Direito de imprensa e religião
A Constituição brasileira garante um rol de liberdades individuais e públicas, preservando o resultado do trabalho incansável da consolidação dos direitos democráticos. Alguns países têm-nos como obra dos costumes; outros, consagram-nos em textos solenes.
segunda-feira, 13 de março de 2006
Atualizado em 10 de março de 2006 15:06
Direito de imprensa e religião
Regis Fernandes de Oliveira*
A Constituição brasileira garante um rol de liberdades individuais e públicas, preservando o resultado do trabalho incansável da consolidação dos direitos democráticos. Alguns países têm-nos como obra dos costumes; outros, consagram-nos em textos solenes.
O inciso IX do art. 5º garante a livre expressão da atividade de comunicação, "independentemente de censura ou licença". A saber, não há restrição à informação ou a opinião crítica sobre inúmeros temas que dizem respeito à sociedade.
De seu turno, a Constituição também assegura a inviolabilidade da consciência de crença, "sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias" (inciso VI do art. 5º).
Dois são, pois, os princípios consagrados nos artigos constitucionais mencionados: o da liberdade religiosa e o da livre comunicação.
Para o jurista, diante do conflito dos princípios, qual deles deve prevalecer?
Quando dois são os princípios protegidos e que entram em confronto, não há solução para a retirada de um dos direitos em benefício do outro. No conflito das regras, prevalecem os critérios da hierarquia, da especialidade e o temporal. No conflito de princípios, tais critérios não são aplicáveis. No primeiro caso, é tudo ou nada. Uma das regras prepondera e subsiste. Não é o caso conflitual dos princípios, em que se impõe fazer uma análise da prevalência de um sobre o outro, sem que um deles deixe de ser princípio.
No direito alemão, ficou conhecido o caso Lüth, em que houve a publicação de filmes com propaganda anti-semita, pregando um judeu o boicote ao filme. O resultado do julgamento foi o asseguramento da liberdade de expressão. Observe-se que o princípio preterido continua sendo um princípio. Não é revogado. No conflito, o menor cede ao maior
No caso, o importante é saber se a imagem é sagrada para todos ou para alguns. A imagem cristã, por exemplo, pode ser muito importante para alguns segmentos religiosos; irrelevante, para outras. Os seguidores de um líder, de um signo, de um ícone, podem defendê-lo por todas as formas que pretendem. Hão de respeitar, entretanto, aqueles que se batem por outros valores. O direito de cada qual fica restrito a seu âmbito de atuação.
Não se pode "vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso", o que constitui crime previsto no art. 208 do Código Penal. No entanto, a forma racional é a solução judicial, nos casos da ocorrência da infração.
Assegura-se, pois, o direito à liberdade religiosa, cuja crença é garantida, bem como o objeto dos cultos. Ocorre que, ao lado de tal princípio, há a garantia do princípio da liberdade de informação. Esta, interessa a todos e não apenas a alguns segmentos da coletividade.
Os princípios, pois, são garantidos em graus. Na hipótese em análise, prevalece aquele que tem grau de incidência maior. O que preserva valores mais fortes, a saber, o princípio da liberdade de imprensa não diz respeito apenas a parte da sociedade, mas a toda ela, como garantia máxima do direito à informação e da preservação de um rol de liberdades maiores. A perda de uma das liberdades democráticas e, especificamente, da liberdade de informação significa a sobrevinda da censura e esta nos pode levar, facilmente, a um Estado ditatorial, em que haverá a supressão das liberdades.
Do ângulo jurídico, pois, dúvida não há que prevalece o princípio da livre expressão. No entanto, diante do pluralismo social em que vivemos, há que se respeitar os valores mais nobres, especialmente os religiosos. Há que se preservar a religiosidade islâmica, fruto de nobreza de sentimentos.
O problema é a exacerbação da reação. Tudo há que se fazer dentro das formas racionais de solução dos conflitos. Extrapolar na resposta é agir de forma irracional.
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*Advogado, professor titular da USP e sócio do escritório Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados.
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