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Direito de arrependimento no comércio eletrônico

Ítalo Roberto de Negreiros

No Brasil, este direito se afastara substancialmente daquele europeu, sendo aplicado sem obediência à realidade cultural.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Atualizado em 11 de janeiro de 2016 09:45

Surgido na década de 90, o comércio eletrônico (e-commerce) revolucionou o mercado mundial. O baixo custo operacional atraiu o empresariado e agradou os consumidores, visto que a redução nos gastos para a manutenção de lojas e empregados baratearam os produtos e serviços, aumentando a comodidade dos clientes e a concorrência entre os lojistas.

Muito antes, o mercado tornara-se mais competitivo, e as estratégias de venda mais audaciosas e incisivas, por vezes, levando o cliente a adquirir um produto de forma impulsiva. Assim, surgira na Europa o direito de arrependimento, protegendo o consumidor dessas práticas de ofertas na medida que permitia a desistência da compra dentro de um prazo legal, sem prejuízo às partes e sob alguns aspectos.

No Brasil, este direito se afastara substancialmente daquele europeu, sendo aplicado sem obediência à realidade cultural. A princípio, entendera-se pela exclusiva aplicação deste nas vendas realizadas fora de um estabelecimento comercial - via telefone, e-commerce, entre outros - visto que o consumidor não analisara o produto pessoalmente, por não os ter às mãos. Daí surge o segundo dissenso daquele instituto europeu: não se tratava mais de proteção às aquisições impulsivas, mas de possibilidade ao mero arrependimento imotivado.

Após o recebimento do produto, o cliente pode desistir e devolvê-lo dentro de 7 dias, conforme preceitua o Código do Consumidor. Todavia, não se pode perder de vista as razões da desistência, sob pena de se premiar uma compra imprudente, que difere da compra impulsiva: nesta, o impulso fora provocado pelo lojista; naquela, o consumidor fora apenas imprudente. A título ilustrativo, imagina-se que um usuário da internet, na sua casa, pesquisando um bem na busca do equilíbrio perfeito entre o preço e suas qualidades, tivera bastante tempo de reflexão e informação para adquiri-lo, sendo incabível o exercício do direito de arrependimento, porquanto, não se trataria, no caso, de compra impulsiva, mas de compra decorrente da escolha do consumidor.

Insurge ressaltar que naqueles casos cabíveis ao exercício do direito tratado, o ônus da logística do produto entre o depósito e o endereço do adquirente arrependido é de inteira responsabilidade do fornecedor, mediante a questionável e quase irrestrita teoria do risco. Destarte, qualquer decisão que não pese tamanho desvirtuamento fático carece de justiça, pois o direito consumerista não visa proteger imprudências, mas distorções. Em miúdos, estar-se-ia afirmando que o consumidor não teria qualquer discernimento ou responsabilidade pelas aquisições no comércio eletrônico, podendo desistir a seu bel prazer.

Nesse sentido, surgiram decisões mais atentas à realidade brasileira, tendo em vista que "as informações veiculadas pelo fornecedor, com relação ao produto oferecido, se foram suficientemente precisas, afasta a pretensão de se devolver a quantia paga". Tem-se assentado nas Cortes a inaplicabilidade deste direito, por exemplo, nas aquisições de passagens aéreas, não apenas pelas peculiaridades inerentes a este comércio, mas por não persistir qualquer diferença da aquisição do bilhete no aeroporto/estabelecimento ou via e-commerce.

Desde 2011 que a ANAC já se manifestara pela não aplicabilidade do direito de arrependimento nos termos acima. Cumpre destacar que o resgate à origem deste instituto é fruto de uma construção puramente jurisprudencial, em resposta as aventuranças jurídicas dos demandantes contumazes - estas que deverão ser coibidas com veemência. Assim como a inegável existência da famigerada "indústria do dano moral", o mero arrependimento advindo da imprudência jamais poderá dar azo a qualquer demanda judicial, não pela soma de mais uma malfadada ação, mas pelo insofismável distanciamento da necessária guarida jurídica.

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*Ítalo Roberto de Negreiros é colaborador do escritório Martorelli Advogados.

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