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O comércio eletrônico no transporte aéreo

O direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC deverá ser aplicado para a venda de passagens aéreas através do comércio eletrônico?

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Atualizado em 20 de maio de 2015 14:48

No ano de 2013, o governo federal promulgou o Decreto 7.962, regulamentando, assim, o Código de Defesa do Consumidor no tocante a contratação através do comércio eletrônico.

Através de seu art. 5º assevera o aludido Decreto que "o fornecedor deverá informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício de arrependimento pelo consumidor".

A partir de então, surgiu a seguinte dúvida para as companhias aéreas: O direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC deverá ser aplicado para a venda de passagens aéreas através do comércio eletrônico?

Indo direto ao assunto, tentaremos demonstrar, nesse breve trabalho, que a resposta é negativa. E por um motivo muito simples: Como o art. 49 do CDC não pode ser aplicado para a venda de passagens aéreas no comércio eletrônico, consequentemente, o direito de arrependimento previsto no Decreto 7.962/13 e que regula tal dispositivo, também não pode ser aplicado. Confira-se.

Como se sabe, o art. 49 do CDC tem o escopo de proteger o consumidor quando ele está fora do estabelecimento comercial e não tem condições e informações adequadas sobre o produto ou serviço.

Volta e meia, o consumidor é surpreendido em sua residência e acaba por fechar contratos de compra de produtos ou serviços por meio eletrônico é levado pelo "canto da sereia", adquiri produtos ou serviços que vê num comercial de televisão.

O objetivo do legislador foi justamente o de proteger o consumidor dessas práticas comerciais mais agressivas e que vêm tornando-se praxe no mercado.

Entretanto, é preciso deixar bem claro que a hipótese de venda de passagens aéreas pela internet apresenta um cenário bem diferente.

O "efeito surpresa" que levou o legislador a criar o art. 49 do CDC, não ocorre nas compras de passagens aéreas feitas por meio eletrônico, uma vez que é o consumidor que, por sua livre e espontânea vontade, dirige-se ao site virtual para celebrar o negócio, tendo assim, em suas mãos, os ingredientes necessários para exercer a vontade de contratar.

Isso, contudo, não acontece com a venda de passagens aéreas, porque é o consumidor que, com o tempo que necessita, após formar seu convencimento, vai ao encontro do fornecedor de serviços de transporte aéreo. A única diferença do negócio é a facilidade de sua concretização decorrente da utilização do comércio eletrônico.

Nessa linha de raciocínio, manifesta-se FÁBIO ULHOA COELHO, in Revista do Advogado: 15 Anos de Vigência do Código de Defesa do Consumidor - ano 27, n.89, p.032-037, dez. 2006:

"Quer dizer, não há direito de arrependimento se o consumidor puder ter, por meio da Internet, rigorosamente as mesmas informações sobre o produto ou serviço que teria se o ato de consumo fosse praticado no ambiente físico e não no virtual." (grifos nossos)

Inobstante o caráter protetivo do CDC quanto a situações de vulnerabilidade - de modo a restabelecer, o quanto possível, o equilíbrio e igualdade nas relações de consumo - referido diploma legal deve ser aplicado observando-se o princípio da boa-fé, a sua finalidade social e sob o alicerce da real intenção do legislador, de modo a não gerar vantagem excessiva ao consumidor. Nesse sentido, oportuna a lição de RICARDO L. LORENZETTI, em sua obra COMÉRCIO ELETRÔNICO, editora RT, páginas 401/402:

"O vendedor deve informar o consumidor por escrito sobre este direito de retratação em todo documento que seja confeccionado com intenção de venda. Essa informação deve ser incluída de forma clara. O consumidor deve colocar o bem à disposição do vendedor, sendo que os custos de devolução correm por conta deste último.
Este direito é aplicável aos contratos de consumo realizados por meio de internet, já que, como assinalamos, esta hipótese configura relação contratual à distância.
Esta regra genérica pode ocasionar inconvenientes quando se cuidar de bens sob a forma digital, porque o consumidor poderá acessar um sítio e, após utilizar todas as informações ali expostas, terá possibilidade de copiar todo o conteúdo e, no final, exercer o seu arrependimento. Por essa razão, na lei italiana há previsão de que este direito não é aplicável quando se tratar de: a) prestação de serviços cuja execução já tenha iniciado com a aquiescência do consumidor; b) fornecimento de bens e serviços relacionados à flutuação do mercado financeiro; c) bens personalizados, ou feitos sob medida; d) software aberto para o consumidor ou produtos audiovisuais; e) jornais ou revistas; f) loterias. A intenção da lei é a de limitar a aplicação do instituto nos casos em que seria antifuncional .
Na ausência de norma expressa, defendemos que o direito de arrependimento deve ser considerado antifuncional nos casos de venda de bens digitais. Por esta razão, nestes casos a sua invocação deverá ser considerada abusiva".

Há que se ter em mente ainda que a aplicação do art. 49 do CDC, com relação à venda de passagens aéreas, praticamente aniquilaria a utilização da internet para tal fim, tendo em vista que os consumidores que adquirissem o bilhete aéreo 7 (sete) dias antes do embarque poderiam desistir do negócio em cima da hora, gerando, assim, prejuízos incontornáveis às companhias aéreas.

