Arbitragem societária
Ao se buscar desafogar o judiciário, na verdade vai se estar criando um empecilho econômico grande ao acionista minoritário, um desestímulo à busca por seus direitos e se concedendo um certo estímulo a abusos da maioria.
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Atualizado em 19 de agosto de 2015 13:58
Volta-se, agora por alteração legislativa, a cuidar da arbitragem como forma de dirimir conflitos societários.
Esse é um ponto do Direito muito controvertido, como se vê de artigos abalizados ora defendendo ora condenando essa forma alternativa de composição de litígios nas companhias.
Sendo a natureza jurídica institucional hoje reconhecida às sociedades anônimas, sempre se cogita nesse trato possível da arbitragem na área específica, na inserção de uma regra estatutária própria, pois que os estatutos sociais, sendo a "norma constitucional" da companhia, suas regras passam a ser de mandatória observância por todos os acionistas, tal como pela empresa em si.
E nesse objetivado trato legislativo busca-se conferir compulsoriedade de respeito à regra arbitral estatutária, estendida àqueles acionistas que dela discordem na assembleia que assim modifique os estatutos e também aos que ausentes não deem consentimento expresso. Naturalmente o acionista novo, ao adquirir suas ações, estará se submetendo à regra estatutária.
Algumas ponderações devem ser feitas. Em primeiro lugar, e tantos já se manifestaram nesse sentido, parece bem desbalanceado o eixo de relação entre um minoritário e sua contraparte majoritária, ou entre ele e a companhia em si. Ao se falar em arbitragem obrigatória em uma das várias ações cabíveis ao pequeno acionista contra a empresa e/ou contra seus controladores, estamos deferindo aos mais carentes economicamente o custo reconhecidamente alto do procedimento arbitral, que de seu lado não deve primar por assustar os mais poderosos.
Em outras palavras, ao se buscar desafogar o judiciário e simplificar procedimentos na verdade vai se estar criando um empecilho econômico grande ao acionista minoritário, um desestímulo à busca por seus direitos afetados e na outra banda se concedendo um certo estímulo a abusos da maioria.
Imagina-se que talvez uma provisão de imputar à sociedade ou ao acionista controlador o custo total da arbitragem, garantindo-lhe o reembolso com multa se vencedor no litígio, poderia minorar o problema.
Mas ainda há o inegável problema da entrega a julgadores especialistas em direito societário, limitados em número, a apreciação de questões onde a parte mais forte tende a ser um possível "cliente" que lhe escolha para arbitragens futuras, ao contrário do pequeno acionista. Negar tal fator é negar o conhecimento da natureza humana, e talvez o mais favorável aos controladores não diz com maior ou menor integridade do arbitro, mas com a evidente e reconhecida observação da existência em uma comunidade.
Em sã consciência quem pode negar a maior aproximação de um profissional da área societária com os grandes acionistas e as grandes empresas, e seria desumano e ilusório pretender um equilíbrio, tal como os magistrados têm no trato dessas questões. A jurisdição estatal é aqui um alicerce de isenção que não desprotege a parte mais fraca. Difícil será se equacionar esse razoável empecilho a uma isenta apreciação judicante pelos árbitros.
Nessa instância poder-se-ia sugerir que fosse compulsória na cláusula arbitral estatutária a especificação de uma determinada e certa Câmara Arbitral, com um grupo expresso de árbitros habilitados, o que já conferiria uma maior certeza no universo limitado de possíveis julgadores da matéria societária.
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*João Luiz Coelho da Rocha é sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e ex-professor de Direito da PUC/RJ.