado o principio do acesso à justiça, na lição de Dezen Jr (2010, p. 141): "O poder de agir é um direito subjetivo publico consistente na faculdade do particular fundada em norma de direito publico".

Portanto, conclui-se que o princípio do acesso à justiça, consagrado na Constituição Federal de 1998, procura vetar que a interpretação da Legislação impeça o amplo acesso ao Poder Judiciário.

3.2 Princípio da proteção ao hipossuficiente:

O princípio da proteção ao hipossuficiente é, segundo Saraiva (2005, p. 29):

(...) sem dúvidas o de maior amplitude e importância no Direito do Trabalho, consiste em conferir ao pólo mais fraco da relação laboral - o empregado - uma superioridade jurídica capaz de lhe garantir mecanismos destinados a tutelar os direitos mínimos estampados na legislação laboral vigente.

Sendo assim, tem-se que a proteção ao hipossuficiente visa a equilibrar a relação trabalhista, amenizando a ascendência financeira do empregador em face da fragilidade do empregado.

Por outro lado, não se deve esquecer que o protecionismo das leis e os princípios trabalhistas, como o princípio da proteção ao empregado hipossuficiente, são ferramentas de isonomia entre as partes integrantes da relação trabalhista.

Com efeito, segundo os ditames supramencionados, o princípio da proteção ao hipossuficiente nada mais é do que o princípio norteador do direito do trabalho instituído para que não haja a superioridade entre as partes integrantes da relação trabalhista.

4. Da (im)possibilidade de prorrogação da competência relativa em razão do lugar no processo do trabalho frente aos princípios do acesso à justiça e da hipossuficiência do empregado

A competência territorial (ratione loci), leva em conta o limite territorial de cada órgão que integra a Justiça do Trabalho, sendo considerada relativa, pois integra o interesse das partes no processo, não podendo o magistrado, ex officio, reconhecêla, conforme disposto no artigo 112 do CPC. Portanto, caso não seja impugnada pelo reclamado no prazo de defesa, conforme previsão do artigo 799 e seguintes da CLT, a competência territorial prorrogar-se-á de imediato, sem qualquer possibilidade de modificação posterior (SCHIAVI, 2013, p.279).

Atualmente, contudo, um representativo número de reclamações trabalhistas vem sendo propostas no foro de domicílio do reclamante, que, na maioria das vezes, não coincide com as exceções previstas no § 3º, do artigo 651 da CLT, quais sejam, o foro da celebração do contrato, ou, aquele onde, de fato, ocorreu a efetiva prestação dos serviços pelo obreiro, quando o empregador promover a realização das suas atividades fora do lugar do contrato de trabalho.

Nesses casos, mesmo a parte reclamada apresentando no prazo de resposta a exceção de incompetência prevista no artigo 799 da CLT, arguindo a incompetência do foro, uma sensível parcela dos magistrados vem rejeitando este instrumento processual de defesa, sob o argumento de que a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do artigo 651 da CLT deve-se ceder lugar ao ajuizamento da demanda no domicílio do autor, como forma de acompanhar a evolução social e jurídica do Direito do Trabalho, prestigiando o princípio constitucional do acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, bem como o princípio informativo da proteção ao hipossuficiente que orienta o direito do trabalho.

Comungando com este entendimento, colhe-se a posição de Gérson Marques, citado por Mauro Schiavi (MARQUES apud SCHIAVI, 2013, p. 280), ipse literis:

O apego arraigado ao art. 651, da CLT, pode, em alguns casos, conduzir à denegação da Justiça, mediante o negatório do acesso ao Judiciário, princípio este insculpido no art. 5º, XXXV, CF. Desta sorte, a interpretação da norma processual há de se pautar no asseguramento real e efetivo do acesso à Justiça. Esta ilação, pondere-se, en passant, robustece-se ao lume do Direito Obreiro, onde se prima pela proteção do hipossuficiente.

E, a partir dessa interpretação doutrinária, a jurisprudência recorrente dos sodalícios brasileiros vem lançando os seus julgados, conforme se depreende das seguintes ementas:

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA RELATIVA EM RAZÃO DO LUGAR - APLICAÇÃO DO "CAPUT", ARTIGO 651 DA CLT - GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. A regra do caput do art. 651 da CLT deve se harmonizar, em situações excepcionais, com a garantia constitucional de acesso ao judiciário, nos casos em que o trabalhador comprove a impossibilidade, por saúde, ou real dificuldade financeira de se locomover até local diverso de sua residência ou de seu trabalho para o ajuizamento de reclamatória trabalhista. Configurada essas hipóteses, a flexibilização da norma infraconstitucional se impõe, fixando-se a competência do juízo da distribuição do feito. Todavia, a exceção não se encaixa no caso do recorrente, porquanto, pelas informações constantes nos autos, o reclamante exerce atualmente a função de "analista de laboratório", recebendo salário superior ao dobro do mínimo legal e não há prova de sua dificuldade de locomoção até o local da prestação de serviços. Acrescente-se que a instrução processual com oitiva de testemunhas e produção de prova pericial, se for o caso, será feita no juízo da prestação laboral, conforme admitido pelo próprio autor em petição específica. Decisão correta que se mantém. Recurso desprovido. (TRT-3 - RO: 008452010042030000000845-48.2010.5.03.0042, Relator: Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta, Segunda Turma, Data de Publicação: 01/12/2010 30/11/2010. DEJT. Página 83. Boletim: Não.)

