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Direto de decifrar o próprio genoma, por Eudes Quintino de Oliveira Júnior

O homem não pode ser apenas considerado o resultado de um mapeamento genético, mas sim um ser dotado de dignidade e destinatário das melhores práticas da ars curandi.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Atualizado em 8 de janeiro de 2016 09:00

A biotecnologia, alojada no principal patamar da medicina preditiva, rompendo a conceituação convencional, carrega novas propostas de saúde para o ser humano, principalmente com relação a uma vida mais longa e saudável. O avanço das pesquisas nos últimos anos contemplou a humanidade com descobertas que revolucionaram a medicina, principalmente na decifração do genoma, com a finalidade clara e indiscutível de localizar os genes considerados defeituosos para, na sequência, combater as doenças de cunho genético. Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação genética e descobrir o código da vida. A ciência inclina-se, desta forma, para desvendar os genes responsáveis por determinadas moléstias, como alzheimer, síndrome de down, parkinson e muitas outras, com a intenção de alterar o código genético e possibilitar sua erradicação definitiva.

Para atingir tais objetivos, invade-se o patrimônio genético para fazer a leitura do DNA, mesmo que não seja completa, mas que tenha condições de garimpar informações importantes para que a pessoa conheça seu código genético e a partir desse marco possa se prevenir contra as doenças com predisposição genética. Se os gregos apregoavam o nosce te ipsum, aforismo inscrito no portal do Oráculo de Delfos, incentivando o homem a conhecer seu imenso universo interior para que pudesse conviver harmoniosamente com os demais, a biotecnociência traz a proposta do autoconhecimento biológico, justamente para que o homem possa conhecer suas imperfeições genéticas e saber como combatê-las, em busca de uma vida mais saudável.

A ANS autorizou a cobertura dos planos de saúde, com vigência a partir do dia 2 de janeiro de 2016, para mais 21 novos procedimentos, dentre eles, com destaque pela inovação e relevância, os relacionados com as diretrizes de utilização de exames para diagnosticar novas doenças genéticas. Tal fato, por si só, promete causar grande impacto e marcar definitivamente o acesso à medicina do futuro, pois o homem, num repente, tem em suas mãos um instrumento para conhecer seu próprio corpo com a leitura sequencial de seu genoma, apontando os prováveis riscos de doenças.

Assim, a título de exemplo, analisadas as características genéticas de um bebê e apontadas doença congênita ou alterações cromossômicas relevantes no rastreamento pré-natal, admite-se o procedimento corretivo.

Se um jovem identificar os riscos de desenvolver Alzheimer ou diabetes, terá tempo suficiente para afastar as maléficas profecias e ajustar sua vida preventivamente. Da mesma forma se outro encontrar propensão para a obesidade e problemas cardiovasculares. Tudo isso porque as doenças já estão previamente instaladas e escritas nos genes. Cabe ao homem conhecê-las para combatê-las, sem medo, receios ou covardia em detectá-las e impedir uma morte sem defesa, como aconteceu no romance Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel García Màrquez.

É oportuno citar o caso da atriz Angelina Jolie, por representar uma decisão tomada em razão dos exames ofertados pela biotecnologia e que causou grande repercussão mundial. Submeteu-se a uma mastectomia dupla (retirada dos seios) porque, segundo os médicos, carregava 87% de chances de desenvolver o mesmo câncer que vitimou sua mãe.

Apesar de ser uma decisão pessoal do paciente, em razão de sua autonomia de vontade, o procedimento deve ser realizado com ponderação, no âmbito ético mais recomendado e, num primeiro instante, somente as pessoas prováveis portadoras de doenças genéticas sejam aconselhadas a se submeterem aos exames.

São situações novas que se apresentam e há necessidade de muito diálogo entre médicos e pacientes para se ponderar a respeito da conveniência de determinado procedimento. A ciência da Bioética, com seus princípios, devidamente ajustada para oferecer as respostas às questões que serão levantadas e dotada do senso ético necessário para estabelecer os parâmetros adequados, apresenta-se como uma verdadeira ponte, ligando harmoniosamente o passado a um futuro promissor, fazendo ver que o homem não pode ser apenas considerado o resultado de um mapeamento genético, mas sim um ser dotado de dignidade e destinatário das melhores práticas da ars curandi.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp e membro ad hoc da CONEP/CNS/MS.

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