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O voto-vista no STJ - Ato discricionário com inusitadas consequências

Nova redação do artigo 162 do RISTJ, além de abreviar a prolação do voto-vista, também acarreta, por outro lado, como consequência indireta, o aumento substancial do número de processos retirados de pauta pelo relator.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Atualizado às 08:52

O voto-vista faz parte da tradição judiciária brasileira como circunstância jurídico-processual atrelada, exclusivamente, à discricionariedade do julgador, diante de aspecto material que extrapole as condições de esclarecimento pelo relator ou quando houver a necessidade de um estudo mais detido da questão de direito debatida, em contexto inserido no princípio do livre convencimento, com fundamental importância para uma prestação jurisdicional mais adequada, embora colidente, em certo grau, com o princípio da celeridade, e que tem influência não apenas direta na deliberação colegiada, a partir do posicionamento do seu prolator, mas também indiretamente, nas inusitadas situações que podem surgir quando da retomada da votação.

O Superior Tribunal de Justiça, enquanto Corte de precedentes, dada a repercussão de seus acórdãos, conta com uma particularidade em seus julgamentos, muito nítida para aqueles que acompanham as sessões ali realizadas todas as semanas, nos acirrados debates, recorrentes nas questões mais palpitantes, com inevitáveis pedidos de vista.

Evidentemente, muitos processos são decididos a cada sessão sem maiores indagações, inclusive sob a polêmica técnica do 'julgamento em bloco', que, em verdade, não desvirtua a análise colegiada, por razões a serem oportunamente tratadas em outro ensaio. Aqui se irá falar apenas das vicissitudes inerentes aos votos-vista.

Muito comum, nos dias de julgamento no STJ, grupos de advogados serem vistos no imponente átrio que dá acesso às salas de sessão, em posturas antagônicas, muitíssimo nítidas, de preocupação por parte daqueles que, diante da interrupção por pedido de vista, já haviam logrado voto favorável do relator ou da insuficiente maioria até ali, com a frustração de apenas quase terem vencido; e de efusiva alegria dos que, pelo andar do julgamento, previam a derrocada de suas teses, em esperança recuperada no pedido de vista.

As razões que induzem ao pedido de vista sãos muitas, mas houve uma época em que se podia antever a sua ocorrência à medida que determinadas situações ia se desenhando. A vivência no STJ revelava que, no mais das vezes, divergindo o relator e o primeiro vogal1, o ministro seguinte se inclinava a pedir vista do processo, mesmo que apenas por deferência às duas vertentes erguidas. Também se pedia vista, caso o relator não retirasse de pauta, na hipótese de surgir informação de a mesma matéria estar na iminência de apreciação (ou recém decidida) por órgão interno superior (as Seções em relação às Turmas, e a Corte Especial em relação às Seções) ou pelo STF.

É certo que hoje, além da benfazeja alteração na sistemática regimental, a predominância de autos eletrônicos no STJ, somada à divulgação das pautas com razoável antecedência, inclusive em relação aos processos julgados em mesa, e o fato dos votos dos relatores serem, via de regra, previamente disponibilizados aos demais ministros, concorrem para a redução dos pedidos de vista, restritos aos processos complexos ou às teses ainda não pacificadas.

Antes da emenda regimental nº 17 de 17/12/2014, que alterou o artigo 162 do Regimento Interno do Superior Tribuna de Justiça2, os votos-vista levavam, na maioria dos casos, bem mais que um ano para prolação, em situações insustentáveis, de grande constrangimento para o STJ, sujeitando o processo à inviabilidade do julgamento em curso, com nulidades insanáveis.

A aludida alteração regimental, muito debatida durante a sua elaboração3, inibe que pedidos de vista se protraiam por mais de 3 meses (60 dias, prorrogáveis, mediante autorização do colegiado, por mais 30 dias), com a parte final do caput do artigo citado estipulando que, extrapolado esse prazo, o julgamento prosseguirá automaticamente, com ou sem o voto-vista.

Todavia, passados quase um ano, ainda não há um único processo em que se adotou essa medida, com os ministros do STJ empenhados em não prolongar a retenção dos processos além do prazo regimental, sendo raros até mesmo os pedidos de prorrogação.

Tal cenário faz transparecer que se está diante de alvissareira inovação, com efetivos resultados, fazendo cessar um tormentoso panorama processual, que agravava a propalada crise do Judiciário, no que se refere à demora excessiva do processo civil4.

Na prática, a nova redação do artigo 162 do RISTJ, além de abreviar a prolação do voto-vista, também acarreta, por outro lado, como consequência indireta, o aumento substancial do número de processos retirados de pauta pelo relator. Isso porque, com o compartilhamento prévio dos votos dos relatores entre os membros de um mesmo colegiado, ocorre de alguns ministros solicitarem ao relator, inclusive previamente e por meio eletrônico, o adiamento por uma ou duas sessões, ficando o pedido de vista condicionado à recusa do relator em assim agir.

Antes, quando os pedidos se vista se protraíam por um período indeterminado, ou mesmo hoje, em menor incidência dentro dos 90 dias regimentais, considerada a possibilidade de alteração da composição do colegiado ao se retomar o julgamento, talvez o ponto mais polêmico, de maior atenção, seja a colheita de voto dos ministros que não estavam presentes na sessão inicial, mas que se consideram aptos a votar, a partir do que lhes autoriza o parágrafo 4º, do artigo 162, o que fica condicionado a inexistir qualquer impedimento, sob pena de nulidade, em aspectos muitas vezes não notados imediatamente, tornando inócuo o resultado proclamado. Em rigor, com o devido e merecido respeito, os julgadores que não presenciaram os debates não deveriam ser chamados a votar, porque isso representa grande insegurança jurídica, com evidente violação ao devido processo legal, sobretudo quando houve também sustentação oral.

