Da suspensão do expediente forense e o processo eletrônico no âmbito do novo CPC
A instauração do processo eletrônico e a lei que o regulamenta não pode ter o poder de ditar regras sobre contagem e cumprimento de prazos, e é essa situação que estamos enfrentando agora.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Atualizado em 1 de junho de 2015 15:21
Muitos foram os benefícios conferidos ao trâmite dos processos com a implantação e disseminação do processo eletrônico em nosso país, sobretudo no que se refere à celeridade e agilidade com que as informações são acessadas e transmitidas pelas partes interessadas.
Além disso, vários procedimentos que anteriormente eram morosos estão mais fáceis nos dias de hoje, tais como expedição de Cartas Precatórias, mandados de citação e intimação, os quais dependiam da mão de obra de inúmeros serventuários e, atualmente, são realizados com a impressão dos documentos autenticados eletronicamente direto da página dos tribunais, para que possam ser encaminhados, distribuídos e cumpridos.
Vale destacar a relevante economia de papel e menor ocupação de espaço físico nos fóruns, bem como, a redução nos deslocamentos de advogados e estagiários aos fóruns.
É evidente que estamos diante de mudanças significativas que impactaram no dia a dia dos advogados, especialmente os que militam no contencioso, de modo que foi necessária uma mudança em costumes enraizados pela força do hábito de ter os autos à mão para análise.
Obviamente que, por ser uma mudança drástica, no curso da implantação do processo eletrônico foram inúmeros os erros e problemas enfrentados, porém, de todo modo, o que se percebe é que os avanços foram mais significativos do que os problemas, ou seja, é possível vislumbrar que o caminho a ser trilhado será favorável à menor duração da marcha processual, não se descolando da segurança das informações e do devido processo legal.
E para que os benefícios continuem existindo, é necessário que não só os advogados mudem a mentalidade, como dito acima, mas sim, que os juízes e desembargadores interpretem esses novos paradigmas de uma maneira mais moderna, evitando os julgamentos defensivos, privilegiando o célere andamento processual.
Porém, como alguns comportamentos conservadores ainda estão petrificados nos operadores do Direito, entendemos que algumas posições, principalmente no que tange às mudanças instituídas pelo o maior uso do processo eletrônico, deveriam ter sido consagradas e consolidadas no novo CPC.
É necessário que se diga isso, pois, por vezes, algumas das recentes alterações legislativas estão sendo interpretadas de maneira conservadora, de modo que se tornam verdadeiras armadilhas processuais.
Um caso latente disso é a contagem dos prazos processuais em processos eletrônicos quando ocorre a suspensão de expediente forense.
Em nossos tribunais constam inúmeros processos versando sobre este tema, sendo, na maioria das vezes, debates sobre a tempestividade de recursos, contestações, etc., o que poderia ser evitado com uma maior precisão do novo texto legal.
Pode parecer óbvio que a suspensão da contagem dos prazos processuais em razão de recesso forense, feriados e encerramento antecipado do atendimento nos fóruns deveria ser aplicada de plano inclusive aos processos eletrônicos, mas sobejam, infelizmente, diversas discussões sobre o tema.
No artigo 219 do novo CPC constou que "na contagem de prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis".
Em seu artigo 224 a nova lei processual civil diz que: "salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento." e no parágrafo primeiro que: "§ 1o Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.".
Contudo, como dito acima, não foi objetivo e categórico suficiente o legislador quanto a este tema, eis que, por mais óbvio que possa parecer, poderia ter englobado e mencionado expressamente que tais regras se aplicam inclusive aos processos que tramitam de forma eletrônica.
Tal menção seria necessária, uma vez que, como dito anteriormente, existe entendimento defensivo da jurisprudência não aplicando o disposto nos artigos acima aos processos eletrônicos, na ocorrência de, por exemplo, suspensão dos prazos por suspensão do expediente forense, ou ainda, quando o termo final do prazo recursal coincide com final de semana/feriado.
Para ilustrar tal situação, cabe trazer trechos de alguns julgados onde isto fica claro:
"(...)In casu, o último dia do prazo para interposição do agravo de instrumento, frise-se, protocolado por meio de peticionamento eletrônico, era o dia 23.6.2014, até as 23:59. Mesmo que o expediente forense tenha sido encerrado antes do horário normal, poderiam os recorrentes protocolar a petição por simples acesso ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo até o supracitado horário.
A prorrogação do prazo, no caso concreto, só se justificaria se ocorresse a indisponibilidade do sistema, sua impossibilidade técnica por parte do Tribunal (ambas as hipóteses previstas no artigo 8º da Resolução 551/2011 do TJSP) ou outra circunstância excepcional devidamente comprovada, o que não ocorreu na hipótese.(...)" (TJ/SP - 2091609-45.2014.8.26.0000)"
"Com efeito, não se conhece do recurso; ROGATA VENIA do ilustre Letrado subscritor da inicial, a hipótese revela erro grosseiro; o Código de Processo Civil não é uma inutilidade, os recursos devem ser interpostos no prazo que a Lei assinar para tanto, a fim de que não se perpetuem as demandas judiciais indefinidamente.
