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Acesso a medicamentos: o caso do Canabidiol para pacientes do SUS

Pela via legalmente adequada é possível o acesso a medicamentos mesmo excepcionando a lista do SUS, concretizando o direito fundamental à saúde, à vida, como verdadeira projeção da dignidade da pessoa humana.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Atualizado em 30 de abril de 2015 13:12

Em 18/4/15 preocupante manchete da Folha de São Paulo anunciou que "Famílias ainda recorrem a canabidiol ilegal para driblar burocracia". Embora sejam compreensíveis as razões humanitárias, é importante destacar que com a devida orientação jurídica é possível a obtenção de tratamentos usualmente não atendidos pelo SUS, inclusive o Canabidiol (CBD).

Destinado ao tratamento de epilepsias especialmente de pacientes na infância e adolescência, o medicamento teve seu regime jurídico alterado pela ANVISA no início do ano. Desde janeiro,1 abandonou a relação de substâncias de uso proscrito para integrar a lista de substâncias de uso controlado.2

Tal medida se harmoniza com a resolução 2.113/14 do Conselho Federal de Medicina, a qual regulamentou "o uso compassivo do canabidiol como terapêutica médica, exclusiva para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais".

Com base na nova legislação, recentemente, paciente no Paraná obteve sucesso no fornecimento de Canabidiol. O jovem demandante com apenas três anos de idade apresenta severa patologia que causa crises convulsivas desde os quatro meses de vida. Em juízo, comprovou-se, entre outros elementos, a necessidade do medicamento, a insuficiência do protocolo do SUS, eis que foram tentados vários outros fármacos, mas não se mostraram suficientes.

É importante lembrar que as políticas públicas de acesso à saúde estruturam um sistema em que são definidos medicamentos que integram os protocolos do SUS. Chamada de Lista do SUS, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), define os medicamentos assegurados no âmbito do SUS.

Em casos especiais, todavia, pode ser necessário o atendimento à saúde com medicamentos não previstos na RENAME. Tal perspectiva se alinha com o caráter prospectivo dos direitos fundamentais, os quais se apresentam, nas palavras de Alexy como mandados de otimização3 voltados a uma eficácia progressiva.4 Nessa linha, como aponta Ana Lúcia Pretto Pereira, prima-se pelo mais amplo alcance da norma jusfundamental, quando da definição do conteúdo; depois analisa-se a possibilidade de restrição da norma com base em dados da realidade".5 A Constituição Federal, em seus arts. 6º. caput, e 196, em proteção reforçada pela Lei Orgânica da Saúde (lei 8.080/0), art. 2º, caput e seu §1º assegura a proteção da saúde. Ademais a legislação inclui expressamente no campo de atuação da Administração Pública a "assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica", como dispõe o art. 6º da lei 8.080/90.

Sem desconhecer os vários argumentos para restrição à saúde, tais como a escassez de recursos, uso racional de fármacos, limites à judicialização, crítica ao ativismo judicial, o fato é que em muitos casos os medicamentos preconizados na RENAME não se mostram eficazes ao paciente, a Lista do SUS não significa a exclusão de todas as demais possibilidades. Com efeito, respeitados critérios adequados, várias exceções são cabíveis, tais como, (i-) insucesso ou ineficácia parcial do tratamento; (ii-) limite do uso de medicamento (por conta de efeitos colaterais e riscos); (iii-) doenças e comorbidades associadas.

A resolução 2.113/14 do Conselho Federal de Medicina determina diversas exigências para fornecimento, a serem demonstradas: (i-) prescrição por médico especialista em neurocirurgia ou psiquiatria; (ii-) cadastro específico do médico junto ao Conselho Federal de Medicina para prescrição do Canabidiol; (iii-) falha na resposta com anticonvulsionantes; (iv-) o CBD deverá ser utilizado em adição às medicações que o paciente vinha utilizando anteriormente.

Compõe a resolução anexo que aponta que "estudos têm demonstrado ação terapêutica do canabidiol em crianças e adolescentes com epilepsia refratária aos tratamentos convencionais, embora até o momento sem resultados conclusivos quanto à sua segurança e eficácia sustentada, o que exige a continuidade de estudos".

É importante ressaltar que indevidamente associado à maconha, o Canabidiol não tem efeitos psicoativos, assim ninguém vai empregar com finalidade não terapêutica.6 Injustificado o preconceito contra o fármaco.

Portanto, pela via legalmente adequada é possível o acesso a medicamentos mesmo excepcionando a lista do SUS, concretizando o direito fundamental à saúde, à vida, como verdadeira projeção da dignidade da pessoa humana.

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1 ANVISA. RESOLUÇÃO RDC Nº 3, de 26 de janeiro de 2015. Diário Oficial da União, 28.01.2015.

2 A repeito, confira-se a lista C1 da Portaria ANVISA nº 344/1998 (o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial), atualizada inúmeras vezes e que regula define os controles e proibições de substâncias no país.

3 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. (Trad.: de Ernesto Garzón Valdés). Madrid (Espanha): Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86.

4 Sobre os direitos prestacionais, explica Clève, que "o seu cumprimento implica uma caminhada progressiva sempre dependente do ambiente social no qual se inserem, do grau de riqueza da sociedade e da eficiência e elasticidade dos mecanismos de expropriação (da sociedade, pelo Estado) e de alocação (justiça distributiva) de recursos" (CLÈVE, Clèmerson Mèrlin. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54. Ano 14. São Paulo: RT, jan./mar. de 2006, p. 28-39).

5 PEREIRA, Ana Lúcia Pretto. Reserva do Possível. Judicialização de Políticas Públicas e Jurisdição Constitucional. Curitiba: Juruá, 2015. p. 247.

6 Conforme exposição de motivos da Resolução CFM Nº 2.113/2014: "Como o CBD não tem efeitos psicoativos e não afeta a cognição, possui um perfil de segurança adequado, boa tolerabilidade, resultados positivos em testes com seres humanos e um amplo espectro de ações farmacológicas". (Official Journal of the Brazilian Psychiatric Association Psychiatry Volume 34 - Supplement 1 - June/2012).

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*Gabriel Schulman é Consultor em Direito da Saúde do escritório Denis Borges Barbosa Advogados. Mestre em Direito pela UFPR. Doutorando em Direito Civil pela UERJ.

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