A MP 694 e o eterno carnaval tributário brasileiro
A mais nova e relevante mordida tributária foi enxertada pelo senador Romero Jucá na MP 694/15, que está sendo apreciada pelo Congresso Nacional.
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
Atualizado em 18 de janeiro de 2016 11:25
Com a chegada do Carnaval, e diante da avalanche de aumentos da carga tributária de 2015/16, é impossível não se lembrar da obra "Carnaval Tributário", do tributarista Alfredo Augusto Becker, que permanece contemporânea à atual realidade brasileira.
No capítulo "Naufrágio Tributário", Becker alertava para o indigente modelo tributário brasileiro: "a tributação irracional dos últimos anos conduziu os contribuintes (em especial os assalariados) a tal estado que, hoje, só lhes resta a tanga. (...) Porém, se a estes contribuintes tributarem até mesmo a tanga, então, perdidas estarão a fé e a esperança. Infelizmente, existem fundadas razões para que tal aconteça".
A lição do passado igualmente se aplica às várias mudanças legislativas propostas (e muitas aprovadas) nas três esferas de governo, com o intuito de aumentar a carga tributária ao longo dos últimos meses, sob o mote do chamado "ajuste fiscal"; outras tantas ainda estão em gestação no nosso manicômio tributário.
A mais nova e relevante mordida tributária foi enxertada pelo Senador Romero Jucá (PMDB/RR), na MP 694/15, que está sendo apreciada pelo Congresso Nacional. Além de piorar algumas das maldades constantes do texto original da MP, como - por exemplo - a proposta de suspensão e posterior extinção (novidade) de incentivos à pesquisa tecnológica da Lei do Bem, o Projeto de Lei de Conversão da referida MP estabelece uma nova e excepcional tributação sobre os dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas sujeitas ao Lucro Presumido e pelas optantes pelo Simples Nacional, em relação à parcela que exceder a base presumida de lucro.
Desde 1996, segundo o art. 10 da lei 9.249/95, os lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no Brasil ou no exterior.
Segundo a proposta em tramitação no Congresso Nacional, cuja constitucionalidade e legalidade são duvidosas, os dividendos distribuídos pelas empresas optantes do Lucro Presumido e do Simples Nacional que excederem a base de cálculo do lucro presumido, acrescida de 20%, estarão sujeitos à tributação definitiva pelo imposto de renda, à alíquota de 15%.
Para exemplificar: se uma pessoa jurídica prestadora de serviços apurar seus tributos segundo as regras do Lucro Presumido ou do Simples Nacional, e se a base de lucro presumida da atividade for 32%, a pessoa jurídica poderá distribuir dividendos até o limite de 38,4% (base de cálculo de 32% acrescida de 20%), de forma isenta. Se os dividendos forem distribuídos em montante superior à base de lucro presumida, a parcela que exceder tal percentual estará sujeita à tributação definitiva pelo Imposto de Renda à alíquota de 15%. E, por ser definitiva essa tributação, o contribuinte pessoa física sequer poderá deduzir o montante pago em sua Declaração de Ajuste Anual. Na prática, no Lucro Presumido ou no Simples Nacional, os dividendos "excedentes" sofrerão uma tributação de 15%, sem possibilidade de qualquer dedução.
A tributação definitiva para dividendos de determinados contribuintes que excedem a base de lucro presumida viola o princípio da isonomia (art. 150, II, da CF/88), pois trata contribuintes que se encontram em situação equivalente (recebendo dividendos) de forma desigual. Ora, qual seria o critério de discrímen justificável para que os dividendos tidos por "excedentes", quando distribuídos por uma pessoa jurídica optante pelo lucro presumido ou pelo Simples Nacional, sejam mais agravados tributariamente que aqueles distribuídos por uma pessoa jurídica sujeita ao lucro real/arbitrado?
Por outro lado, a proposta implica violação ao princípio da generalidade do imposto de renda (art. 153, §2º, da CF/88), pois impõe a segregação da mesma renda auferida pelo contribuinte, tributando suas parcelas (dividendos isentos e dividendos excedentes) de forma diferente.
Caso aprovado mais esse aumento tributário exótico, o contribuinte será mais uma vez forçado a contribuir, perdendo a fé, a esperança e a tanga, quando chegar a próxima quarta feira de cinzas desse eterno carnaval tributário brasileiro.
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*Thiago Castilho é advogado e sócio do escritório da Fonte, Advogados.