Inconstitucionalidade da lei paulista que determina a extensão de promoções a clientes antigos
Além da fragilidade e falta de sentido lógico do seu teor, há também diversos pontos críticos que inviabilizariam a sua validade. Compete-nos questionar estes aspectos, ao ponto de pôr em cheque a legalidade e constitucionalidade da lei 15.854/15.
quarta-feira, 16 de março de 2016
Atualizado em 15 de março de 2016 14:28
No dia 3 de Setembro de 2015 passou a vigorar no Estado de São Paulo, a lei 15.854/15, que, em regra geral, determina que todas as empresas prestadoras de serviços continuados, estarão obrigadas a estenderem aos seus clientes preexistentes os mesmos benefícios de promoções posteriormente ofertados a novos clientes.
Referido texto legal elenca alguns prestadores enquadrados como fornecedores de serviços continuados, tais como: operadoras de TV por assinatura, provedores de internet, portadoras de plano de saúde, serviço privado de educação, dentro outros.
A norma prevê também, no caso do seu descumprimento, sanções que variam entre multa de 10 a 1.000 (UFESPs), à cassação da inscrição estadual, no caso de reincidência.
O texto da lei, em não mais que cinco artigos, por si só, se demonstra tortuoso, vez que sequer especifica o que seriam benefícios de promoções, deixando transparecer a inaptidão do legislador ao elaborá-la.
Além da fragilidade e falta de sentido lógico do seu teor, há também diversos pontos críticos que inviabilizariam a sua validade.
Compete-nos, desta forma, como operadores do direito, questionar sobre estes aspectos, ao ponto de pôr em cheque a legalidade e constitucionalidade da lei em referência.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXII, previu que o Estado, na forma da lei, promoveria a defesa do consumidor, no entanto, até o ano de 1991, o amparo ao consumidor ainda era regrado pelo Código Civil de 1916, que regulava as relações de direito privado.
No dia 11 de março de 1991, entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor - lei Federal 8.078/90 - que passou a reger, especificamente, a relação entre fornecedores e consumidores, atribuindo àqueles diversos deveres e obrigações e albergando a estes algumas benesses, inclusive processuais, não dispostas no Código Civil, tais como: a inversão do ônus da prova, a prioridade de foro, dentre outras.
Previu também o CDC, a possibilidade de aplicação de sanções aos fornecedores de produtos ou serviços, em casos de descumprimento da norma especial, como multa, cassação de registro do produto, proibição de fabricação, suspensão de atividade, cassação de licença etc.
Preconizou que para os casos de cassação de licença, necessária a instauração de um procedimento administrativo, assegurando ao fornecedor o direito de ampla defesa.
Vislumbra-se, destarte, por um primeiro prisma, que a lei paulista 15.854/15 prevê punições inclusive mais severas do que as constantes da legislação federal, como a possibilidade de cassação da licença do estabelecimento em caso de reincidência de descumprimento da lei, sem a menção do direito de resposta garantido constitucionalmente, conflitante com o CDC e a CF/88, portanto.
A extrapolação dos limites de defesa ao consumidor previstos na lei paulista 15.854/15, fere não só o direito de ampla defesa e do devido processo legal, mas também o princípio da harmonia nas relações de consumo, previsto no próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, inciso III.
Não bastasse, insta acrescentar que a lei 15.854/15 arranha também o princípio da livre iniciativa econômica e livre concorrência, garantias também constitucionais, previstas no caput do artigo 170 e seu inciso IV, da Carta Magna. A intervenção no domínio econômico é de competência exclusiva da União Federal, não podendo um Estado-membro legislar sobre tal matéria, sob pena de afronta à Constituição Federal.
O artigo 22, inciso I, da CF/88, também prevê que a competência para legislar sobre direito civil e comercial é privativa da União.
A lei Federal 12.529/11 que regulamentou a estrutura do SBDC - Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - reza sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, pautada nos ditames constitucionais da livre iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, não podendo uma Lei Estadual contrariá-la.
A constitucionalidade da lei 15.854/15 é objeto do processo nº 1033279-73.2015.8.26.0053, oriundo da comarca de São Paulo/SP, decidido, liminarmente, em favor do fornecedor COMGÁS, determinando que a o Estado de São Paulo, por meio da FUNDAÇÃO PROCON, se abstenha de impor qualquer tipo de multa à empresa Autora, em razão do diploma supramencionado, sob pena de multa de 50 (UFESPs).
Em sua r. decisão, o D. Magistrado Olavo Zampol Junior, esposou entendimento que de fato a competência para legislar sobre a matéria tratada na lei 15.854/15, não seria estadual, mas sim, federal, cujo texto não só afronta a Constituição Federal, como também conflita com legislação hierarquicamente superior.
Aludida lei também se encontra em análise de Constitucionalidade junto ao STF, por provocação da ADIn 5.443, proposta pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e da ADIn 5.399, proposta pela Associação das Operadoras de Celulares (Acel), cujo relator de ambas é o ministro Luis Roberto Barroso.
Sob nossa ótica, evidente a inconstitucionalidade da lei 15.854/15, a qual, ao invés de albergar benefícios aos consumidores, mostra-se na realidade extremamente danosa às relações de consumo, pois se mantida em vigor, poderá fazer com que as empresas fornecedoras de serviços continuados deixem de ofertar promoções não só aos seus antigos clientes, mas também aos novos, no fito de esquivar-se das graves sanções previstas na lei paulista, causando com isso, uma provável elevação dos preços de serviços, muitos deles, essenciais à vida dos consumidores.
No entanto, não cremos que a norma deva vigorar por muito tempo, pois robustas as nulidades nela constantes, mormente acerca da competência legislativa, do conflito hierárquico de normas e da afronta a princípios constitucionais e infraconstitucionais, as quais, de certo, serão declaradas pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas, enquanto perdurar a sua eficácia, e não tivermos a publicação de uma decisão com efeito erga omnes, devem as empresas paulistas, prejudicadas pela lei em comento, ou na iminência de serem, suscitar, caso a caso, a sua inaplicabilidade, em atenção aos argumentos supracitados.
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*Adriano Boschi Melo é advogado, coordenador Jurídico do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados. Graduado em Direito nas Faculdades Integradas de São Carlos (2010). Pós-graduado em Direito Tributário na Universidade Paulista (2015).