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A importância de 15 minutos

STF, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 384 da CLT, assegurou às mulheres trabalhadoras o direito a descansar antes de iniciar a jornada extraordinária.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Atualizado em 10 de fevereiro de 2015 15:55

Em novembro passado, o STF apreciou o tema, com repercussão geral reconhecida, da constitucionalidade do descanso concedido a mulheres antes de trabalho extraordinário. Por maioria de votos (5 a 2), o plenário desta Corte firmou entendimento de que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, sendo, portanto, constitucional1.

Dos quase 800 temas de repercussão geral, 40 tratam de matéria trabalhista e previdenciária. Desse universo, recentemente, foram julgados três casos: prazo prescricional para cobrança do FGTS (13/11/14), possibilidade de afastar aposentadoria especial pelo uso de equipamento de proteção individual - EPI (4/12/14) e o já mencionado intervalo de 15 minutos (27/11/14). As decisões proferidas nos dois primeiros casos parecem implicar um retrocesso social (ou, como preferem alguns, uma flexibilização de direitos trabalhistas). No último caso, o resultado do julgamento não segue essa tendência.

Em um primeiro momento, a análise desses três julgados poderia nos induzir a relativizar a importância da declaração de constitucionalidade do artigo 384 da CLT, que, na contramão de uma onda que defende flexibilizar, beneficia apenas uma parcela da força de trabalho brasileira. Porém, a conjuntura atual, desmente essa impressão. A questão de gênero, embora tenha evoluído com a emancipação da mulher em vários aspectos da vida social, continua atual e desafiadora. Haja vista as declarações de apologia ao estupro ditas por um deputado Federal e a medida adotada pelas empresas Apple e Facebook de financiar o congelamento de óvulos de suas empregadas que desejarem postergar a maternidade para dedicar-se à carreira profissional2.

A tese minoritária foi defendida pelos ministros Fux e Marco Aurélio que, com base no princípio da isonomia, afirmaram ser o dispositivo 384 da CLT discriminatório e anti-democrático. De acordo com ambos os ministros, na atualidade, não se verificam as diferenças que justificaram a concessão de intervalo especial para as mulheres trabalhadoras na década de 1940. Chegaram a fazer alusão a experiências pessoais para explicar como as mulheres se transformaram no "sexo forte". Postulando que, para ser constitucional, esse intervalo ser estendido aos homens ou limitar-se aos casos em que o trabalho exige esforço físico (única circunstância na qual consideram estar mantida a distinção entre os sexos). Acrescentaram que, tal como está disciplinado, o dispositivo celetista representa uma proteção deficiente porque, além de ser arbitrário, ameaça o acesso das mulheres ao Mercado de Trabalho - mercado este que, nas palavras do ministro Marco Aurélio, é impiedoso. Assim, buscaram afastar o postulado que veda o retrocesso social.

O ministro Gilmar Mendes, embora compartilhe da preocupação com a empregabilidade das mulheres, votou pela constitucionalidade do intervalo pré-jornada extraordinária ante a falta de elementos que permitam, no caso concreto, reconhecer essa distinção como arbitrária. Apesar de sua decisão, discorreu sobre o que seria, na sua opinião, o fracassado modelo russo de "direito ao trabalho", para ponderar as deficiências de certos mecanismos de proteção trabalhista e os riscos de exclusão das mulheres do mercado de trabalho. A evidente incompatibilidade entre a sua percepção sobre as modernas relações do trabalho e o viés técnico jurídico do seu voto foi solucionada com o aceno de que tanto o Poder Legislativo (elaboração de nova lei) como o Poder Judiciário (conhecimento de outro caso concreto) poderiam emitir novo juízo a respeito desse tema no futuro.

A posição majoritária, que foi encampada pelos ministros Dias Toffoli (relator), Rosa Weber, Celso de Mello, e Cármen Lúcia, também assentou-se no princípio da isonomia. A partir da constatação da permanência das diferenças entre homens e mulheres, físicas ou socialmente construídas, reconheceram a legitimidade dos mecanismos normativos que promovem a igualdade de oportunidades. Nesse contexto, portanto, o intervalo em questão não implicaria tratamento arbitrário em detrimento do homem, mas, sim, benefício juslaboral das mulheres. Reforçaram essa análise comentando sobre a criação e a localização do artigo 384 da CLT (momento histórico de marginalização versus conquista social, que culminou com a inserção na CLT do capítulo sobre a proteção do trabalho da mulher), sobre a sua manutenção a pesar da reforma legislativa realizada pós 1988 (oportunidade em que revogaram-se dispositivos celetistas com o fim de ajustar a CLT à nova ordem constitucional), e sobre as normas internacionais de combate à discriminação contra a mulher.

A tese prevalente esteve respaldada, ainda, pela ausência de comprovação sociológica ou estatística de que o intervalo em questão implicaria óbice ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho e pelo postulado que veda o retrocesso social. Nesse último ponto, o voto do ministro Celso de Mello é bastante didático ao explicar o teor da cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social e o seu papel no modelo constitucional adotado pela Corte: as conquistas sociais, ao atingir determinado nível de concretização e efetividade, passam a constituir simultaneamente uma garantia institucional e um direito subjetivo, o que resulta na impossibilidade de sua desconstituição - a reversibilidade dos direitos adquiridos é limitada, as ofensas ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana são neutralizadas e a ação estatal é restringida (a redução/supressão de direitos sociais estaria condicionada à adoção de políticas compensatórias).

Assim foi construída a decisão que, reconhecendo a constitucionalidade do artigo 384 da CLT, assegurou às mulheres trabalhadoras o direito a descansar antes de iniciar a jornada extraordinária. Além da sua inegável importância social (e de gênero), esse julgamento merece ser visto e revisto por evidenciar o processo de elaboração das decisões judiciais e relembrar o momento histórico em que vivemos. Sobre a maneira de decidir. Ao proferir seus votos, os ministros do STF valeram-se dos mesmos argumentos jurídicos para defender posições contrárias, acolhendo uma ou outra tese em virtude de sua pessoal visão de mundo (exceção seja feita ao voto do Ministro Gilmar Mendes). Deixo por conta de quem lê esse texto, as ilações sobre este ponto.

Sobre o presente. Tanta luta e tantas conquistas culminaram com a criação de mais um desafio para as mulheres: a necessidade de provar que continuam sofrendo discriminação. E isso se traduz na assunção quase sempre exclusiva das responsabilidades familiares (dever de cuidado), no alijamento das decisões sobre seus corpos (vestimenta, estupro, aborto), na imposição do perfil masculino de trabalhador como o ideal (postergar a gravidez para não perder oportunidades profissionais), na dificuldade para apoderar-se dos espaços e papéis públicos (questão de cotas e sua efetividade), entre outros exemplos. Assim, torna-se indispensável promover a conscientização sobre a questão de gênero, com vistas a "lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos inferiorizem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize" (Boaventura de Souza Santos). Afinal, afirmar que o "mercado é impiedoso" nada mais é do que reconhecer que os homens e as mulheres que conformam o mercado são impiedosos. Daí, a relevância do papel pedagógico do Direito.

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1 A gravação integral desse julgamento está disponível na página web. Acessado em 10/12/14.

2 Sobre esse assunto, vale a pena ler a análise feita por Lara Parreira de Faria Borges, mestranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Disponível <clique aqui>, acessado em 10/12/14.

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*Fernanda Giorgi é advogada da banca Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.


 

 

 

 

 



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