O que são Comitês de Ética em Pesquisa?
O crivo de admissibilidade de um determinado projeto passa, em primeiro lugar, pela apreciação individual, e em segundo, numa apreciação mais globalizada.
domingo, 26 de julho de 2015
Atualizado em 24 de julho de 2015 13:44
Quando se fala em pesquisas no Brasil, em razão da desinformação existente a tal respeito, dá-se a impressão que a produção científica é diminuta e com pouca repercussão acadêmica. Ocorre que o país, nas últimas duas décadas, vem experimentando um sustentável crescimento e amadurecimento, tanto na pesquisa básica como na aplicada.
O Código de Nuremberg, editado em 1947, base legal dos julgamentos dos médicos nazistas que praticavam pesquisas experimentais e desregradas em seres humanos, mais parecendo com crimes hoje considerados hediondos, foi o marco inicial para questionar as condutas éticas nas pesquisas envolvendo a experimentação humana, com a intenção de prevenir possíveis abusos por parte da comunidade científica.
Os problemas éticos que foram surgindo ao longo das experiências realizadas em seres humanos consistiram em estabelecer limites à própria pesquisa, visando não expor os colaboradores a riscos e danos desnecessários e sim atingir uma situação de equilíbrio, onde os riscos devem ser examinados de acordo com os benefícios que se pretende atingir, levando-se em consideração sempre a dignidade do ser humano. Daí que o senso humanitário criou a limitação ética do desenvolvimento tecnocientífico. Permitiu a realização de pesquisas envolvendo seres humanos como sujeitos colaboradores espontâneos, porém, com regras seguras para sua participação, incluídas no documento Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que, com linguagem clara e acessível, irá apresentar a finalidade do estudo, seus riscos, benefícios, direitos que lhe serão assegurados e todas as informações específicas do estudo.
No Brasil, foi editada a resolução 196/1996, revogada pela resolução 466/2012, ambas pelo Conselho Nacional de Saúde, que introduziram vários norteamentos da ciência Bioética. Tanto é que nas disposições preliminares faz ver que 'incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, beneficência, Justiça e equidade, dentre outros, e visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado". Todo esse esforço visa administrar os conhecimentos científicos, harmonizá-los com os valores humanos e adequá-los para melhorar a qualidade de vida. A ciência, sob tal ótica, numa apertada síntese, somente se justifica se a sua produção científica for necessária, conveniente e oportuna para o homem.
Referida resolução abriu espaços para os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), órgãos colegiados interdisciplinares e independentes, de relevância pública, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir com o desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos. Os CEP procuram agregar os mais diferentes segmentos da comunidade, recrutando médicos, psicólogos, juristas, religiosos, bioeticistas, cientistas, pessoas que exerçam lideranças na comunidade, pacientes e quaisquer outros que tenham condições de fazer uma leitura ética atrelada à participação do ser humano em pesquisas. Da mesma forma como os jurados são escolhidos dentre cidadãos de notória idoneidade para a execução de um serviço público relevante, sem qualquer remuneração, os membros do Comitê também são recrutados de acordo com sua competência e projeção na sua área de saber para desenvolver um trabalho gratuito, revestido de igual relevância social.
Assim, cada instituição que realizar pesquisas que envolva o ser humano, em quaisquer campos ou áreas temáticas, constituirá obrigatoriamente seu núcleo de apreciação dos projetos a serem desenvolvidos, de acordo não só com o pensamento ético abrangente, mas também tendo como escopo a relevância local. Embora as tarefas dos CEP sejam ainda desconhecidas pela sociedade, que por falta de informação e divulgação não tem acesso a essa importante função pública, as decisões ali tomadas, quer sejam aprovando determinado estudo, quer sejam rejeitando, são representativas dos anseios da sociedade local que, de certo forma, outorgou aos participantes poderes para deliberar em seu nome.
A autonomia dos CEP vem registrada não só pela manifestação isolada de um membro seu, mas também pela decisão colegiada, definidora do pensamento ético e conveniente para determinada proposta de pesquisa. O voto individualizado, mesmo que seja vencido, com o devido registro em ata, é o demonstrativo da liberdade de definir em nome alheio. O crivo de admissibilidade de um determinado projeto passa, em primeiro lugar, pela apreciação individual, onde se confronta com a ética pessoal e, em segundo, numa apreciação mais globalizada, procura atingir uma decisão que corresponda à vontade popular e que traga benefícios satisfatórios para o bem-estar social.
É importante e relevante a participação de profissional da área jurídica porque os assuntos tratados envolvem conhecimento de Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Médico, Estatuto da Criança e Adolescente, além de muitos outros em razão da proteção conferida ao cidadão que aceita voluntariamente participar dos estudos e pesquisas.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, Reitor da Unorp/São José do Rio Preto.