Entra em vigor a lei 13.129/15, que reforma a Lei de Arbitragem
Norma fortalece a posição pró-arbitragem que vem sendo adotada pelo Brasil.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Atualizado em 7 de agosto de 2015 10:56
1. Em 27 de maio de 2015, foi publicada a lei 13.129/15, que altera e complementa a lei 9.307/96 ("lei de arbitragem"), bem como aspectos pontuais da lei 6.404/76 ("lei das sociedades anônimas"). O projeto que deu origem à referida lei, elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão (STJ), foi sancionado com vetos, ainda não apreciados pelo Congresso Nacional. O texto sancionado, conforme previsto pelo art. 5º da lei 13.129/15, entrou em vigor em 25 de julho de 20151.
2. De maneira geral, as alterações consolidam entendimentos há muito defendidos pela doutrina especializada e em grande parte já refletidas na jurisprudência. Dentre as principais modificações trazidas pela lei 13.129/15, destacam-se (i) a possibilidade de utilização da arbitragem para solução de disputas envolvendo a administração pública; (ii) a possibilidade de prolação de sentenças arbitrais parciais; (iii) a redução do rol de hipóteses de nulidade da sentença arbitral; (iv) a possibilidade de ajuizamento de medidas cautelares e de urgência perante o Poder Judiciário anteriormente à constituição do tribunal arbitral; (v) a criação do mecanismo da carta arbitral; (vi) a possiblidade de retirada do acionista minoritário, em determinadas hipóteses, que discordar da inclusão de cláusula compromissória no estatuto social da companhia; (vii) a possibilidade de as partes afastarem a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro à respectiva lista de árbitros; e (viii) a previsão expressa de interrupção da prescrição com a instituição da arbitragem.
(i) A administração pública e a arbitragem.
3. A lei 13.129/15 acrescentou disposições aos textos dos artigos 1º e 2º da lei de arbitragem2, deixando clara a possível participação da administração pública em arbitragem. De acordo com o novo texto, "a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis", sendo que a arbitragem deverá ser de direito e respeitar o princípio da publicidade.
4. O novo texto consolida entendimentos doutrinário e jurisprudencial já existentes sobre o tema, com precedentes que antecedem inclusive a vigência da lei de arbitragem3.
(ii) Sentenças arbitrais parciais
5. Embora a doutrina e muitos tribunais arbitrais já entendessem que a lei de arbitragem não vedava a possibilidade de sentenças arbitrais parciais, a lei 13.129/15 deixou claro que o tribunal arbitral tem poderes expressos para proferir sentenças dessa natureza, o que, na prática, já vinha acontecendo em procedimentos de arbitragem complexos.
(iii) Redução das hipóteses de nulidade da sentença arbitral
6. Em primeiro lugar, a nova redação do artigo 32, I, da lei de arbitragem corrigiu imprecisão técnica constante da redação original, ao corretamente estabelecer que é nula a sentença arbitral se for nula a convenção de arbitragem, e não o compromisso, como mencionava o texto anterior. Com efeito, a convenção de arbitragem é gênero, do qual são espécies (i) a cláusula arbitral e (ii) o compromisso arbitral.
7. O artigo 33 da lei de arbitragem também foi modificado para fazer referência, em seu parágrafo 1º, à possibilidade de declaração de nulidade da sentença arbitral parcial ou final e para incluir, em seu parágrafo 4º, a possibilidade de a parte requerer em juízo a prolação de sentença arbitral complementar para casos de julgamento infra petita.
8. Desse modo, a sentença arbitral que não abordar todos os pedidos formulados na arbitragem deixa de ser nula, com a revogação expressa do inciso V do art. 32, e deve então ser objeto de pedido de sentença arbitral complementar.
(iv) A concessão de medidas cautelares e de urgência
9. Antes do advento da lei de arbitragem, o art. 1086, II, do CPC estipulava expressamente que o árbitro não poderia decretar medidas cautelares. A lei de arbitragem revogou aquele dispositivo e previu que, em "havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa".
10. A lei de arbitragem, entretanto, não deixou claro se as partes deveriam, imperativamente, requerer medidas coercitivas ou cautelares ao tribunal arbitral ou se poderiam fazê-lo diretamente ao Poder Judiciário. Tampouco previu os procedimentos a serem seguidos quando medidas cautelares são necessárias antes da instauração do procedimento arbitral.
11. Apesar de o assunto já estar praticamente pacificado na doutrina e na jurisprudência, a lei 13.129/15 prevê expressamente, em seus artigos 22-A e 22-B, que (i) antes de instituída a arbitragem, podem as partes socorrer-se do Poder Judiciário para a concessão de medidas cautelares ou de urgência e (ii) que, após sua instituição, as partes devem direcionar aqueles pedidos diretamente ao tribunal arbitral, que poderá modificar, manter ou revogar o que fora decidido pelo Poder Judiciário.
