Grau de Investimento na Economia, "Grau de Impedimento" na Política
A perda do grau de investimento é assunto da "cozinha" do mais simples cidadão e não apenas uma expressão de financistas.
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Atualizado às 09:19
A perda do grau de investimento do Brasil é um desastre de proporções significativas. Embora seja matéria de natureza financeira é preciso compreender que se trata de fato com efeitos sistemáticos, ou seja, que se incorpora a todos os preços da economia. Isto ocorre por força da variação do custo do crédito, no caso para cima, que desconta o retorno esperado dos ativos (na análise de investimento) e é o custo-base para a precificação dos juros (na análise de crédito). Ora, decisões de investir ou financiar são corriqueiras a qualquer cidadão, do mais pobre que consome ou investe seu parco salário, até o capitalista, que amplia os seus bens de produção. Portanto, não se pode minimizar a relevância do grau de investimento de um país como "coisa de banqueiro" ou "assunto de Wall Street". Somente a ignorância absoluta pode levar alguém a tamanha negação e simplificação. Note-se que os mecanismos de funcionamento dos mercados são bem anteriores à lógica capitalista. Basta se verificar que os preços sempre variaram, da antiguidade aos dias de hoje, em função das forças de mercado. O custo do crédito é, portanto, uma variável de mercado e não apenas uma "variável do capitalismo" como ainda imagina alguma esquerda ignorante ou direita burra.
No caso específico do Brasil, a construção deste desastre foi meticulosamente realizada pela primeira administração da presidente Dilma Rousseff. Refiro-me aos disparates fiscais, monetários, cambiais e informacionais (a falta de transparência) que foram gestados no Palácio do Planalto e espalhados por todo o sistema econômico pelo ex-ministro Guido Mantega. Todavia, há que se reconhecer que as denúncias de corrupção relacionados a fatos ocorridos desde a administração do ex-presidente Lula da Silva, adicionaram combustível à descrença no governo Dilma, nesta segunda administração, quando se deu uma confusa conversão da presidente à ortodoxia macroeconômica. Com efeito: além de a presidente e sua equipe econômica, liderada pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, não conseguirem conceber criteriosamente um plano de estabilização fiscal, monetária e cambial, a base de sustentação política do governo escapou por entre as mãos limpas da Operação Lava Jato. A baixa popularidade que exalou por força da gravidade das denúncias de corrupção, acabou atingindo o governo em dois fronts: (i) a perda de popularidade nas ruas agravou as condições de negociar com deputados e senadores no Congresso, ávidos por aumentar o seu poder deliberativo de cargos para apaniguados e verbas para seus projetos e (ii) os próprios congressistas viram-se envolvidos em denúncias gravíssimas e, assim, se protegeram conspirando contra a presidente impopular com o objetivo de extrair para si mesmos alguma popularidade.
Não podia dar em outra coisa: planos e projetos econômicos mal concebidos se mostraram incapazes de sanear o "analfabetismo econômico" praticado no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, bem como a base de sustentação para qualquer medida que dependesse do Congresso ficou excepcionalmente fragilizada. Tudo isso, leva o país a aumentar o seu risco (logo, o custo) de crédito de longo prazo de forma desproporcional a capacidade de se endividar. Com isso, a relação dívida do setor público/PIB é vista como insustentável no longo prazo. Assim, o Brasil perdeu o grau de investimento.
Países com grau de investimento se financiam junto a ¾ do total de recursos disponíveis no mercado financeiro e de capital. Estes investidores são compostos por fundos de pensão, fundos de investimentos, fundações pessoais e institucionais, etc. que somente investem em empresas e países que possuam nota de crédito compatível com o grau de investimento. O restante dos recursos, ou seja, ¼ do total disponível é destinando a países e empresas junks, ou seja, que tem "grau especulativo" (risco de colapsos, quebras, reestruturações de dívidas, etc.). Portanto, o Brasil, ao perder o grau de investimento, perde o acesso a maior parte do mercado financeiro e de capital.
