Senado aprova PL que torna hediondo crime contra policiais
Referido projeto segue agora para sanção ou veto da presente Dilma Rousseff.
domingo, 21 de junho de 2015
Atualizado em 18 de junho de 2015 09:45
No último dia 11 de junho do ano corrente, o Senado Federal aprovou projeto de lei1 que qualifica (aumenta a pena cominada em abstrato para 12 a 30 anos de reclusão) e torna hediondo crime de homicídio, bem como majora as penas do crime de lesão corporal, praticados contra militares e integrantes das polícias e demais órgãos do art. 144 da CF, do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, ou contra seu cônjuge ou parente.2:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Referido projeto segue agora para sanção ou veto da presente Dilma Rousseff. Uma vez sancionado, promulgado e vigente, serão verificadas importantes alterações nos ordenamentos penal e processual penal, atingindo a tipificação de condutas, bem como a execução das penas privativas de liberdades aplicadas.
Incialmente, deve-se ressaltar que a lei de crimes hediondos (lei 8.072/90 - LCH) vem atender a um comando constitucional explícito, constante no artigo 5º, inciso XLIII, da CF/88: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Desta feita, no artigo 1º da LCH verifica-se, em decorrência do princípio penal da taxatividade, rol numerus clausus de crimes que foram eleitos pelo legislador ordinário para carregarem a qualidade da hediondez:
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI)
II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);
IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2º)
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).
VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B)
VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).
Neste ponto, que é a intenção do presente estudo, cabe aqui uma análise crítica e, ao mesmo tempo, prática, do discutido projeto.
No referido artigo, vislumbram-se duas figuras distintas do crime de homicídio como hediondo: 1) o homicídio simples, desde que praticado em atividade típica de grupo de extermínio - e somente nessa hipótese será hediondo; 2) homicídio qualificado, qualquer que seja o inciso tipificado.
Logo, percebe-se que o homicídio qualificado será sempre hediondo, independente das qualidades das vítimas, por expressa previsão legal. Já o homicídio simples será hediondo apenas quando se tratar de atividade típica de grupo de extermínio.
Ocorre que, em relação a essa peculiar previsão legal do homicídio simples hediondo, verifica-se grande crítica doutrinária e também jurisprudencial. Isso porque se torna de difícil aplicação essa modalidade hedionda, tendo em vista que a conduta de quem age em atividade típica de grupo de extermínio se enquadra nas hipóteses de homicídio qualificado (motivo torpe) ou de homicídio privilegiado (relevante valor social). Logo, parece inviável a configuração de um homicídio simples hediondo.
Sendo assim, levando-se em conta que esse projeto traz uma qualificadora para quem matar quaisquer integrantes dos órgãos de segurança pública, pode-se entender que a alteração legislativa, quanto à hediondez, será apenas formal, tendo em vista que somente irá se acrescentar um inciso ao já hediondo crime de homicídio qualificado.
Por outro lado, irá afastar eventual configuração de homicídio simples e, assim, garantirá que todas as peculiaridades da LCH sejam aplicadas ao agente que matar as pessoas tratadas no projeto em estudo.
Por fim, destaca-se a louvável posição de punir de igual forma quem atente contra a vida do cônjuge e familiares com até o 3º grau de parentesco com as vítimas ora tratadas. Caso configurado o homicídio, também será considerado hediondo e, assim, sujeito a medidas mais drásticas.
Não se pode esquecer, ainda, que o projeto em análise traz o aumento de 1/3 a 2/3 na pena do crime de lesão corporal, quando a vítima for agente da segurança pública ou familiar dele, até o citado grau de parentesco.
Por derradeiro, tem-se que as alterações previstas não podem retroagir, vez que contém medidas prejudiciais ao réu e, assim, são dotadas de eficácia ex nunc (efeitos pró futuro).
Desta feita, numa análise preliminar, reputa-se válida a atuação do Legislativo para tentar enfrentar um grave problema social: cresce assustadoramente o número de policiais e agentes ligados à segurança pública que são assassinados nas cidades brasileiras.
A evolução ou até mesmo a revolução da violência contra os policiais ocorreu de forma rápida, num crescendo previsível em que se podia antever dias piores, como se não bastasse a violência dirigida ao cidadão comum. E mais uma vez o governo busca o auxílio da lei existente, rotulando-a e ampliando-a com a grife da hediondez, para contornar uma violência que excedeu e em muito o limite da razoabilidade.
Como profetizou Marquês de Maricá, as leis se complicam quando se multiplicam.
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1 PLC 10/2015 - https://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=120427
2 https://oglobo.globo.com/brasil/senado-aprova-projeto-de-lei-que-torna-pena-para-homicidio-de-policiais-mais-severa-16416680
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista;
*Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.