Acerca dos múltiplos aspectos que devem ser considerados a cada retomada de julgamento interrompido por pedidos de vista, cita-se, entre outros, exemplo ocorrido no EAg 884.487/SP, de competência da Corte Especial do STJ, em caso que teve anulados dois julgamentos, em razão de inobservância do artigo 162 do RISTJ quando da continuidade das respectivas votações.

No mencionado recurso, na sua intrincada tramitação, depois de dois votos-vista, houve empate, dirimido, nos termos do regimento, pelo Presidente --- à época, em 15/12/2010, o ministro Ari Pargendler ---, mas que, antes, na qualidade de vogal, precisou ser substituído, em virtude de ausência justificada, por outro ministro, o que passou desapercebido, gerando nulidade do resultado final proclamado. Assim, o desempate coube ao Min. Felix Fisher, em julgamento posteriormente retomado apenas para esse fim específico. Ocorre que, em sede de ulteriores embargos declaratórios, anulou-se o referido acórdão, por se entender que todo o julgamento seria nulo e não apenas o voto do Min. Pargendler, a exigir nova inclusão em pauta do recurso, que, agora, conta com outro relator, considerando que o anterior, Min. Luiz Fux, passou a integrar o STF.

Pode-se dizer, concluindo, que, em concepção ideal, o voto-vista não haveria de ser necessário, mas apresentando-se como tal, na compreensível hesitação de se proferir voto sobre questões complexas, sobretudo em uma Corte de vértice, deve ser tomado como importante mecanismo para que o resultado seja o mais justo possível, mas a inspirar especial atenção do respectivo colegiado, com observância sempre da regularidade da votação, mostrando-se louvável a inovação no artigo 162 do regimento interno do STJ, que estipula prazo exíguo para duração dos pedidos de vista, com a previsão de medidas efetivas em caso de extrapolação, o que impactou, desde o primeiro instante, no número de interrupções de julgados naquela Corte.

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1 Obedecida a ordem decrescente de antiguidade a partir do relator, votando em seguida o ministro imediatamente mais moderno (em expressão institucionalizada). Essa é a regra, podendo, porém, haver pedido de vista antecipado, o que, pela tradição, não se adota na Corte Especial, onde convencionou-se pedir vista apenas quando da oportunidade de votar.

2 Ementa Regimental nº 17 de 17/12/2014:
Art. 1º O art. 162 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 162. Nos julgamentos, o pedido de vista não impede votem os Ministros que se tenham por habilitados a fazê-lo, e
o Ministro que o formular restituirá os autos ao Presidente do Órgão Julgador dentro de, no máximo, sessenta dias a contar do momento em que os autos lhe forem disponibilizados, devendo prosseguir o julgamento do feito na sessão subsequente ao fim do prazo, com ou sem o voto-vista.
§ 1º O prazo a que se refere o caput poderá ser prorrogado por trinta dias, mediante requerimento fundamentado ao Colegiado.
§ 2º O prazo de restituição dos autos ficará suspenso nos períodos de recesso e de férias coletivas.
§ 3º O julgamento que tiver sido iniciado prosseguirá, computando-se os votos já proferidos pelos Ministros, mesmo que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo, ainda que o Ministro afastado seja o relator.
§ 4º Não participará do julgamento o Ministro que não tiver assistido ao relatório, salvo se se declarar habilitado a votar.
§ 5º Se, para efeito do quorum ou desempate na votação, for necessário o voto de Ministro que não tenha assistido à leitura do relatório, esta será renovada, bem como a sustentação oral, computando-se os votos anteriormente proferidos.
§ 6º Se estiver ausente o Ministro que houver comparecido ao início do julgamento, mas ainda não tiver votado, o seu voto será dispensado, desde que obtidos suficientes votos concordantes sobre todas as questões (arts. 174, 178 e 181).
§ 7º Ausente o Presidente que iniciou o julgamento, este prosseguirá sob a presidência de seu substituto. Na Corte Especial ou na Seção, a substituição será feita por quem não houver proferido voto."
Art. 2º Os autos com pedido de vista já formulado deverão ser restituídos ao Presidente do Órgão Julgador em, no máximo, cento e vinte dias a contar a publicação desta emenda, prosseguindo-se o julgamento do feito na primeira sessão subsequente ao fim desse prazo, com ou sem voto-vista.

Art. 3º Esta emenda regimental entra em vigor na data de sua publicação no Diário da Justiça eletrônico.
3 Inicialmente essa alteração foi concebida com a previsão de trancar a pauta do ministro que extrapolasse o prazo regimental para prolação de voto vista, impedindo-o de levar a julgamento outros processos até que o voto-vista extemporâneo fosse proferido.
4 O autor do presente trabalho, em comentário ao artigo 4º do NCPC, já teve oportunidade de escrever sobre o princípio da duração razoável do processo: ''O processo civil brasileiro sempre atraiu o estigma de excessivamente demorado, asfixiado por um formalismo atávico, resultando, com isso, na sua notória ineficácia. E, ocupando a demora excessiva lugar de destaque na problemática da incompletude da prestação jurisdicional (crise da demanda), legislador e doutrinadores, constrangidos, passaram a se preocupar com o tema de forma mais preponderante, sobretudo quando confrontado o nosso sistema processual com os de outros ordenamentos jurídicos. E foi nesse contexto que, em 2004, a partir da Emenda Constitucional nº 45, a duração razoável do processo ganhou status de direito fundamental, com a inserção do inciso LXXVIII no artigo 5º, da CF, que reza: ''A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação...''

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*Guilherme Pimenta da Veiga Neves é advogado do escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica.

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