O progresso eletrônico e a reinvenção da advocacia perante os Tribunais Superiores
Apesar dos transtornos, não se pode imaginar, hoje, a advocacia sem o processo eletrônico.
quarta-feira, 18 de março de 2015
Atualizado em 17 de março de 2015 16:37
A evolução tecnológica tem reverberado no Poder Judiciário. Com a lei 11.419/06, o processo eletrônico tornou-se uma realidade, com inúmeras vantagens às partes e aos operadores do Direito. Os benefícios vão desde a economia de tempo para atividades ordinárias até uma maior eficiência na prestação jurisdicional.
É claro que também há problemas... Quem nunca, na hora do protocolo, viu o sistema "travar", precisou atualizar o java ou teve que reduzir os megabytes dos arquivos enviados para upload? Além disso, o CNJ e a OAB precisam atuar de forma mais ostensiva para aprimorar os sistemas e padronizar os procedimentos de cada Tribunal.
Contudo, apesar dos transtornos, não se pode imaginar, hoje, a advocacia sem o processo eletrônico. A redução da papelada tem acabado com a burocracia do deslocamento processual, obtenção de cópias, consulta dos autos de processo, bem como amortizado os custos de impressão e de obtenção de espaço para arquivo. Além disso, com o acesso instantâneo aos autos por juízes, advogados e membros do Ministério Público, os atos processuais passaram a poder ser praticados 24 horas por dia pela internet.
É nesse espírito que ministros dos Tribunais Superiores estão indo além e propondo audiências com o programa Skype. O ministro Cláudio Brandão do TST anunciou, em 10/3/15, no site do TST, que fará audiências virtuais com advogados, procedimento inaugurado, em 2013, pela ministra Nancy Andrighi do STJ.
No texto "Audiência virtual para entrega de memoriais", de 12/3/15, o advogado José Alberto Couto Maciel, a quem tenho especial estima, questiona essas audiências e pondera: "Tenho um grande temor pelo futuro do Direito, porque sempre entendi que o progresso eletrônico, se pode beneficiar de alguma forma a Justiça, não pode retirar a pessoalidade de seus integrantes. O direito, antes de tudo, é tradição, e a tradição não combina com o avanço eletrônico."
A verdade é que, para a advocacia tradicional, audiência por Skype definitivamente não combina com o Direito. Mas, se serve de consolo, posso afirmar que audiência virtual pode ser eficaz.
Em agravo regimental no recurso especial 1.413.717/PR, a decisão monocrática da ministra Nancy Andrighi, fundada em vasta jurisprudência do STJ, foi revertida após uma audiência virtual. Na oportunidade, foi feito o distinguishing para afastar a impenhorabilidade de um imóvel, caracterizado como "bem de família", dado em garantia por sócio de uma empresa, distribuidora de pneus. Conseguiu-se demonstrar - "virtualmente" - que a dívida dessa distribuidora, por se tratar de uma "empresa familiar", foi contraída em benefício da "entidade familiar" e, com isso, caía em uma das exceções de impenhorabilidade, em favor da multinacional fabricante de pneus. Esse entendimento acabou prevalecendo na 3ª turma e o caso se tornou o leading case para o assunto.
Bom, quem ganha com a audiência virtual? Os advogados que não têm escritórios correspondentes e as partes que não conseguem contratar novos honorários para os advogados locais. Escuta-se pelos corredores de Brasília - essa província que controla a República - certo temor com a facilidade de acesso dos advogados, espalhados pelo Brasil, aos Tribunais Superiores. Os "candangos" sempre estiveram na ponta mais importante para o cliente e ficaram acostumados com um fluxo constante de trabalho de outros Estados.
De fato, os "advogados correspondentes" são uma espécie em extinção. Por outro lado, para causas estratégicas, continua extremamente recomendável contar com o apoio de advogados locais, seja em Tribunais Superiores, seja em qualquer outro Tribunal.
A pessoalidade das relações advogado/corte nunca acabará, como também jamais será extinto o vínculo advogado/cliente. Em um Direito com origens na civil law, que, cada vez mais, aproxima-se da common law, com a valorização do precedente e a proliferação dos filtros recursais (especialmente, súmula vinculante, repercussão geral no STF, recurso repetitivo e iminente arguição de relevância no STJ da PEC 209/12), vale reportar à dinâmica da Suprema Corte dos Estados Unidos.
Em matéria de 8/12/14, intitulada "At America's court of last resort, a handful of lawyers now dominates the docket", a Reuters Investigates analisa que uma pequena elite de advogados se aperfeiçoou na arte de conseguir que seus casos fossem analisados pela Suprema Corte americana. De 2004 a 2012, a Suprema Corte recebeu 10.300 recursos, mas concordou em julgar apenas 528 (ou seja, 5%). Ademais, 66 dos 17.000 advogados que peticionaram perante a Suprema Corte (ou seja, menos de 1%) estão envolvidos em 43% dos casos escolhidos para serem decididos.
Então, com o progresso eletrônico, os advogados de Brasília estão tendo que reinventar suas atuações perante os Tribunais Superiores. Essa medida parte de um volume adequado de processos, que permita o advogado frequentar a Corte - ainda que, às vezes, "virtualmente" - e passa pela senioridade da equipe, boa reputação, experiência, qualidade dos argumentos levados aos julgadores e observância dos princípios de compliance das empresas, inclusive na fixação de honorários, em decorrência da nova lei anticorrupção (12.846/13). Enfim, o diferencial não está mais apenas na atuação presencial para dar pronto andamento ao caso, e sim, principalmente, na sofisticação da atuação.
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*Mauro Pedroso Gonçalves é advogado do Trench, Rossi e Watanabe Advogados.
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