Afinal de contas: o que é o Fundo dos Direitos Difusos previsto na Lei de Ação Civil Pública?
Ao aplicar multas, o órgão deve acautelar-se acerca dos impactos econômicos que poderão ser ocasionados.
terça-feira, 16 de junho de 2015
Atualizado em 15 de junho de 2015 13:51
As multas decorrentes das infrações às normas de Defesa do Consumidor são aplicadas através de um procedimento administrativo, e graduadas de acordo com a gravidade da infração, a extensão do dano causado ao consumidor, a vantagem auferida com o ato infrativo e a condição econômica do infrator.
Tais fatores devem ser aplicados concomitantemente, não sendo excludentes ou preponderantes entre si, com vistas à efetivação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, e jamais dar margem a abusos por parte da administração pública em prol exclusivamente de arrecadação sem motivação, sob pena de ensejar enriquecimento sem causa do ente público.
Por isso, ao aplicar multas, o órgão deve acautelar-se acerca dos impactos econômicos que poderão ser ocasionados, pois muitas empresas possuem representação nacional e podem ser autuadas mais de uma vez pelo mesmo órgão e por diversos órgãos espalhados pelo território nacional. A soma de tais sanções impacta na atividade econômica da empresa e se vultosas, podem levar ao comprometimento financeiro das empresas.
O impacto social desta última possibilidade é muito mais danoso do que eventual dano ocasionado a um único consumidor. Além do que, fatalmente, tais valores serão repassados ao custo do produto, o que reduziria o acesso ao consumo da população em geral e a extinção das atividades da empresa reduziria a concorrência e disputa por preço e qualidade no mercado.
Assim, pode-se considerar arbitrário o ato administrativo que impõe multa em valor desarrazoado, que em muito supera o preço pago pelo produto e, por conseguinte, o retorno econômico obtido pela empresa.
Consequentemente tal ato é passível de anulação e revisão pelo poder Judiciário, sob o prisma de uma visão constitucional e sistêmica e afeita ao bem estar social.
Não obstante, muitos fornecedores e consumidores se perguntam para onde vão e como são utilizados os valores das multas que variam de duzentos a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (UFIR).
Segundo a legislação brasileira, o valor da multa administrativa na esfera Nacional é revertida ao Fundo da União, ou para o Fundo estadual ou municipal de proteção ao consumidor nos demais casos.
Atualmente, o Fundo regulamentado é Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que é vinculado ao Ministério da Justiça e tem recursos provenientes das ações civis públicas de direitos difusos e coletivos, das multas e indenizações provenientes dos interesses dos portadores de deficiência, de danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, das multas estipuladas pelo CADE contra a ordem Econômica, de Doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras e os valores são utilizados em favor da coletividade, aos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Ressalta-se que os órgãos interessados em receber as verbas oriundas do FDD, tais como instituições governamentais da administração direta ou indireta, seja na esfera federal, estadual e municipal, organizações não governamentais, brasileiras e sem fins lucrativos e que tenham os seus estatutos com objetivos ligados à atuação do meio ambiente, do consumidor, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagismo e à ordem econômica, podem apresentar os projetos ao Conselho Gestor do FDD e se aprovado, serão apoiados através de convênios, ou seja, o FDD deposita o valor requerido ao solicitado e este tem a missão de aplicar no projeto em benefício a sociedade como um todo.
Com relação ao Fundo estadual, temos como exemplo no Estado de São Paulo, o Fundo de Interesses Difusos (FID) vinculado à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania.
Os mesmos órgãos descritos acima podem apresentar as propostas com os projetos através de edital, sempre com o objetivo de promover eventos educativos, a recuperação e reparação de bens, edição de material informativo, e relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, por exemplo, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, a bens e direitos de valor artístico, histórico e dentre outros de interesse difuso.
Mais importante do que existir o procedimento e os órgãos que poderão se valer do Fundo é que os órgãos aplicadores de multas ajam sempre com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que ao final os consumidores possam de fato ser beneficiados pela arrecadação havida, ao invés de apenas ocorrer o inchaço dos cofres públicos sem resultados para a população.
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*Maurício Salles é advogado especializado em Direito do Consumidor e Processo Civil do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados.