Legitimidade, como assim?
Não foi ela, a presidenta, quem lecionou que para ganhar eleição vale fazer até o diabo? Ora, fazer o diabo redunda no enorme estelionato que restou fortemente ferido o processo eleitoral do ano passado.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Atualizado em 2 de setembro de 2015 14:33
No mais antigamente as pessoas do poder tinham sempre ao seu alcance um bruxo, cartomante, um curandeiro, ou macumbeiro a cujos conselhos ou rezas recorriam sempre quando inseguras não conseguiam superar o medo.
A estrela guia da Dilma nunca foi o Lula, mas o marqueteiro que lhe receitando fórmulas de sobrevivência politica, algumas até alucinógenas, só a tem feito incursionar pela transgressão, pelo hilário e, por que não dizer, mais ainda pelo ridículo.
Depois da ode à mandioca, pois não é que a mulher sapiens até que decorou a cola passada pelo marqueteiro dizendo que seu mandato presidencial tem o manto da legitimidade conferida pelo voto popular?
Mas não foi ela, a Presidenta, quem lecionou que para ganhar eleição vale fazer até o diabo? Ora, fazer o diabo redunda no enorme estelionato que, com a sua aquiescência e participação direta, restou fortemente ferido o processo eleitoral do ano passado.
O tipo penal denominado estelionato deriva de um lagarto que os romanos chamavam de stelião, algo assim como um camaleão, que dependendo da intensidade da luz solar mudava de cor, iludindo os insetos dos quais se alimentava.
No caso das eleições no Brasil, os camaleões da politica iludem os eleitores porque se alimentam da boa fé do Povo.
Como o stellião era um réptil enganoso, surpreendente, pois a cada situação nova nunca mostrava a mesma cor, as ações ardilosas de uma pessoa ludibriando mediante fraude a boa fé de outra pessoa passaram a ser chamadas de estelionato.
No século XVI, nos países de língua neolatina, incluindo Portugal, já se tinha noticia do estelionato como tipo penal. Em sua celebre carta de conselhos ao seu sobrinho Joaquim de Melo e Póvoas, vindo de Lisboa para assumir o Governo do Maranhão, o Marquês de Pombal, sugeria:
"Há um crime em direito que os jurisconsultos chamam de stellionatus, um crime de engano, derivando sua etimologia daquele animal stellião, que não mata com veneno, e só entorpece a quem vê, introduzindo diversas quantidades e efeitos no ânimo."
Heleno Fragoso anota que o tipo penal estelionato foi se firmando como uma espécie de crime extraordinário, abrangendo todos os casos em que coubesse a ação dolosa, e que não se adequassem a qualquer outro crime contra o patrimônio.
A definição de estelionato seguiu sua travessia pela história sempre vinculando a ação reprovável a alguma manobra enganosa ou fraudulenta.
O Código Penal francês de 1810, por exemplo, estabeleceu a configuração do crime, inclusive na forma tentada, quando a vantagem indevida decorresse de fraude.
Nas Ordenações Filipinas o estelionato é tratado como burla.
No Brasil, já em 1830, o estelionato desde então assim denominado é descrito como "todo e qualquer artificio fraudulento, pelo qual se obtenha de outrem toda a sua fortuna ou parte dela, ou quaisquer títulos".
Nessa mesma linha, o Código Penal da República, editado em 1890 - usar de artificio para surpreender a boa fé de outrem, iludir a sua vigilância, ou ganhar-lhe a confiança; induzindo-o em erro ou engano por esses e outros meios astuciosos, procurar para si lucro ou proveito".
Na contemporaneidade, o sempre prestigiado Mirabete indica que a fraude é a condição inicial para a consumação do crime de estelionato.
"A fraude - leciona Mirabete - pode consistir em artificio, que é a utilização de um aparato que modifica, aparentemente, o aspecto material da coisa ou da situação em ardil, que é a conversa enganosa, em astúcia, ou mesmo simples mentira, ou em qualquer outro meio para iludir a vítima, inclusive no inadimplemento contratual preconcebido, na emissão de cheques falsificados, furtados, dados em garantia de dívida etc. Para a caracterização do ilícito é necessário que o meio fraudulento seja a causa da entrega da coisa."
Pode ser que alguém no Tribunal Superior Eleitoral, onde tramita ação por ofensa clara aos valores tutelados pela Constituição da República, no caso, a normalidade e a legitimidade das eleições, em face de abusos do poder politico e do poder econômico, (olha aí o petrolão) pode ser que alguém no TSE até se interesse pelo debate do qual haverá de resultar a incorporação ao Código Penal, Art. 171, dessa já tão antiga modalidade de estelionato, o estelionato eleitoral.
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*Edson Vidigal é advogado e foi presidente do STJ e do CJF.