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Em rota de colisão

João Biazzo

O levantamento, feito pelo Instituto Datafolha, constatou que, para 79% dos brasileiros, as doações de empresas para campanhas políticas estimulam a corrupção.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Atualizado em 8 de julho de 2015 16:42

As severas críticas disparadas sem pudor por Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nesta semana, revelam mais alguns traços da grave crise institucional empossada pelo Estado brasileiro. Elas também emolduram muito bem um retrato atualizado da principal entidade representativa dos advogados do País e sua relação com a evolução de nossa vida social.

Ostensivamente, o presidente da Casa da democracia brasileira tentou desqualificar pesquisa encomendada pela Ordem para avaliar a opinião da população sobre o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. O levantamento, feito pelo Instituto Datafolha, constatou que, para 79% dos brasileiros, as doações de empresas para campanhas políticas estimulam a corrupção.

Cunha, entretanto, se nega a aceitar a vontade da maioria. Faz isso atacando uma instituição com 85 anos de atuação em defesa do aprimoramento do sistema jurídico e das liberdades civis dos brasileiros. Ao mesmo tempo, desrespeita milhões de advogados que fizeram ou fazem parte dessa história.

Eduardo Cunha expôs nesse episódio um mapa de suas veias autoritárias. Revelou à nação brasileira os fundamentos dos valores morais que constroem o pensamento de uma das principais autoridades políticas do País. Mostrou toda a sua intransigência ao contraditório.

Também é lamentável que a própria OAB tenha permitido e colaborado com essa infeliz manifestação do parlamentar que trabalha pelo fim do Exame da Ordem. Nas últimas gestões, a entidade acumulou queda inigualável em seu prestígio institucional. Distante da base, pouco transparente, desatenta em relação às necessidades profissionais dos advogados e ausente dos principais debates da sociedade, ela é hoje apenas uma caricatura do que foi no passado.

O peso da inaptidão administrativa aparece até mesmo em momentos em que a Ordem efetivamente tomou iniciativas, como na questão da maioridade penal e na do financiamento de campanhas políticas. Agiu, porém, sem consultar os advogados, ou seja, a opinião assumida pela Ordem representa apenas o gabinete do poder, não a classe advocatícia.

Ao mesmo tempo, é omissa em temas nacionais como reforma política, previdência e modernização dos instrumentos de gestão pública. Descumpre, assim, seu papel social e abandona os cidadãos brasileiros. Em outras palavras, a instituição colidiu com sua própria história.

O profundo envolvimento das últimas direções da OAB com partidos políticos contribuiu para ocasionar esse desvio na rota. Projetos pessoais de dirigentes foram sobrepostos à lista de prioridades da entidade, e o exercício da profissão ficou em segundo plano. O resultado desse roteiro é o enfraquecimento do advogado como indivíduo e como figura central para o funcionamento e desenvolvimento da sociedade. Enfim, todos perdem: os advogados e a nação.

Essa trajetória decadente precisa ser interrompida. É vital que a Ordem altere seu rumo e reencontre suas raízes - e o único caminho é voltar o foco de sua atuação para os advogados. O fortalecimento do profissional é imperativo para que a OAB resgate seu patrimônio moral e recupere seu protagonismo no cenário nacional. Sem advogado, não existe justiça, não existe Estado de direito, não existe democracia.

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*João Biazzo, mestre em Direito Civil pela PUC/SP e sócio-fundador do AIDAR SBZ Advogados. Foto: Paulo Liebert

 

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