As consequências deste fato lamentável escorregam para todo o sistema de crédito: os bancos brasileiros, para citar um exemplo palpável, passam a se financiar a custos mais altos e, com efeito, repassam este custo para os tomadores de recursos (empresas e indivíduos). Além disso, como dito no início deste artigo, todas as decisões de investimento levam em consideração o custo mais elevado do dinheiro local e externo. No que se refere ao consumo, os efeitos são generalizados: as pessoas ficam amedrontadas com o cenário (perda de emprego, em especial) e não consomem, bem como perdem o acesso ao crédito barato ou simplesmente não conseguem acessar aos recursos de financiamentos. De forma bastante simples, pode-se verificar que a perda do grau de investimento é assunto da "cozinha" do mais simples cidadão e não apenas uma expressão de financistas.
É, contudo, do lado político que esta perda do grau de investimento produzirá os maiores efeitos, embora do lado econômico os efeitos ainda sejam bem significativos.
Nenhum governo, num ambiente democrático, pode negar a sua própria natureza a ponto de se identificar plenamente com a oposição. Isso porque o distinto cidadão e eleitor se perguntará a razão de votar ou apoiar o governo quando, de fato, ele age como a oposição agiria. Traduzindo para a realidade atual do país e do governo, os recursos políticos e de gestão econômica que o governo Dilma Rousseff terá de empenhar doravante terão de ser muito superiores aos exigidos quando se converteu à "razão econômica" no início de sua segunda administração. A perda do grau de investimento requererá medidas muito mais duras em termos de controle das finanças públicas (especialmente a relação dívida/PIB que depende de superávit primário expressivo), do câmbio (que refletirá a retirada de recursos de investidores que aplicam somente em países com grau de investimento), da inflação (que será pressionada pela variação da taxa de câmbio e pelas expectativas deterioradas) e dos salários (que terão de ser depreciados em termos reais para aumentar a atratividade do país). Ou seja, o cenário é extremamente desafiador.
Ora, se faltava apoio político à presidente e seu governo quando o Brasil ainda estava pendurado na chance de manter o grau de investimento, por que agora a presidente terá mais apoio?
O sistema político é como o capitalista: tem natureza não-cooperativa. Ou seja, depende da competição entre as forças, mesmo em regimes ditatoriais. Com base nesta regra do jogo, o sistema político buscará soluções para a crise econômica que agora é completamente aberta. A saída mais à mão da classe política "formal", ou seja, aquela organizada no Congresso Nacional, é o impedimento (impeachment) da Presidente da República. Isto porque é o vínculo mais sólido que a classe política "formal" encontra com as forças políticas "materiais", a sociedade como um todo. Logo, pressinto que as articulações para desalojar a presidente do Palácio do Planalto se intensificarão rapidamente. Afinal de contas, o controle da economia brasileira se tornou muito mais difícil daqui para frente.
Obviamente, a luta política, já iniciada, terá de levar em consideração variáveis legais, constitucionais e funcionais. Todavia, não creio que tenhamos instituições tão sólidas que possam barrar eventuais cursos duvidosos, como, por exemplo, a necessidade de existência de um fato claramente desabonador à conduta da presidente para que se inicie um processo de impeachment. É comum que se afirme que o impedimento (impeachment) é fato e ato político. Contudo, a bem da democracia, deveria obedecer a critérios de absoluto (e não relativo) respeito à Constituição. Não creio, contudo, que isso ocorra: o fato político será eventualmente "criado" pela lógica não-cooperativa da política brasileira que nesta hora ganha torque e velocidade.
Em verdade é triste ver um país tão recheado de possibilidades de desenvolvimento em situação tão incômoda. Infelizmente, somos potencialmente ricos, mas não nos organizamos politicamente para sermos verdadeiramente prósperos e justos.
Em verdade, estamos perdendo algo mais que uma nota de crédito. Há muito tempo.
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*Francisco Petros é advogado, sócio-responsável pela área societária e de mercado de capital do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados e economista, pós-graduado em finanças. Trabalhou por mais de 25 anos no mercado de capital, em instituições financeiras brasileiras e estrangeiras. Foi presidente da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (2000-2002).