Cirurgia preventiva de câncer é um direito da mulher
A mulher deve procurar os seus direitos e não aceitar as negativas ofertadas pelas operadoras de saúde.
terça-feira, 31 de março de 2015
Atualizado em 30 de março de 2015 13:25
Atualmente, em decorrência da excessiva incidência de câncer de mama e de ovário nas mulheres brasileiras, uma das grandes preocupações da medicina tem sido a tentativa de diminuir dos casos desta doença no país e, certamente a prevenção tem sido a medida mais eficaz no combate desta temida patologia.
O avanço constante da medicina tem possibilitado inúmeras técnicas de precaução e diagnóstico da doença, o que sobreleva consideravelmente a qualidade de vida da sociedade. Com o diagnóstico precoce, as chances de cura aumentam consideravelmente e, por sua vez, os cuidados com a prevenção resultam na redução do risco de adquirir esta moléstia.
É de conhecimento público e notório que levar uma vida saudável é o primeiro passo para evitar a incidência deste mal. Entretanto, em casos especiais, é possível identificar por meio do exame genético BRCA1 e BRCA2 a probabilidade de adquirir um câncer de mama ou de ovário ao longo da vida.
Referido exame permite identificar mutações nos genes responsáveis pela enfermidade, que, em caso de resultado positivo da análise genética, abre a possibilidade da realização da cirurgia oncológica preventiva.
Deste modo, constatada a propensão ao câncer de mama ou de ovário, as cirurgias indicadas para estas moléstias respectivamente são: a mastectomia profilática (retirada da mama) com reconstrução (colocação de prótese mamária), e a Ooforectomia, (retirada do ovário).
É de suma importância esclarecer que a cirurgia preventiva não é indicada para todas as mulheres, bem como deve somente ser realizada nos casos em que houver indicação expressa do médico e decido com muita parcimônia.
No entanto, havendo a indicação da cirurgia preventiva, a mulher adquire o direito de realizar a terapêutica sob o custeio integral de seu plano de saúde, vez que, uma das finalidades da prestação privada de serviços à saúde é garantir a prevenção de todas as patologias reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde.
Nesse sentido, a lei 9.656/98, em seu artigo 35-F determina que todas as ações necessárias à prevenção, a recuperação da doença e reabilitação da saúde do consumidor devem ser observadas, a saber:
Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1o desta Lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.
De igual modo, determina a Constituição Federal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Ocorre que, apesar de a cirurgia preventiva ser um grande avanço da medicina e estar respaldada legalmente, muitas consumidoras têm se deparado com negativas de cobertura ao tratamento pelos planos de saúde, os quais alegam que esta cirurgia não está prevista no Rol de Procedimentos da ANS.
Nesse contexto, os Tribunais de Justiça com veemência têm entendido que a falta de previsão de um determinado tratamento no Rol de Procedimentos previstos pela ANS não autoriza a recusa de cobertura pelo plano de saúde, uma vez que referido Rol assegura procedimentos mínimos que devem ser cobertos pelas operadoras.
Aliás, o Tribunal de Justiça de São Paulo editou súmula de número 102 que considera como abusiva a negativa de custeio de tratamento sob o argumento de não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Outrossim, em casos de prescrição médica para a realização da cirurgia oncológica preventiva, o Tribunal de Justiça de São Paulo enfrenta o tema de forma positiva, a saber:
PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA PREVENTIVA. LAPAROSCOPIA COM ANEXECTOMIA BILATERAL E ADENOMASTECTOMIA BILATERAL. NEGATIVA INDEVIDA DE COBERTURA. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 9.656/98 E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cirurgias preventivas. Autora portadora de gene BRCA 1, causador de câncer de mama. Mãe e tia da autora falecidas pela doença. Irmã acometida pela patologia. Negativa indevida de cobertura de cirurgia para extirpar e reconstruir as mamas. Necessidade das cirurgias para evitar a doença que a autora tem alta chance de ser acometida. 2. Incidência da Lei nº 9.656/98. Plano-referência (arts. 10 e 12 da Lei nº 9.656/98). Plano que deve cobrir tudo o que for necessário para o pleno restabelecimento do paciente. Ausência de inserção das cirurgias na relação do art. 10, que trata das exclusões contratuais autorizadas pela lei. 3. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Ofensa à regra do art. 51, § 1º, inc. I, da Lei nº 8.078/90. Sentença de procedência do pedido mantida. Recurso não provido. Apelação com Revisão nº 0005136 28.2012.8.26.0011, 10ª Câmara de Direito Privado do Estado de São Paulo, Relator: Carlos Alberto Coelho, DJ: 18/12/2012.
Com efeito, na maioria das vezes, a Justiça Paulista considera abusiva a negativa de cobertura ao tratamento médico prescrito, no caso em tela, a cirurgia preventiva oncológica. Isso porque, excluir procedimento preventivo qual tende a diminuir o risco de incidência de doença, viola a regra do artigo 51, § 1º, inc. I, da lei 8.078/90, que presume exagerada a vantagem do fornecedor que "restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual".
Portanto, em caso de prescrição médica para cirurgia preventiva oncológica, a mulher deve procurar os seus direitos e não aceitar as negativas ofertadas pelas operadoras de saúde, pois o Código de Defesa do Consumidor, a lei 9.656/98 e a Justiça são grandes aliados na luta pelo o direito à saúde.
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*Adriana Maia Marques é advogada de Vilhena Silva Sociedade de Advogados, especialista em Direito à saúde, bacharel em Direito pela Faculdade das Américas e pós-graduanda em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito - EPD.