O dividendo obrigatório (mínimo ou máximo)
A prática às vezes transforma as normas. Quando a lei disse que o dividendo a ser distribuído seria de, no mínimo 25%, a maioria dos empresários (acionistas controladores) inverteu a ordem e deu certo: passaram a considerar os 25% como máximo.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Atualizado em 2 de julho de 2015 13:23
Um dos direitos essenciais do acionista é a participação nos lucros sociais (lei 6404/76, art. 109, I). No caso das sociedades por ações (ou companhias), isso se corporifica no recebimento de dividendos (dividendos distribuídos), cujo equivalente nas sociedades do tipo limitada é a distribuição de lucros (ou lucros distribuídos).
A lei trata da distribuição de dividendos (art. 202), nos seguintes termos:
"Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas:".
Deixando de lado a questão do estatuto omisso, não objeto deste estudo, vejamos o que mais diz o artigo 202, em seus parágrafos:
"...
§ 1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.
...
§ 3º A assembléia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades: I - companhias abertas exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações; II - companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição prevista no inciso I.
§ 4º O dividendo previsto neste artigo não será obrigatório no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. ...
...
§ 6º Os lucros não destinados nos termos dos art. 193 a 197 deverão ser distribuídos como dividendos". (grifos nossos)
A primeira indagação, aliando a prática à norma legal, é: de onde surgiram os tais 25% que a grande maioria das S.A.s paga como dividendo obrigatório? A resposta é: quando foi promulgada a lei 6404/76 havia várias S.A. em operação. Então, a lei não poderia alterar o já conhecido "ato jurídico perfeito e acabado", ou seja, se um estatuto dispunha que o dividendo mínimo seria de 5%, essa distribuição poderia ser mantida. Porém, se o estatuto fosse omisso, a administração poderia alterá-lo para estabelecer o percentual desde que não inferior a 25%. Isso não se aplicava à S.A. constituídas a partir da lei 6404/76 porque, nesses casos, prevaleceria a "teria da vontade contratual", ou seja, companhias criadas sob manto da lei 6404/76 poderiam estabelecer qualquer percentual como dividendo mínimo já que era situação nova, já sob a nova lei.
A prática às vezes transforma as normas. Quando a lei disse que o dividendo a ser distribuído seria de, no mínimo 25%, a maioria dos empresários (acionistas controladores) inverteu a ordem e deu certo: passaram a considerar os 25% como máximo. Assim, atendiam a lei e as sociedades ficavam capitalizadas.
A partir de 2002 passou a valer a regra da lei 10.303/01 que incluiu o § 6º já transcrito. A partir de 2002, os lucros que não sejam retidos nos termos dos artigos 193 a 197 da lei 6404/76, devem ser distribuídos (estes artigos tratam da permissão estatutária para retenção de lucros a título de reserva legal, orçamento de capital (investimentos), lucros a realizar). E há muito acionista controlador "se fazendo de esquecido" e distribuindo apenas os 25%.
A distribuição total é tão verdade que a lei 11.638/07 eliminou a conta contábil "Lucros ou Prejuízos Acumulados" e em seu lugar deixou apenas "Prejuízos Acumulados".
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*J. V. Rabelo de Andrade é advogado do escritório Martorelli Advogados.