Imagine-se que várias pessoas adquiram passagens 3 (três) dias antes da data do embarque e resolvam desistir da viagem utilizando-se do prazo de reflexão de 7 (sete) dias previsto no art. 49 do CDC.

Sem sombra de dúvidas, o referido cenário inviabilizaria o transporte aéreo e interferiria no próprio contrato de concessão do serviço público, gerando enorme insegurança jurídica e desrespeito à boa-fé.

É de bom alvitre salientar que a questão em foco já foi apreciada pelo judiciário. Confira-se:

"A situação do comprador de passagem aérea no estabelecimento comercial da transportadora é idêntica à do comprador do mesmo produto pela internet, pelo menos no que se refere ao conhecimento do que está sendo adquirido.
Desta forma, se um ou outro consumidor desiste da viagem, por conveniência pessoal, não há porque conferir-se a apenas àquele que comprou o bilhete pela internet - e o faz até com mais comodidade e conforto - o direito ao reembolso integral" (TJRJ. Apelação 2008.001.33979. 7ª Câmara Cível, Rel. Des. Rel. Maria Henriqueta Lobo - j. 04.02.2009 - grifou-se).

"Por primeiro, há que se afastar a alegação de que o autor esteve no exercício de direito de arrependimento, pela compra em ambiente virtual. Ora, o direito de arrependimento foi previsto na legislação com o objetivo de proteger o consumidor que efetua compras via catálogo, assistindo à televisão ou por telefone ou afim, sem contato direto com os produtos, e que, ao recebê-los, apercebe-se de que não eram o que imaginava. Ora, os comerciantes colocam suas mercadorias em tais veículos para aumentar o número de vendas, inclusive decorrentes de "compras por impulso", e devem arcar com o recebimento, de volta, das mesmas mercadorias, em verificando, seus consumidores, disparidades entre o imaginado e anunciado ou recebido. Ocorre que, no caso em questão, tratam-se de bilhetes aéreos, não se podendo falar que o autor tenha se apercebido de qualquer disparidade. A hipótese é completamente diversa da telada no parágrafo anterior. Então, de direito de arrependimento não se pode cogitar." (Juizado Especial Cível da Comarca de Jaguariúna - SP. Juíza Substituta Márcia de Mello Alcoforado. 29.01.2010).

Além disso, em recente decisão, ao julgar a ação civil pública 2007.39.00.007919-9 proposta pelo Ministério Público Federal contra a ANAC e demais companhias aéreas, o Juiz Federal Daniel Guerra Alves, aduziu que:

"No que pertine à aplicação do art. 49 do CDC às compras de passagens aéreas pela internet entendo não ser o caso. Não se pode olvidar que não faz qualquer diferença comprar uma passagem aérea na loja da empresa, pela internet ou por telefone. É que não há surpresa a ser coibida, uma passagem em determinada data e horário entre um ponto de partida determinado e um destino fixo não revela discussão ou surpresa. Se fosse a intenção do legislador que toda compra fosse feita sob condição de poder desistir em sete dias teria estendido a benesse sem limite. Entender pela literalidade do artigo não é proteger a relação de consumo, é conceder vantagem extremamente desproporcional a uma das partes contratantes, é que, neste caso, a empresa não pode escolher em sete dias se vai transportar o passageiro ou não. Os direitos fundamentais encontram limites em outros direitos fundamentais, e a propriedade privada também é direito fundamental, bem como a livre iniciativa. Não se pode conferir abuso à proteção dos direitos do consumidor. Em artigo interessante vemos o seguinte trecho: "Na hipótese de venda de passagem aérea por meio de telefone ou internet, a situação do consumidor, seja realizando a compra no estabelecimento comercial da empresa aérea ou sem sua residência, é a mesma. No ato de aquisição da passagem aérea o consumidor tem acesso a todas as informações relativas ao serviço a ser contratado, como preço do bilhete, o horário do seu vôo, data, local de embarque e conexões previstas, de forma que não há distinção entre o consumidor que realiza a compra no estabelecimento da companhia aérea e aquele que o faz no conforto e comodidade de sua residência, evitando-se o dispêndio de tempo e dinheiro com deslocamentos"".

Aliás, provavelmente, foi pelas razões transcritas acima que o PLS 281 prevê a inclusão no Código de Defesa do Consumidor do art. 49-A para tratar especificamente de bilhetes aéreos. O texto estabelece que, nesse caso, o consumidor poderá ter prazo diferenciado para exercer o direito de arrependimento, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma fundamentada da agência reguladora.

Competirá à Agência Nacional de Aviação Civil estabelecer os critérios e prazos para o exercício do cancelamento e remarcação de passagens aéreas.

Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a questão, resta inequívoca a não aplicabilidade do art. 49 do CDC para a hipótese de venda de passagens aéreas.

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*Márcio Vinícius Costa Pereira é advogado do escritório Villemor Amaral Advogados.


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