(v) A carta arbitral
12. O art. 22-C da lei 13.129/15 prevê um novo mecanismo de comunicação de atos entre juízes e árbitros: a carta arbitral. Trata-se de reconhecimento expresso do dever de cooperação entre a jurisdição estatal e a jurisdição arbitral, demonstrando a inexistência de hierarquia entre o árbitro e o juiz togado.
13. Em suma, por meio da carta arbitral o árbitro poderá requerer ao Poder Judiciário a prática de determinados atos processuais, especialmente os que necessitem do poder coercitivo do Estado. A alteração disciplina o meio de comunicação entre árbitros e o Poder Judiciário e será de grande importância para a eficácia ainda maior da arbitragem e seu bom funcionamento.
(vi) O acionista minoritário e a convenção de arbitragem
14. O artigo 109, §3º, da lei das sociedades anônimas prevê a possibilidade de o estatuto social das companhias conter cláusula compromissória, para que eventuais conflitos entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, possam ser dirimidos por arbitragem.
15. Contudo, havia grande debate, e portanto falta de segurança jurídica, na situação em que o acionista minoritário discordasse da inclusão da cláusula compromissória ou mesmo deixasse de participar de referida deliberação. Duas correntes então se formaram, uma defendendo a vinculação do referido acionista à cláusula arbitral, outra defendendo o oposto.
16. A solução encontrada pelo legislador, com a inclusão do art. 136-A na lei das sociedades Anônimas, foi estipular que, respeitado o quórum legal ou estatutário , a cláusula arbitral inserida em estatuto social obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações. Há exceções ao direito de retirada em determinadas situações, em especial quando a inclusão de convenção de arbitragem no estatuto social (i) represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe ou (ii) seja feita em estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado .
(vii) Lista de árbitros
17. O parágrafo 4º do artigo 13 da lei de arbitragem passa a prever que as partes poderão, de comum acordo, afastar a aplicação de dispositivo do regulamento de órgão arbitral institucional que limite a escolha do árbitro aos nomes constantes da lista de árbitros deste mesmo órgão, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição arbitral.
(viii) Interrupção da prescrição
18. O artigo 19 da lei de arbitragem passa a prever expressamente, em seu parágrafo 2º, que a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo dita interrupção à data de protocolo do requerimento de arbitragem, ainda que a arbitragem seja posteriormente extinta por ausência de jurisdição.
(ix) Vetos
19. Além das inovações mencionadas acima, o projeto original de alteração da lei de arbitragem previa outras duas alterações significativas: (i) a diferenciação entre contratos de consumo e contratos de adesão para fins de utilização da arbitragem e (ii) a possibilidade de inclusão de cláusulas arbitrais em contratos de trabalho celebrados com administradores e diretores estatutários. Ambas proposições, que eram objeto dos parágrafos 2º a 4º do texto proposto, foram vetadas pela Presidência da República .
20. Os vetos presidenciais serão ainda apreciados pelo Congresso Nacional. Em diversas sessões consecutivas, os vetos à lei 13.129/15 não foram apreciados por falta de quórum. Diante do recesso parlamentar do mês de julho, estima-se que estes vetos sejam apreciados apenas no segundo semestre de 2015.
(x) Conclusão
21. Não obstante certas críticas da doutrina especializada direcionadas aos vetos da Presidência da República, é inegável que as modificações trazidas pela lei 13.129/15 representam grande avanço em prol da arbitragem no Brasil, em plena consonância com as mais modernas legislações sobre o instituto existentes em outros países.
22. Esse avanço foi também acompanhado pelo novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 17 de março de 2016 e que também traz algumas disposições sobre a arbitragem, tal como a previsão de tramitação em segredo de justiça de ações judiciais a procedimentos de arbitragem sujeitos à confidencialidade.
23. A previsão expressa quanto a possibilidade de participação da administração pública em arbitragens traz maior segurança jurídica a empresas brasileiras e estrangeiras quando assinam convenções de arbitragem com o Estado. As demais alterações, de maneira geral, também trazem maior segurança jurídica a todas as partes signatárias de convenções arbitrais, valorizando ainda mais o instituto da arbitragem no Brasil.
24. A lei 13.129/15, que entrou em vigor no último dia 25 de julho de 2015, fortalece assim a posição pró-arbitragem que vem sendo adotada pelo Brasil desde a promulgação da Lei de Arbitragem, e está em plena consonância com as mais modernas normas sobre o instituto em outros países em que esta forma alternativa de resolução de disputas já vem sendo utilizada há muitas décadas com sucesso.
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*Renato Stephan Grion e Douglas Alexander Cordeiro é sócio e associado da Área Contenciosa de Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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