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A turba e a lei, por Eudes Quintino de Oliveira Júnior

A turba e a lei

A violência praticada pela turba rende dividendos inesgotáveis de notícias nos órgãos de imprensa que, também, por sua vez, exigem providências pela feitura de leis mais severas.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Atualizado em 20 de fevereiro de 2015 09:58

Nos últimos tempos, em razão até mesmo do alargamento das liberdades inerentes à cidadania, criou-se no país a cultura da manifestação popular, em que um grupo de pessoas, de forma ordeira, com objetivos previamente definidos, e com a devida comunicação às autoridades, faz seu protesto contra determinado ato do governo que esteja colidindo com direitos da sociedade ou de parte dela. Para tanto, exibe cartazes, brada palavras de ordem e finaliza com a leitura de um documento no qual deixa transparecer sua pretensão.

Pouco tempo durou a manifestação pacífica porque outras pessoas não participantes do movimento, com o rosto envolto em máscaras ou camisetas, pegaram carona no movimento popular, mas agora com a finalidade de danificar os bens públicos e particulares, saquear lojas e causar grave instabilidade à ordem pública.

Na mesma linha de concentração popular, sem qualquer pretensão a ser pleiteada, em datas motivadoras, como o Carnaval e a Copa do Mundo, grupos se reúnem em locais reservados pela própria Administração Pública e ali celebram dias de sexo, drogas, com sons ensurdecedores, provocam verdadeiro caos higiênico, desalojando a população de seu sossego.

As torcidas organizadas, também sem qualquer pretensão para deduzir nas vias públicas, a não ser torcer e dar apoio ao seu clube, causam sérios transtornos quando se encontram e do inevitável confronto provocam verdadeiro clima de guerra, com lesões e até mortes.

Os moradores, atônitos e temerosos, observam as cenas provocadas pela turba em suas ruas, além de se sentirem invadidos pela insegurança, reclamam da atuação policial que se limita a realizar a detenção de alguns dos participantes, encaminhá-los para a delegacia para, em seguida, serem colocados em liberdade.

A violência praticada pela turba vem crescendo e rende dividendos inesgotáveis de notícias e comentários nos órgãos de imprensa que, também, por sua vez, exigem providências pela feitura de leis mais severas. A opinião pública, de forma majoritária, com antevisão de dias piores, teme pela escalada estarrecedora de crimes e sente o torniquete de sua liberdade apertado ao extremo, exigindo também uma solução legislativa adequada e eficaz.

Sem dúvida, é difícil controlar a turba que, na sua totalidade, é irracional. Daí praticamente impossível o ajustamento individual e coletivo, uma vez que a motivação da reunião não tem por base o desarranjo social, como a fome, pobreza, injustiça e outras causas. A sociedade tem suas regras de convivência que estabelecem uma faixa de tolerância. Ao ser ultrapassada, há dispositivos legais que operam para restabelecer as condutas desviadas. E, para tanto, legem habemus.

A imprensa vem indevidamente taxando de vandalismo os protestos violentos com lesões, mortes e danos aos bens públicos ou particulares. Na realidade, vandalismo é crime previsto no artigo 65 da lei 9.605/1998, (Lei de Crimes Ambientais: pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano - Pena: detenção de três meses a um ano, e multa). Os demais crimes multitudinários geralmente praticados são de lesão corporal, dano, formação de quadrilha, apologia do crime, rixa, incêndio, explosão, fabrico, fornecimento, aquisição ou transporte de explosivos, comércio ilegal de drogas e homicídio, dentre outros, todos previstos no Código Penal ou em legislação especial.

De posse dos tipos penais referidos, as autoridades responsáveis pela ordem irão pinçá-los e fazer a adequação da conduta infratora, sem a necessidade de elaborar uma lei específica, como quer a proposta contida no projeto que tramita pelo Senado e pretende tipificar o crime de desordem, com o enunciado: "Todo participante que se encontrar agredindo ou cometendo qualquer ato de violência física ou grave ameaça à pessoa; destruindo, danificando, deteriorando ou inutilizando bem público ou particular; invadindo ou tentando invadir prédios ou locais não abertos ao público; obstruindo vias pública de forma a causar perigo aos usuários e transeuntes; a qualquer título ou pretexto ou com o intuito de protestar ou manifestar desaprovação ou descontentamento com relação a fatos, atos ou situações com os quais não concorde". A pena é de dois a seis anos de reclusão. Na modalidade qualificada, com emprego de substâncias inflamáveis ou explosivas, saques a bens públicos e privados, a pena é majorada de três a seis anos. Em caso de lesão corporal grave, de quatro a 10 anos. Se ocorrer morte, de seis a 12 anos de reclusão.

As leis se complicam quando se multiplicam, dizia acertadamente Marquês de Maricá.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.


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