Estado contra o mercado: Uber e o consumidor
A maior prova de que a regulação tem sido insuficiente é justamente o serviço do Uber: estivessem plenamente atendidos os usuários de taxi em São Paulo e não haveria demanda por este serviço.
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Atualizado em 10 de junho de 2015 16:56
A vinda para o Brasil do aplicativo Uber e a polêmica aberta com os taxis comuns é ótima oportunidade para discutir os limites da regulação estatal.
O Uber se apresenta como uma ferramenta de aproximação de usuários e motoristas autônomos, facilitador do encontro entre oferta e demanda. Viabiliza o primado do mercado. Os serviços de taxi são serviços públicos. Só podem explorar estas atividades aqueles que recebem outorga, são fiscalizados e sancionados pela administração municipal, recolhem taxas por essa fiscalização. Ou seja, trata-se de uma atividade reservada ao Município e exercida sob forte regulação pública.
A Prefeitura (Revista da Folha de São Paulo, 17/5/15) alega que o serviço é irregular, pois transportar pessoas de forma individual e onerosa só é possível àqueles autorizados pelo Município.
Aberto o debate: de um lado taxistas defendendo o "seu" mercado (cujo acesso é fechado e limitado pelas licenças emitidas pela Prefeitura); de outro os titulares do aplicativo, os motoristas autônomos (que querem explorar uma atividade por sua conta e risco) e os usuários que rapidamente se tornam clientes do Uber.
O fato de o aplicativo ter, rapidamente, se tornado um sucesso indica que havia oferta (motoristas que querem prestar serviço qualificado por sua conta e risco) e demanda (usuários que não são atendidos pelo serviço público por insuficiência qualitativa ou quantitativa da oferta de taxis) frustrados elo serviço público. Fossem os taxis adequados e suficientes às necessidades do cidadão paulistano e o serviço não teria tanto sucesso.
Uma atividade pode ser reservada ao regime de serviço público (e portanto retirada da livre iniciativa) ou porque o Estado quer universalizar ou porque ela tem características que impedem a competição (por exemplo, monopólios naturais) ou, ainda, porque demandam uma regulação rigorosa.
Ora, o serviço de taxi não se enquadra em nenhuma destas condições. Não é um serviço que mereça ser universalizado (seria risível um programa "taxi para todos" ou o subsídio nas tarifas do transporte individual); não é uma atividade de competição dificultosa (ao contrário, com o aplicativo a competição se torna quase perfeita), pois a única barreira intransponível de entrada de um novo competidor é, justamente, a reserva de mercado dada pelo número limitado de licenças. E a regulação, em geral, se presta mais a coibir clandestinos e proteger os licenciados do que assegurar conformidade no serviço prestado. Não há exigência de prestação de serviços em horários noturnos ou finais de semana. O asseio dos veículos e motoristas, em muitos casos, deixa a desejar. O requisito legal da cortesia (artigo 6º, § 1º, Lei 8.987/95) nem sempre é presente. Não há um serviço efetivo de atendimento aos usuários e de recebimento e retorno de queixas e reclamações.
A maior prova de que a regulação tem sido insuficiente é justamente o serviço do Uber: estivessem plenamente atendidos os usuários de taxi em São Paulo e não haveria demanda por este serviço.
Ora, se os interesses coletivos que justificariam serem os taxis serviço público não estão presentes, a reserva da atividade acaba por atender a dois únicos objetivos: reservar o mercado dos detentores de licença e garantir a arrecadação municipal das taxas de fiscalização.
A limitação de mercados sem benefícios públicos fere a Constituição que só admite a restrição da livre iniciativa quando o interesse público justificar. A taxa de fiscalização, por sua vez, é consequência da necessária regulação e não um objeto lícito em si. Argumente-se que Uber não é tributado. Mas nada impede que o seja, mediante a incidência de ISS sobre o serviço que presta.
A polêmica nos faz constatar, uma vez mais, que o serviço público entre nós deixou de ser um mecanismo para consagrar o benefício de todos, para se tornar um mecanismo de consignação de monopólios públicos e em benefício do erário (que acarreta ônus ou taxas). Uma inversão completa da noção de serviço público, que passa a ser não ou serviço para o público (os cidadãos usuários), mas no exclusivo interesse do poder público.
O fenômeno Uber expõe os limites e limitação da regulação estatal. Se houver algum risco de malefício aos usuários, o Município poderá regular os serviços. Porém, a simples existência deste serviço "alternativo" pode ensejar a melhora da qualidade dos serviços de taxis regulares e, com concorrência efetiva, até o barateamento das tarifas. É já o tempo de acreditarmos que muitas vezes a regulação pelo mercado funciona.
Usar do argumento formal "a lei assegura que taxi é serviço público" para impedir que oferta e demanda se encontrem num ambiente de livre mercado facilitado pelo aplicativo, faz lembrar os antigos monopólios reais sobre as rotas de comércio. Um deles (o do comércio de chá) deu origem à Revolta das 13 Colônias Americanas embrião da Independência Americana.
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*Floriano de Azevedo Marques Neto é sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.