Prisões midiáticas
Embora não haja previsão legal, alguns magistrados acresceram mais um esdrúxulo fundamento para a decretação da prisão preventiva: "repercussão midiática".
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Atualizado em 26 de junho de 2015 09:35
O direito penal e processual penal estabelecem basicamente duas modalidades de prisão: i. Prisão/pena decorrente de uma sentença penal condenatória transitada em julgado (definitiva); ii. Prisão provisória (cautelar), também chamada de prisão processual, que é decretada juiz (ou tribunal) no inquérito ou no curso do processo.
A prisão provisória (temporária ou preventiva), de natureza cautelar, deve atender aos critérios da necessidade e da proporcionalidade. Não é despiciendo lembrar que o status libertatis é a regra. O princípio da presunção de inocência, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória", é proclamado na Constituição da República (art. 5, LVII). Assim, não deve a prisão provisória ter um caráter de satisfatividade, ou seja, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória da pena.
Sobre a excepcionalidade da prisão cautelar o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que: "A prisão cautelar, que tem função exclusivamente instrumental, não pode converter-se em forma antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade constitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade somente se justifica em hipóteses restritas, não podendo efetivar-se, legitimamente, quando ausente qualquer dos fundamentos à sua decretação pelo Poder Judiciário" (STF - 2ª T. HC 80.379-2 - Rel. Celso de Mello).
A prisão sem condenação passada em julgado é a exceção e, como tal, somente deve ser decretada como ultima ratio e quando não houver a possibilidade de sua substituição por outra medida cautelar menos danosa (Lei nº 12.403/11).
A prisão preventiva pode ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. E, após a entrada em vigor da Lei 12.403/11, quando não for cabível uma das medidas cautelares previstas na referida lei (prisão domiciliar, comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoas determinadas, suspensão do exercício de função pública etc.).
Embora não haja previsão legal, alguns magistrados acresceram mais um esdrúxulo fundamento para a decretação da prisão preventiva: "repercussão midiática". Aqui, a prisão é decretada para ser noticiada, propagada e alardeada. Na prisão midiática a privacidade, a intimidade e a presunção de inocência são sobrepujadas pelas manchetes sensacionalistas de uma imprensa pouco ou nada comprometida com os direitos e garantias fundamentais. Como já proclamou Noam Chomsky "A imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no cérebro".
A prisão decretada visando a "repercussão midiática", confundida com o clamor público, transforma-se em espetáculo. Espetáculo que em nome da audiência atropela o devido processo penal, o contraditório e a ampla defesa.
Como bem já salientou o magistrado e professor Rubens Casara, no processo penal voltado para o espetáculo, "não há espaço para garantir direitos fundamentais. O espetáculo não deseja chegar a nada, nem respeitar qualquer valor, que não seja ele mesmo. A dimensão de garantia, inerente ao processo penal no Estado Democrático de Direito, marcado por limites ao exercício do poder, desaparece para ceder lugar à dimensão de entretenimento. No processo espetacular o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, tende a desaparecer, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz. Um discurso construído, não raro, para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa... O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo".
Por tudo, a sociedade precisa despertar para os abusos que vêm sendo cometidos em nome de um ilusório combate a criminalidade, a violência e a corrupção. O discurso fácil da punição com a supressão de direitos e garantias, elegido pela grande mídia e aplaudido pela manipulada e iludida população vai conduzindo cada vez mais a sociedade para um Estado autoritário e policial que se distancia rapidamente do Estado democrático de direito.
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*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal da PUC-Minas.