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O exame de Ordem e seus porquês

Exame de Ordem é a garantia que o cidadão possui de que a seleção dos advogados pelo respectivo órgão de classe é feita de maneira profissional, sem amadorismos.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Atualizado em 20 de fevereiro de 2015 09:29

"Justiça é bem de primeira necessidade. Enquanto o bom advogado contribui para realização da Justiça, o mau advogado traz embaraços para toda a sociedade" (Ministro Marco Aurélio, trecho do voto-condutor do RExt 603.583/RS, Pleno do STF).

Discorrer sobre a importância do Exame de Ordem e de seus muitos porquês é antes e acima de tudo falar da essencialidade de uma advocacia à altura do que dela espera a coletividade, tanto em períodos de exceção, quanto, sobretudo, de plena democracia.

É enaltecer, enfim, a figura de uma advocacia forte, independente, valorizada nas suas prerrogativas, cuja voz seja ouvida e seja sempre bem compreendida, mas ao mesmo tempo uma advocacia selecionada de forma séria, rigorosa, tornando-se, assim, e somente assim, efetivamente pronta para combater todos os bons combates do cotidiano.

Em que pese haja historicamente apoio significativo ao Exame de Ordem e àquilo que ele representa em prol da cidadania, dos direitos humanos e do ideal de uma prestação jurisdicional de qualidade, não menos vigorosos têm sido os ataques e não menos sonoras as tentativas de extermínio, quando não de inanição, dessa ferramenta.

Conquanto árdua a missão de racionalizar tamanha ojeriza, o fato é que ela existe e a OAB não pode estar - como nunca esteve - cega, surda ou muda a ela. A defesa do Exame de Ordem, com o respaldo social, é tão estratégica quanto a defesa de uma reforma política com eleições limpas, da observância ao critério constitucional de pagamento dos Precatórios Judiciais ou das próprias prerrogativas assinaladas à advocacia pelo legislador ordinário.

Mas de onde é que surge tamanha animosidade, se o Exame possui objetivos tão republicanos? Simples. Quase sempre (na maioria das vezes) no afã de apontar pretensa, porém, ilusória, colisão da previsão do EOU em texto de lei com o princípio constitucional da liberdade de ofício, trabalho ou profissão (art. 5º, inc. XIII).

Tem mais. Com efeito, outra das críticas mais frequentes que vira e mexe ganham espaço é a de que o Exame de Ordem estabelece uma "reserva de mercado", na medida em que haveria a manipulação do teste para que só fossem aprovados aqueles que a OAB desejasse ou que julgasse discricionariamente estarem aptos a advogar.

A coleção de absurdos é impressionante, como, inclusive, rebatido foi pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos idos de outubro de 2010, ao julgar o RExt 603.583/RS, da relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio Mello.

Em primeiro lugar, o Exame de Ordem é realizado mais de uma vez por ano, sem limitação do número de vagas. Não se pode, portanto, falar em reserva de mercado.

Em segundo lugar, é o mecanismo mais imparcial que se conhece para a aferição da qualificação profissional advocatícia, nos moldes do quanto autorizado pelo constituinte originário, tanto assim que guarda e mantém o propósito de assegurar condições mínimas para esse exercício, além de proteger a sociedade.

Portanto, intuitivo é que se conclua na linha de que a previsão insculpida no artigo 8º, inciso IV, da lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) está longe, anos-luz mesmo, de poder ser rotulada como abusiva.

De outra senda, é indiscutível que, por décadas a fio, o País viveu um "boom" de cursos de Direito sendo criados como quem desce uma ladeira sem freios, o que só contribuiu para o descrédito do próprio ensino do Direito, refletindo-se em percentuais expressivos de reprovação no Exame de Ordem, apesar dos protestos da OAB.

Mais uma vez, valemo-nos da percuciente observação do Ministro Marco Aurélio, no julgamento do RExt 603.583/RS: "O crescimento exponencial dos bacharéis revela patologia denominada bacharelismo, assentada na crença de que o diploma de Direito dará um atestado de pedigree social ao respectivo portador".

Como ressoa evidente, é perfeitamente possível à lei limitar o acesso às profissões e ao seu exercício quando os riscos da atuação profissional são suportados pela sociedade. Significa que se o exercício de determinada profissão é capaz de provocar danos a outras pessoas além do indivíduo que a pratica, a lei pode, sim, exigir requisitos e impor condições para o seu desempenho. Rigorosamente este o caso da advocacia.

