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Valores Constitucionais e Técnicas Processuais

Temos dito e repetido ser o Ministro Marco Aurélio aquele que mais revelou independência e compromisso institucional em suas posições no Supremo Tribunal Federal.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Atualizado às 10:32

 

Valores Constitucionais e Técnicas Processuais

 

Adriano Pinto*

 

Temos dito e repetido ser o Ministro Marco Aurélio aquele que mais revelou independência e compromisso institucional em suas posições no Supremo Tribunal Federal. Basta lembrar que o Ministro se recusou a participar de reuniões administrativas precedentes ao julgamento de grandes questões do interesse governamental, e, que tem costumeiramente reagido, em minoria, ou isoladamente, ao autoritarismo das produções Legislativas de encomenda política, assim como às Medidas Provisórias.

 

Ficamos, pois, profundamente frustrados com o voto isolado do ministro que, na prática, implicou em desautorizar a Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça objetivando coibir o nepotismo dominante no Judiciário. Em entrevista coletiva a jornalistas, noticiada no site do STF, o ministro Marco Aurélio reafirmou que é contra o nepotismo, explicando que o seu voto dissidente proferido na sessão plenária de 16/2/2006 fundou-se em questões técnico-processuais, para indeferir a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 12) requerida pela Associação dos Magistrados Brasileiros.

 

Na ação, a AMB pleiteou o reconhecimento da constitucionalidade da Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça, que determina a exoneração de parentes de juízes, desembargadores e ministros contratados para cargos de confiança.

 

Ora, é inaceitável que diante dos grandes temas constitucionais, de interesse fundamental da sociedade, se coloquem obstáculos de técnica processual que vão desviar o curso da ação institucional saneadora que o STF deve à Nação. Perde substância a afirmativa do Ministro de que 'O Supremo fala a uma só voz que o nepotismo é algo que conflita com ares democráticos e republicanos, considerada a Constituição Federal', quando, ele quebra essa unanimidade por razões meramente formais, de técnica processual.

 

O ministro explicou que votou pelo indeferimento da liminar por considerar que o ato (a Resolução) do Conselho Nacional de Justiça tem caráter administrativo. 'Se o ato do Conselho Nacional de Justiça é administrativo, aquele processo era inadequado, porque a Ação Declaratória de Constitucionalidade pressupõe um ato normativo ou uma Lei, no sentido abstrato, autônomo', afirmou.

 

Na verdade, deve ser dito que, em muitas ocasiões esse tipo de consideração ao formato técnico processual, desviou o Supremo Tribunal Federal de sua missão institucional de fazer prevalecer a supremacia da Constituição Brasileira.

 

Todavia, não será a existência de tais desvios que vai justificar a posição do Ministro Marco Aurélio, especialmente, quando os seus argumentos estão atrelados a construções doutrinárias que não se sustentam diante dos valores e princípios proclamados pela CF/88. Realmente, se o Ministro reconhece que, na essência, a resolução está 'em harmonia com a Constituição Federal, com os novos ares democráticos, ou seja, não ao nepotismo', não pode o STF que tem o encargo de fazer efetiva, jurídica e socialmente, a Constituição Brasileira, preterir a 'substância' da norma em razão do seu formato.

 

Pela postura do Ministro Marco Aurélio, a sociedade brasileira continuaria subjugada pelo nepotismo, pois, jamais o nosso Legislativo iria produzir uma Lei repetindo a 'substância' da resolução do CNJ, voltada para o Judiciário ou mesmo para toda a Administração Pública, tivesse sido desconsiderada pelo STF a legitimidade constitucional da norma destinada a reger as condutas administrativas das autoridades judiciárias, função, aliás, para qual foi criado o dito Conselho.

 

Todavia, como o STF, desta feita, apesar das pressões corporativas e políticas, cumpriu seu encargo institucional de preservar os valores e princípios proclamados na CF/88, gerou, também, de imediato, a indução de providencias do Legislativo para produzir normas saneadoras do nepotismo dominante em toda a Administração Pública.

 

Também perde sentido e valor, a posição adotada pelo Ministro Marco Aurélio em seu invocado voto, de 1997, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.521, em que manifestou seu posicionamento contrário ao nepotismo. De fato, para fazer efetiva a Constituição, jurídica e socialmente, não basta que os votos dos ministros do STF revelem discursos de compromissos com os valores e princípios nela proclamados. Impõe-se a aplicação concreta desse discurso sonorizado, posto que, reconhecido ser corrente a prestação de concursos em níveis funcionais mínimos para viabilizar a segurança de nomeações para altas funções em comissão, tem-se óbvia situação de fraude à Lei, que não pode ser legitimada pela mera obediência formal ao ordenamento constitucional.

 

Todavia, a invocação que o Ministro Marco Aurélio fez de seu voto naquela ADI reaviva, o conhecimento da realidade existente, assim como da necessidade de sanear a Administração Pública em geral reduzindo ao mínimo da assistência pessoal direta de autoridades, a criação de cargos em comissão.

 

Como deixou explicitado naquele voto o Ministro Marco Aurélio, a proliferação de cargos em comissão, atenta contra o princípio isonômico no tocante ao acesso aos cargos públicos mais qualificados e de melhor remuneração e, também, viola os princípios da impessoalidade e da moralidade que deve pautar a conduta administrativa.

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*Advogado do escritório Adriano Pinto & Jacirema Moreira - Advocacia Empresarial, professor da Faculdade de Direito da UFC e Secretário Geral do Tribunal de Ética da OAB/CE

 

 

 

 

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