Nem havendo falar-se em suspensão de expediente, uma vez que se trata de processo eletrônico interposto via Sistema de Processo Judicial Eletrônico, e que, deveras, estava disponível na data alegada e de aí que mais nada será preciso argumentar para que se dê pelo não conhecimento da pretensão, já que a suspensão não detinha o condão de impedir a interposição do recurso no prazo legal." (TJ/SP - 20090837-82.2014.8.26.0000)
O advento do processo eletrônico ampliou a possibilidade de realização dos protocolos de petições, e, por consequência, isto conferiu uma facilidade aos advogados, eis que, não é necessário o deslocamento ao Fórum e/ou Tribunais para tanto, e ainda, isso pode ser feito sem a observância do horário de expediente forense.
Contudo, tal benesse não pode ser aplicada em confronto com o disposto na legislação atual vigente, e, sobretudo, às modernas práticas processuais trazidas com o advento dos processos eletrônicos, fazendo valer os ensinamentos do Professor José Miguel Garcia Medina, pois "não é possível analisar um problema novo valendo-se de uma metodologia antiga, assim como não se pode empregar os antigos conceitos jurídicos para explicar os novos fenômenos" (Execução civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25).
Cabe ressaltar que existem regras do direito e normas processuais que não podem ser alteradas pela pura e simples implementação do processo eletrônico somado às esparsas interpretações jurisprudenciais sobre sua aplicação, sendo este o ponto central do debate aqui proposto.
A instauração do processo eletrônico e a lei que o regulamenta não pode ter o poder de ditar regras sobre contagem e cumprimento de prazos, e é essa situação que estamos enfrentando agora.
Se os dispositivos da lei 11.419/06, que regulam o processo eletrônico, contiverem soluções salutares para lacunas do CPC, que estas sejam incorporadas a ele como forma de solucionar os pontos controvertidos.
Ou seja, não se pode exigir que um advogado protocole o seu recurso num final de semana sob o argumento que o prazo ali findaria e o sistema para protocolo estava disponível para tanto, da mesma forma que, não se deve aceitar que a suspensão do expediente forense não seja considerada para suspensão do prazo recursal quando se tratar de processo eletrônico, pois isto está em confronto com o disposto no antigo e no novo CPC.
Aliás, seria extremamente contraditório adotar tal postura quando o novo CPC consagra a contagem de prazos processuais apenas em dias úteis, conforme consta no artigo 219, e ainda, quando o mesmo consolida o recesso forense no final de ano.
A suspensão do expediente forense por diversas vezes tem explicação e razão por alguma calamidade local (chuvas, manifestações, etc.) ou por conta de acontecimentos de grande repercussão (Copa do Mundo, Olimpíadas, etc.), os quais tem o caráter de afetar as atividades corriqueiras da cidade e, por consequência, pode prejudicar o advogado no desenvolvimento de seu labor, pois, pode prejudicar o envio de uma informação ao cliente e até mesmo obtenção de documentos de repartições públicas que podem igualmente ter o atendimento suspenso.
E tanto era necessário o aperfeiçoamento do texto legal que a uma Comissão do Conselho Federal da OAB enviou uma proposta para alterar a lei 11.419/06 (https://www.oab.org.br/noticia/28288/comissao-da-oab-propoe-atualizacao-na-lei-de-processo-eletronico), que trata da informatização judicial, visando alterar o artigo 3º, §3º para incluir que: "Aplicam-se ao processo eletrônico todas as regras processuais de prorrogação de prazos nos dias em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal, mesmo quando o sistema eletrônico permanecer disponível."
Não se está aqui pretendendo a perfeição do novo texto de lei, mas a sugestão dada pela OAB é perfeita e devia, como já dito, constar no texto do novo CPC, pois pacificaria questão de suma importância e acabaria com interpretações disformes e variadas sobre o tema.
Deste modo, ainda que o novo CPC tenha perdido a oportunidade de regulamentar de uma vez por todas esta questão, ao não inserir no texto legal que a suspensão do expediente forense (inclusive os finais de semana) se aplica aos processos eletrônicos suspendendo a contagem dos prazos processuais, é salutar que, ainda que pela via imprópria, seja acatada a correta alteração da lei 11.419/2006 proposta pela OAB.
Deve-se deixar registrado o fundamental e necessário papel da Ordem dos Advogados na observância destas situações, intervindo sempre que necessário para que o espírito do Novo CPC e implantação do processo eletrônico seja privilegiado, ou seja, que o processo se torne mais célere e efetivo, sempre em harmonia com o devido processo legal, de modo a garantir a segurança jurídica.
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*Rafael Mariano Araujo Bezerra é advogado do escritório CMMM - Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados.