Da grave e perigosa inserção do direito de não produzir prova contra si no novo CPC
Permitir que qualquer das partes deliberadamente não colabore com a produção de provas é o mesmo que autorizá-la a sabotar a prestação jurisdicional.
quarta-feira, 18 de março de 2015
Atualizado às 09:37
1. Ao contrário do quem tem sido ventilado e dito na mídia, como temos colocado, o novo CPC, lei 13.105/15, publicado no DOU de 17/3/15, não tornará o processo mais rápido ou ágil, ao contrário.
Com prazos ampliados, redução pífia em matéria recursal e ampliação do efeito suspensivo, agora estendido aos recursos especial e extraordinário, o processo ficará muito mais lento.
A relevância dada à mediação e conciliação não terá o condão de resolver as demandas, até porque o grande número de litígios existente é de resistência (sem dúvida quanto ao direito, apenas a busca da concretização por uma parte e a resistência, tentativa de obstar tal satisfação pela outra).
2. Contudo, perigosa inserção foi feita no projeto e agora no novo CPC e diz respeito ao direito de não produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere).
Apesar do novo Código, em seu art. 378 colocar que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, o art. 379 do novo CPC, inovando em relação ao CPC de 1973, coloca:
Art. 379. Preservado o direito de não produzir prova contra si própria, incumbe à parte:
I - comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado;
II - colaborar com o juízo na realização de inspeção judicial que for considerada necessária;
III - praticar o ato que lhe for determinado.
Tal direito, "importado" do processo penal, se refere à possibilidade da parte se furtar à atuação da parte contrária e até do Estado, não produzindo, não colaborando e não participando da produção de prova contra si.
Parte da doutrina processual penal sustenta que tal direito também envolve o âmbito não processual, ou seja, ele pode ser exercido no decorrer de uma investigação criminal ou em qualquer outra esfera não penal.
Este direito está previsto no Pacto De São José de Costa Rica (art. 8º, §2º, alínea "g"), bem como na Quinta Emenda da Constituição Americana, que é expressa em colocar que ninguém será obrigado a testemunhar contra si mesmo, em processo criminal (no original: shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself).
Evidentemente que tal direito tem todo o sentido no processo penal, onde a polarização da demanda envolve, de um lado, a pretensão persecutória do Estado e de outro, o direito à liberdade do réu.
No entanto, é um grande erro, um grave equívoco, importar tal situação para o processo civil.
Isto porque, os direitos envolvidos e tutelados pelo processo civil são extremamente diversos, o processo civil neste aspecto é multifacetário, não se resume, como o processo penal, à polarização de direitos acima citados.
No processo civil, a perspectiva do processo, a jurisdição, é substitutiva, pois as partes, não conseguindo resolver o conflito de interesses acabam procurando o Judiciário, que substituindo a vontade das partes, definirá o direito.
Como é possível num contexto como este, ainda mais dentro do novo CPC que procura inserir o princípio do diálogo entre as parte e o Juízo, inserir um preceito que dispensa e autoriza a parte a não colaborar com a produção de provas no processo?
Nunca é demais lembrar que a prova é para o processo e não para a parte. Permitir que qualquer das partes deliberadamente não colabore com a produção de provas é o mesmo que autorizá-la a sabotar a prestação jurisdicional.
As restrições que já existiam no CPC de 1973, no antigo art. 347 (atual artigo 385), que permite que a parte não deponha sobre fatos criminosos que lhe foram imputados ou para observar o dever de sigilo, eram suficientes para proteger as partes; não sendo necessária a grande a enorme ampliação dada pelo novo dispositivo legal, que atinge qualquer situação que possa ser desfavorável à parte.
3. Examinando tal preceito com outras regras do novo CPC, a jurisprudência terá que desenvolver engenhosos raciocínios jurídicos para evitar que o sistema seja suicida.
Isto porque, como será compatibilizada tal regra, do art. 379, ou seja, o direito de não produzir prova contra si, com a pena de confissão (art. 385 § 1º)?
Poderão as partes invocar o art. 379 para questionar a distribuição dinâmica (inversão) do ônus da prova previsto no art. 373 § 1º?
O novo dispositivo do CPC revogou a súmula 301 do STJ, que acabou convertida na lei 12.004/09 e inseriu o art. 2º - A na lei 8.560/92 ("Art. 2-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório")?
Com base no art. 379 do CPC, poderá o requerido da ação de investigação de paternidade se recusar a colher material para a perícia de DNA? Aplicar a presunção acima, não colide com o direito de não produzir prova contra si?
Poderá o requerido da interdição se recusar a se submeter a perícia médica, invocando o art. 379?
Poderá a empresa, nas ações trabalhistas, se recusar a juntar documentação, cartões de ponto, etc., invocando o art. 379?
Tais situações dão uma ideia do erro e do perigo de tal dispositivo legal.
4. Esperamos que a jurisprudência seja firme e procure através de interpretações que prestigiem outros dispositivos do próprio código, como os arts. 6º; 77, IV; 80, IV; 370; 378; 385 § 1º e 399, assumir o entendimento no sentido de presumir o fato em desfavor da parte, toda vez que ela se recusar a colaborar com a produção de provas, invocando o art. 379, ou seja, em outras palavras limitando a abrangência e o alcance do perigoso art. 379, "caput" do novo CPC.
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*Cláudio Augusto Pedrassi é mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Juiz de Direito substituto de 2º Grau, atuado na 2ª câmara de Direito Público do TJ/SP. Professor dos cursos de pós-graduação e de formação de magistrados da Escola Paulista da Magistratura.