Retomo, em pincelada brevíssima, mais alguns tópicos do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, em particular quando consignou que, quando o desempenho de determinadas profissões ultrapassa os interesses do indivíduo que a exerce, casos dos médicos e dos engenheiros, é dever do Estado limitar o acesso à profissão em si mesma, impondo condições, desde que não sejam irrazoáveis ou inatingíveis. São pressupostos ou requisitos, enfim, amparados no interesse público maior de proteção da cidadania.

Perfeito, nessa toada, o questionamento lançado pelo Ministro relator junto a seus pares no Pretório Supremo: "O perigo de dano decorrente da prática da advocacia sem conhecimento serve para justificar a restrição ao direito de exercício da profissão? A resposta é positiva".

Merece recordação, ainda, o não menos cirúrgico voto do Ministro Luiz Fux, sobretudo, ao enfatizar que inadmitir a verificação prévia da qualificação profissional é o mesmo que aceitar como normal "o arrombamento da fechadura para só depois lhe colocar o cadeado", e, igualmente, quando recordou o instituto da autorregulação pública, cunhado por Vital Moreira, aplicável aos organismos profissionais ou de representação profissional dotados de estatuto jurídico-público.

Na sequência, o voto do então Ministro Carlos Ayres Britto (hoje aposentado), de uma felicidade extrema ao traçar oportuníssimo paralelo entre o Exame de Ordem para a habilitação como advogado e a exigência de concurso para juízes. "Quem tem por profissão interpretar e aplicar a ordem jurídica deve estar preparado para isso. O mesmo raciocínio se aplica ao Exame de Ordem", disse o Ministro.

Cito, ainda, o voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no quanto se debruçou sobre o direito comparado, fazendo ver que em inúmeros outros Países do mundo se impõe para o desempenho da advocacia a aprovação em testes de qualificação.

Portanto, mais, muito mais do que um simples filtro de avaliação de conhecimentos básicos para os milhares de bacharéis que colam grau nas mais de 1.500 instituições de ensino jurídico espalhadas pelo território nacional e desejam advogar ou prestar concurso para outras carreiras, o Exame de Ordem é a garantia que o cidadão possui de que a seleção dos advogados pelo respectivo órgão de classe é feita de maneira profissional, sem amadorismos.

Mesmo que estivéssemos no mais evoluído dos sistemas políticos e com um ensino jurídico de qualidade satisfatória, que afira conhecimentos e não memorização, ainda assim, o Exame de Ordem se imporia, é esta a impressão que tenho. A supressão ou a inanição do EOU (a partir da sua gratuidade) exporá a sociedade a terríveis riscos, deixando-a a mercê de bacharéis despreparados, fazendo, com isso, letra morta da própria vontade constitucional.

Você, leitor, irá querer a lhe defender em Juízo um profissional que, em litígio trabalhista, pugne pelo "descanço" semanal de 24 horas do artigo 67 da CLT? Ou optaria por aquele que reclamasse a concessão do "discanso", já que os trabalhadores precisam "descançar"? Não se trata de exigir do candidato que redija como um imortal da ABL. Trata-se de se indagar ao cidadão às voltas com a restrição ou a privação de sua liberdade, por exemplo: é este o tipo de advogado que você quer, um que exija o pagamento de "danos moraes"? Ou que denuncie "acédio moral"? Ou que peça em contestação a intimação do reclamante para apresentar "defesa testemunhal sob pena de confissão dos fatos fictos"? Ou que requeira a procedência do pedido inicial feito contra o seu cliente?

Aí estão, em profusão hemorrágica, argumentos mais do que suficientes para que o Exame de Ordem prossiga e seja aprimorado, jamais extinto ou inviabilizado. A ninguém em sã consciência interessa qualquer dessas últimas alternativas, assim como não interessa o enfraquecimento da OAB, voz constitucional do cidadão.

Pelo que se percebe, nem toda a sociedade é sabedora da realidade, na sua inteireza. Trata-se, claro, de algo preocupante. Os esforços da OAB precisam, portanto, ser intensificados. Antes que seja tarde demais. Afinal, recordando o Ministro Luiz Fux, do STF, de nada adiantará que se coloque a tranca depois de arrombada a fechadura. É isso.

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*Gustavo Henrique de Brito Alves Freire é advogado militante em Recife/PE desde 1998. Atualmente exerce o terceiro mandato como conselheiro seccional titular da OAB/PE. No triênio 2013/15 atuou, ainda, como membro julgador do TED e como membro efetivo da Comissão de Exame de Ordem do Conselho Federal da OAB.

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