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DO LUGAR. AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DA RECLAMANTE. PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA SOBRE A INTERPRETAÇÃO MERAMENTE LITERAL DO ARTIGO 651, § 3º, DA CLT. No caso, ficou incontroverso que a reclamante, residente e domiciliada em Campo Grande - MS, foi contratada e prestou serviços no Estado do Rio Grande do Sul. A trabalhadora, pretendendo o pagamento de danos decorrentes de acidente de trabalho, bem como a retificação da CTPS e o pagamento de diferenças de INSS e FGTS, ajuizou esta reclamação trabalhista na Vara do Trabalho de Campo Grande - MS, que possui jurisdição no local de domicílio e residência dela. A oferta de emprego é escassa e o desemprego é realidade social em nosso país, o que obriga vários trabalhadores a se mudarem para regiões diversas, ainda que provisoriamente, deixando para trás seus familiares, em condições precárias, com o intuito de procurar trabalho para suprir necessidades vitais de subsistência, própria e de sua família. É realidade, ainda, que esses trabalhadores se submetem a condições de emprego precárias e a empregos informais. Se a autora, após o acidente de trabalho na reclamada, passou a residir em Campo Grande - MS em face de lá possuir família, significa que não teve outra alternativa. Dessa forma, tem-se cada vez mais firmado o entendimento, neste Tribunal superior (como demonstram os precedentes citados na fundamentação), de que, em casos como este ora em exame, o direito fundamental de acesso à Justiça das partes trabalhistas deve preponderar sobre a interpretação meramente literal do artigo 651, § 3º, da CLT, apontado como violado pela recorrente. Além disso, é possível aplicar à hipótese, por analogia, a exceção prevista no § 1º do artigo 651 da CLT, que atribui competência à Vara do Trabalho do domicílio da reclamante, quando inviabilizado o ajuizamento da reclamação trabalhista no foro da celebração do contrato ou da prestação dos serviços. Essa interpretação, além de mais bem corresponder à letra e ao espírito do artigo 651, §§, da CLT, mostra-se mais consentânea com princípio constitucional de acesso à justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e com a constatação prática de que, em muitos casos, a exigência legal de que o trabalhador ajuizasse a sua reclamação no lugar em que prestou serviços, mesmo quando voltou a residir no lugar de seu domicílio, acabaria por onerar excessivamente o exercício do direito de ação pela parte hipossuficiente. Assim, o Regional, ao reconhecer a competência da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande para apreciar e julgar este feito, atendeu a finalidade da lei e garantiu o livre acesso da reclamante ao Judiciário, permanecendo incólume o artigo 651 da CLT. Recurso de revista não conhecido. (TST - RR: 9615520115240003961-55.2011.5.24.0003, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 04/09/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/09/2013)

Noutro giro, há os que defendem ser o § 3º do artigo 651 da CLT exceção à regra geral prevista no Caput para que seja firmada a competência territorial no processo do trabalho, devendo, por sua própria natureza, ser interpretado de forma restritiva, objetivando a concretização da igualdade formal dos litigantes, sem que haja qualquer ofensa ao princípio do acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.

Neste sentido, leciona a doutrina de escol de Carrion (2011, p.581):

A opção concedida ao empregado, entre o lugar da contratação ou de execução do trabalho (art. 651, § 3º), deve ser interpretada harmonicamente com o caput do mesmo artigo, que aparentemente diz o contrário; o parágrafo é uma exceção que não revoga a regra geral do caput; assim, a opção do empregado só pode ser entendida nas raras hipóteses em que o empregador desenvolve seu trabalho em locais incertos, eventuais e transitórios, como é o caso das atividades circenses, artísticas, feiras, exposições, promoções, etc.; obviamente que, nessa hipótese, distingui-se o juízo competente (o órgão desse local) daquele que realizará a citação, mediante precatória.

De mãos dadas com o referido entendimento, a jurisprudência mais recente dos nossos Tribunais Regionais do Trabalho vem se posicionando, conforme revelam os seguintes arestos que pedimos vênia para trazer à colação:

INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR - EXEGESE DO ARTIGO 651 DA CLT. O princípio protetor no direito processual, diferentemente do direito material do trabalho, não arroga ao empregado ser beneficiário único das normas definidoras da competência territorial, não significando lhe seja outorgado exclusivo direito de escolha, por conveniência própria, do juízo do trabalho em que deseja o trâmite do feito. Embora a norma apresente exceções em casos especiais, tem-se que, na hipótese dos autos, os locais de contratação e de labor não coincidem com o domicílio do autor e a simples conveniência do interessado não tem a envergadura de modificar as disposições inscritas no artigo 651 da CLT, principalmente tendo em vista que as normas regentes da competência são de ordem pública, não cabendo ao Julgador estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas no texto legal. O princípio do livre e fácil acesso à jurisdição não se compraz com demandismos e litigiosidades desnecessários, muito em voga na Justiça do Trabalho, e muito menos com abusos no exercício do direito de ação. (TRT-3 - RO: 00113201308203002 0000113-39.2013.5.03.0082, Relator: Joao Bosco Pinto Lara, Nona Turma, Data de Publicação: 30/07/2014 29/07/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 137).

