As convenções processuais e o calendário no novo CPC
Calendário busca enfrentar os tempos mortos, isto é, aqueles períodos de tempo em que não há prazo correndo para qualquer das partes (...) e que são os principais causadores da morosidade da Justiça.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Atualizado em 2 de julho de 2015 12:03
A inserção de cláusula de eleição de foro é bastante corriqueira em inúmeras espécies de contrato. Do mesmo modo, diversos processos judiciais são usualmente suspensos por iniciativa conjunta das partes. Essas duas práticas comuns são exemplos dos chamados negócios ou convenções processuais, que visam a disposição de algum direito processual ou a alteração do procedimento previsto abstratamente em lei.
A possibilidade de modificar aspectos do procedimento comum é uma maneira de minimizar riscos e de enfrentar de forma individualizada o caso concreto no próprio processo judicial, sem o recurso à arbitragem.
Uma das principais novidades trazidas pelo novo CPC é a melhor regulamentação das convenções processuais, especialmente com a previsão do calendário processual. Não obstante a legalidade das convenções na vigência do antigo CPC, a ausência de normatização mais adequada desestimulava a adoção de espécies não previstas expressamente em lei. Faltava aos contratantes a convicção de que a cláusula seria respeitada se o litígio chegasse ao judiciário.
Esse problema foi solucionado pelo novo código, que mais bem delimita o campo de atuação dos negócios processuais. Essa opção do legislador reformista revela uma mudança ideológica do código, que agora adota postura mais liberal e concede maior liberdade às partes no processo.
Nas causas que versem sobre direitos que admitam autocomposição é permitido às partes capazes a celebração de convenções antes (em contrato) ou durante o processo sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. O juiz está vinculado ao que decidiram as partes em contrato, já que as convenções sempre terão eficácia no processo, salvo nas hipóteses de nulidade ou de desigualdade flagrante entre os contratantes, consubstanciada na formação da convenção em contrato de adesão ou se flagrante a situação de vulnerabilidade de algum dos litigantes. Destarte, por imposição legal, presumem-se válidas e eficazes as convenções processuais, mas podem ser consideradas nulas se violarem a ordem pública processual, ou seja, se impedirem o exercício do direito de defesa, ou se não respeitarem a coisa julgada ou a garantia do juiz natural, por exemplo.
Pela limitação legal às convenções previstas em contrato de adesão, tais acordos encontram maior espaço nas relações b2b, nas quais os negócios são formalizados em contratos paritários. Os negócios processuais podem tornar-se eficaz ferramenta à prevenção de riscos decorrentes de litígios contratuais de diferentes espécies, pois propiciam aos contratantes estipularem alterações capazes de tornar o processo judicial um caminho menos tortuoso à solução do conflito.
O novo CPC traz algumas convenções específicas, como eleição de foro, delimitação consensual do objeto do processo, nomeação de perito por escolha das partes, redistribuição consensual do ônus da prova, eleição contratual de bem a ser penhorado em caso de execução, e até a alteração de prazo processual pelas partes. O novo CPC disciplina também o calendário processual, que tem como escopo a criação de um cronograma para o processo, estipulando datas para a prática de atos processuais - contestação, réplica, perícia, audiências, sentença etc. - e pode advir de convenção processual ou de provimento judicial, pouco importa. Em qualquer dos casos, como abriga atos a serem praticados pelas partes e pelo juiz, todos devem a ele aderir para que se torne eficaz.
O calendário busca enfrentar os tempos mortos, isto é, aqueles períodos de tempo em que não há prazo correndo para qualquer das partes - juntada de petição, espera da data de publicação etc. -, e que são os principais causadores da morosidade da justiça. Segundo pesquisa da FGV-SP de 2006, 80% a 95% do tempo despendido até a sentença pode ser classificado como tempo morto. Como no calendário as partes são intimadas uma vez só de todas as datas, o processo corre sem interrupções para novas intimações, eliminando os tempos mortos.
O estabelecimento de calendário no início do processo é eficiente maneira (i) de adequação do rito às idiossincrasias do conflito, em especial ao tempo necessário para a produção de provas; (ii) de enfrentamento da morosidade do processo civil; e (iii) de garantia da segurança jurídica, decorrente da elevada previsibilidade da duração do processo neste modelo. Por outro lado, pode enfrentar o obstáculo cultural da sociedade brasileira e, principalmente, da comunidade jurídica, de pouco ativismo por parte dos jurisdicionados e menor propensão à resolução do conflito por decisões consensuais dos litigantes. Somente a vigência do novo CPC poderá revelar se as convenções e o calendário tornar-se-ão mecanismos processuais aplicados pelos operadores do direito ou se serão relegados como outras ferramentas processuais promissoras, pouco adotadas na prática.
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*Diogo A. Rezende de Almeida é sócio do escritório Viseu Advogados, professor adjunto de processo civil da FGV Direito Rio e autor do livro "A contratualização do processo: das convenções processuais no processo civil" (LTR, 2015).