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O caráter individualista do novo CPC e o alívio do setor produtivo

O setor empresarial comemorou o veto presidencial ao artigo do novo CPC que permitia ao magistrado transformar ações individuais em demandas coletivas.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Atualizado em 31 de março de 2015 09:56

Foi sancionado o novo CPC e algumas controvérsias permanecem na pauta de discussões, entre elas se foi positivo ou não o veto presidencial ao artigo que permitia ao magistrado transformar ações individuais em demandas coletivas, mediante requerimento do Ministério Público, Defensoria Pública ou dos demais legitimados a propor ação coletiva, conforme critérios já estabelecidos pela lei da ação civil pública e pelo CDC.

O tema divide opiniões, alguns magistrados viram com maus olhos o veto ao artigo, pois seria uma importante ferramenta para a solução de litígios massificados, muito comuns nas relações de consumo. Tal instrumento processual possibilitaria ao Poder Judiciário propiciar soluções que atendessem à coletividade, através do julgamento de um único processo, desonerando os juízes e evitando a enxurrada de litígios de mesma natureza e com objeto igual ou minimamente semelhante.

Em encontro na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (18/3/15), o então presidente da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo Costa, criticou a postura individualista do sistema processual brasileiro, mencionando que "o processo civil brasileiro ainda atua de forma individual, nós não temos um instrumento coletivo para as grandes violações de direito e não temos um processo coletivo efetivo que possa dar a resposta necessária para a sociedade".

Mas se o referido veto foi motivo de lamentações pela magistratura, o mesmo não se pode dizer do setor empresarial, que comemorou, com razão, o veto presidencial, pois a coletivização de demandas individuais poderia trazer sérios riscos econômicos e processuais ao setor, ao encarecer os custos com processos judiciais em valores, na maioria das vezes, inestimáveis, além de dificultar o exercício do direito de defesa, posto que na ação coletiva a produção de provas tenha uma dinâmica diferente das ações individuais.

Outro fator que causava temor junto aos empresários era a ausência de critérios objetivos para a eventual conversão da ação individual em coletiva, inclusive porque as ações massificadas, embora sejam na maioria das vezes semelhantes - com pontos em comum -, nem sempre são iguais, sendo temerário não fazer a correta distinção entre "o joio e o trigo", causando potenciais danos aos demandados, que poderiam ser compelidos a suportar ônus excessivo nessas ações coletivas, em função de direitos individuais com origem diversa.

Não restam dúvidas sobre a natureza controvertida do tema, pois se de um lado temos os reclames sociais por um Poder Judiciário mais célere e eficiente, aspiração de todos; por outro lado, deseja-se certa previsibilidade quanto ao resultado das demandas judiciais e seus reflexos econômicos, sobretudo para as corporações que lidam com grande passivo judicial, o qual pode impactar diretamente em sua competitividade e resultados econômicos.

Em meio às incertezas e riscos acerca da possibilidade de se coletivizar as demandas, deixou-se de lado o novo, o arrojado, pois ao que parece, ao se deparar com o dilema da coletivização versus o risco econômico dessa medida ao setor produtivo, a presidenta optou por preservar o caráter 'individualista' do novo código, como já criticava Costa, evitando dissabores não calculados, numa prudência que certamente nos faz lembrar o velho provérbio popular "cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém".

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*Douglas dos Santos Ribeiro é advogado especialista em Direito do Consumidor do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados.

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