O país dos fora da lei (ou do faz o que eu mando)
O Brasil tem se especializado em criar regras teoricamente moderníssimas - mas simplesmente incapazes de serem cumpridas.
segunda-feira, 13 de julho de 2015
Atualizado às 08:51
Com esse título, a revista Exame (junho/09) publicou que, "nos últimos anos, o Brasil tem se especializado em criar regras teoricamente moderníssimas - mas simplesmente incapazes de serem cumpridas. Inspiradas na realidade de países ricos - e, não raro, feitas para bater recordes de rigidez - essas regras ignoram as peculiaridades de uma nação e de um capitalismo ainda jovem. O Brasil é dono de uma das mais duras legislações ambientais do mundo - e uma das mais impraticáveis."
Tão impraticável que os próprios entes públicos não conseguem cumprir. E, pior, isso não é nos últimos anos. Vejamos o que diz o Código Tributário Nacional, isso lá em 1966 (há 49 anos), em seu artigo 212: Os Poderes Executivos Federal, estaduais e municipais expedirão, por decreto, dentro de 90 dias da entrada em vigor desta lei, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada um dos tributos, repetindo-se esta providência até o dia 31 de janeiro de cada ano.
A última edição do regulamento do IR data de 99. O regulamento do ICMS de Pernambuco e o Código Tributário do Município do Recife datam de 91, para citar apenas esses três.
Dá para imaginar a verdadeira colcha de retalhos com que convivem os profissionais da área. Com o avanço da informática esse descumprimento da lei por parte dos entes públicos, para sorte dos profissionais, não atrapalha muito. Eu disse: não atrapalha muito. Mas atrapalha. Além de causar uma séria crise de insegurança e um eterno trabalho de conferência e reconferência.
Lembra um advogado experiente falando a seu assistente: "Este trabalho (um parecer) está ótimo. Muito embasado. Só tem um detalhe: a legislação em que você se baseou está revogada". Poderia o parecer ter sido enviado, sem a correção? Poderia.
É verdade que hoje há várias formas de se garantir 100% de acerto, mas, mesmo assim, e principalmente para quem trabalha com legislação muito variada, é sempre um esgotamento mental. Veja-se a legislação municipal, por exemplo, em que cada um dos mais de 5.500 municípios têm seus códigos tributários próprios; a estadual, em que cada um dos 26 estados e, de quebra, um distrito federal, cada um com seu regulamento do ICMS).
Realmente, num país onde muito se resolve por lei, e ninguém pode descumprir, alegando seu desconhecimento, realmente acaba virando um país de foras da lei. E, como diz uma amiga minha: você pode estar fora da lei e nem está sabendo.
Triste realidade. Mais perfeito que essas leis todas (ou falta delas) é a educação de nossos deputados e senadores. "Vossa Excelência está sendo indelicado comigo", "Gostaria que Vossa Excelência fosse para o inferno", "Gostaria de Vossa Excelência engolisse as palavras". É uma educação para pouco trabalho.
A quem estranhar eu citar revista de 2009 eu digo: É que nada mudou! É como diz o tango Cambalache, de 1934: "Que el mundo fue y será una porqueira ya lo sé... (¡En el quinientos seis y en el dos mil también!)".
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*J. V. Rabelo de Andrade é advogado da banca Martorelli Advogados.