Piada de mau gosto
Na semana passada, o procurador da República Deltan Dallagnol, que atua na Lava Jato, teria dito que a punição para o crime de corrupção no Brasil é "uma piada de mau gosto".
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
Atualizado às 07:01
Ninguém dúvida e questiona o importante papel exercido pelo Ministério Público no Estado Democrático de Direito. O MP segundo a CF "é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127). A CF assegura aos membros do MP garantias idênticas aos membros do Poder Judiciário, tais como: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.
Embora exerça papel fundamental no Estado Democrático de Direito quando defendem, sobretudo, os interesses difusos e coletivos, alguns membros do Ministério Público (promotores de Justiça e procuradores da República) têm cometido vários excessos em nome do combate à criminalidade e da impunidade, sob o manto da Justiça.
No último dia 27 (segunda-feira), o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, disse que a punição para o crime de corrupção no Brasil é "uma piada de mau gosto". Segundo o representante do MPF a pena de até 12 anos de reclusão é insuficiente já que "não há fiscalização e existe um grande risco de prescrição". De acordo com o procurador, em sua fala numa igreja na Tijuca, na Zona Norte do Rio, a medida mais necessária para o Brasil, neste momento, é o combate à corrupção e à impunidade.
Necessário, antes de tudo, separar o joio do trigo. Piada de mau gosto é afirmar que o Brasil com mais de 700 mil presos, terceira maior população carcerária do mundo, é o país da impunidade; piada de mau gosto é um país com mais de 200 mil presos provisórios; piada de mau gosto é usar a igreja (qualquer que seja a religião) para fazer discurso demagogo e punitivista; piada de mau gosto é supor que o MPF está acima do bem e do mal e que seus membros são paladinos da justiça; piada de mau gosto é fazer da prisão provisória instrumento de tortura para obtenção de confissões; piada de mau gosto é a violação dos direitos e garantias fundamentais; piada de mau gosto é vendar os olhos para condição desumana e cruel do sistema carcerário; piada de mau gosto é o desprezo pelo princípio constitucional da presunção de inocência; uma grande piada de mau gosto são as 10 medidas propostas pelo MPF para combater a "impunidade" e a "corrupção".
É lamentável que alguns membros do Ministério Público extrapolem suas funções numa busca tão implacável quanto insana de culpados. Não medindo esforços e até mesmo atropelando o devido processo legal e penal para satisfazer a opinião pública e a mídia. Os fins passam a justificar os meios (insidiosos e cruéis) no ilusório combate ao crime.
É extremamente preocupante que agentes que representam o Estado e o Poder Público e que, portanto, deveriam agir dentro e na defesa da legalidade democrática se seduzam tão facilmente pelo canto populista e midiático.
Não se pode olvidar, também, que o Ministério Público é parte no processo penal e, sendo assim, deve se submeter às regras processuais pertinentes as partes (acusação e defesa). E como toda parte é por sua natureza partidária e parcial, é uma ilusão crer em uma "parte imparcial". Como bem destaca Rubens Casara e Antônio Melchior "ao acreditar na imparcialidade do Ministério Público, desaparece a equidistância do Magistrado em relação às partes e, em consequência, a própria imparcialidade da Agência Judicial". Necessário, como fazem os eminentes processualistas, acabar com o mito da imparcialidade do MP. Urge que a sociedade entenda que o MP também é movido as paixões e interesses. A imparcialidade do MP é outra piada de mau gosto.
Por tudo, inclusive para acabar com as "piadas de mau gosto", é necessário derrubar os mitos, questionar os dogmas e pugnar por um processo penal democrático comprometido com a dignidade da pessoa humana, com os direitos humanos e com os princípios fundamentais.
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*Leonardo Isaac Yarochewsky advogado do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados. Professor de Direito Penal da PUC/Minas.