EXCEÇÃO DE INCOMPETENCIA EM RAZÃO DO LUGAR - FORO DO DOMICÍLIO DO EMPREGADO. Conforme dispõe o caput do art. 651 da CLT, a competência na Justiça do Trabalho é determinada em razão da localidade de prestação de serviços. Nas hipóteses que estabelecem situações de exceção à regra, fixadas nos parágrafos do referido artigo, não há previsão que autorize o deslocamento da competência pretendido pelo reclamante, não detendo ele privilégio processual de instituir o foro de seu domicílio como o competente para processar e julgar a ação trabalhista ajuizada." (TRT 3 - RO: 00373-2013-108-03-00-6 RO, Desembargadora Relatora: Maria Stela Álvares da S. Campos, Nona Turma, Publicação DEJT: 20/03/2014)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. CRITÉRIOS OBJETIVOS DE FIXAÇÃO. ART. 651, "CAPUT" E § 3º, DA CLT. Na esteira do entendimento da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, prevalecem os critérios objetivos na fixação de competência territorial, a teor do artigo 651, "caput" e § 3º, da CLT, sendo admitido o ajuizamento da reclamação trabalhista no domicílio do reclamante apenas se este coincidir com o local da prestação de serviços ou da contratação. Na hipótese, o empregado prestou serviços e foi contratado em local diverso do seu atual domicílio, razão pela qual se julga improcedente o conflito de competência. Conflito de competência que se julga improcedente. (TST - CC: 6225520135240091 622-55.2013.5.24.0091, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 05/11/2013, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/11/2013)

Conforme se depreende, a discussão em torno da prorrogação da competência territorial no processo do trabalho, para que seja permitido o ajuizamento de reclamação trabalhista em foro distinto das exceções previstas no § 3º, do artigo 651 da CLT, comporta entendimentos diversos que exigem do magistrado, quando da análise do caso sub examine, uma investigação sobre a necessidade ou imperiosidade da propositura da ação, como condição essencial para a sobrevivência do reclamante, e não apenas invocar um princípio constitucional para afastar aplicação de norma legal hígida e válida.

A propósito, as normas que dispõem sobre as regras de competência são de ordem pública, não cabendo ao magistrado estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas no texto legal, sob pena de ferimento ao devido processo legal, esculpido no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.

5. Conclusão

Em que pese o artigo 651 da CLT exponha de forma objetiva os critérios para a fixação da competência territorial no processo do trabalho, deverá o julgador, na análise do caso concreto, proceder a uma ponderação, de um lado, do princípio constitucional do acesso à Justiça e da inafastabilidade do poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, CF/88), além do princípio da proteção à parte hipossufiente, e, do outro lado, do princípio da legalidade, do devido processo legal (artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal de 1988) e do princípio protetor no Direito Processual, antes de flexibilizar a prorrogação da competência para o domicílio do trabalhador.

Com efeito, deverá o magistrado investigar sobre a efetiva necessidade da propositura da ação no domicílio do obreiro, como condição essencial para a sua própria sobrevivência, em especial a condição econômica do interessado e do empregador, e se os pedidos da sua ação subsumem-se a verbas rescisórias de natureza salarial, ou pedidos de duvidosa procedência, com grandes controvérsias sobre a sua aplicação ao caso concreto, como v.g adicional de periculosidade, adicional de insalubridade, desvio de função, acúmulo de função, assédio moral, etc.

Pensamos que, como forma de estancar as discussões sobre a matéria, deveria o legislador alterar a legislação infraconstitucional, ou ainda, o Tribunal Superior do Trabalho fazer editar verbete sumular, prevendo a hipótese de prorrogação da competência territorial para o domicilio do trabalhador, independente do local da prestação dos serviços, como forma de que seja velado o princípio constitucional do acesso à Justiça e da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988), além do princípio da proteção à parte hipossuficiente, apenas nas excepcionais hipóteses em que o processo imprima a persecução sobre verbas rescisórias de natureza salarial, que comprometam a sobrevivência do litigante, e não a simples conveniência do interessado.

6. Referências

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https://www.tst.jus.br>. Acesso em: 25 de ago. 2014.

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https://www.tex.pro.br>. Acesso em: 26 de ago.2014.

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*Priscilla Mirelle Ramos Silva é advogada da banca Albuquerque Pinto Advogados.

*Juliana Gabriela Bomfim Gomes
é advogada.

*Bruno Henning Veloso é advogado.

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