Arma de menor potencial ofensivo
Lei 13.060/14 vem revestida de um caráter pedagógico de vital importância, principalmente num país em que o índice de criminalidade cresce assustadoramente.
domingo, 18 de janeiro de 2015
Atualizado em 16 de janeiro de 2015 13:58
A revista Veja1 publicou a notícia, também exibida em vídeo pela internet2, da ação de dois policiais do Estado do Rio de Janeiro que saíram em perseguição a um veículo ocupado por quatro jovens que voltavam de uma festa. Um dos policiais disparou nove tiros de fuzil contra o carro e atingiu Haissa Vargas Motta, que viajava no banco de trás e veio a falecer. Nada indicava qualquer suspeita contra os ocupantes do veículo cujo motorista não parou porque imaginou que a perseguição policial era dirigida a um motociclista que se encontrava próximo. O fato causou indignação e consternação geral.
Pouco tempo após, foi editada a lei 13.060, de 22 de dezembro de 2014, ainda não regulamentada, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, quando em serviço policial, obedecendo rigorosamente os princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Assim, não é legítimo o uso de arma de fogo contra a pessoa desarmada e que não represente risco imediato de morte e de lesão aos agentes de segurança e terceiros, assim como contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser quando o ato represente o mesmo risco já citado.
A lei vem revestida de um caráter pedagógico de vital importância, principalmente num país em que o índice de criminalidade cresce assustadoramente. Torna-se difícil para o policial selecionar a ação que irá exigir armamento não letal ou pesado porque o fato é quase sempre instantâneo, sem dar tempo para qualquer avaliação mais acurada. Daí que se torna imprescindível uma formação profissional mais exigente para habilitar o policial a usar corretamente os instrumentos utilizados na manutenção da segurança pública, quer sejam letais ou não.
Aristóteles já preconizava que o bom senso localiza-se sempre no meio das ações, vez que os extremos são perigosos, em qualquer situação. As linhas da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade, apesar da relevância indiscutível, pois devem pautar toda ação humana, são parâmetros de difícil acesso em algumas situações. O policial que trabalha nos grandes centros, em situações de perigo constante, enfrentando um crime organizado muito bem aparelhado, teme também pela sua vida, mas sabe que em caso de confronto seu dever é manter a integridade do infrator e de terceiros que se encontram no local da ocorrência. É difícil imaginar o armamento utilizado pelo infrator, assim também como sua estratégia de ataque, principalmente quando se encontrar na sua área de domínio, pois sabe que pode contar com a solidariedade dos comparsas.
A prudência, no entanto, recomenda muita cautela quando da abordagem de pessoas que não carregam qualquer suspeita, estejam elas em veículos ou caminhando pela cidade, como qualquer cidadão inocente. O abuso policial, desnecessário em alguns casos, causa repúdio e é recriminado pela população, como aconteceu no fatídico episódio acima narrado. É totalmente desproporcional a utilização por parte do policial de arma de grosso calibre contra cidadão desarmado, inofensivo e indefeso. A sensação que paira na coletividade é de total insegurança e descrédito nos agentes selecionados para garantir a ordem pública. Nestes casos tem aceitação a utilização de armamento não letal. Não se pode olvidar, no entanto, o caso do brasileiro morto pela polícia australiana que efetuou vários disparos com pistolas que produzem choques elétricos de 400 volts. De arma paralisante, em razão do excesso, passou a ser letal.
Daí que há necessidade de se estabelecer na regulamentação da lei quais são as armas com pequeno potencial lesivo e em quais condições deverão ser utilizadas. Não para se medir força ofensiva e sim para estancar com proporcionalidade e legalidade eventual agressão por parte do infrator. Pode-se apontar, pelo uso até agora comprovado, algumas armas não letais: canhões de água, cassetetes, balas de borracha, sprays de pimenta, gás lacrimogêneo, bombas de "efeito moral", "taser" (bastão de choque) e outras ainda que surgirão em razão da acelerada tecnologia nesta área.
É bom observar que no Direito, genericamente, todo instrumento utilizado para ofender ou se defender e que tenha condição de ferir ou matar, é considerado arma. A própria lei 9.437/97, por não trazer a definição de arma, deixa entender que carrega implicitamente uma norma penal em branco e contempla somente três categorias: as armas de fogo de uso permitido, as de uso proibido e os artefatos o acessórios de uso proibido. Não há qualquer referência à utilização de arma não letal.
Mas, para o momento, o mais importante continua sendo a regulamentação e um treinamento adequado para os policiais.
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1 edição 2408 - ano 48 - nº 2, de 14 de janeiro de 2015.
2 www.youtube.com/watch?v=xn0Pp1cqUhY
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com pós-doutorado em ciências da saúde. Reitor da Unorp.