"Natal Livre": o espírito do Natal e o consumo consciente
Neste Natal, evitar a compra em lojas envolvidas com a exploração de mão de obra escrava é um grande passo e uma verdadeira forma de protesto e repúdio a tal prática.
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
Atualizado em 15 de dezembro de 2014 14:14
O Natal está chegando e traz um clima típico desse período do ano. Deparamos com as expectativas para o novo ciclo que se inicia e lembramos de agradecer àqueles que nos são estimados, distribuindo abraços, beijos e presentes como forma de expressar a gratidão e felicidade de sua companhia.
Em meio às reflexões tão características dessa época, não menos importante é a comemoração por todas as conquistas alcançadas no período que se encerra, misturada com a alegria e esperança de um ano novinho que já está apontando cheio de ambições, sonhos e promessas de um "ser" melhor e mais solidário, a procura da evolução pessoal, profissional e espiritual.
Talvez por isso seja também comum nesta época do ano o engajamento em ações beneficentes, buscando-se alcançar a paz e renovar as esperanças em um mundo em que cada indivíduo dentro de seus restritos limites faça o que esteja ao seu alcance para que, ao somarem-se todas as pequenas ações, projete-se um surpreendente resultado coletivo.
Assim, aproveitando o clima de festividade e reflexão eu sugiro aos leitores deste artigo uma campanha: o "Natal Livre". Ao contrário do que nos foi ensinado no colégio, é impossível afirmar que o trabalho escravo no Brasil foi extinto com o sancionamento da lei áurea em 1888. Infelizmente não é preciso procurar muito para se deparar com notícias de trabalhadores encontrados em situações de trabalho degradantes, jornadas exaustivas, condições higiênicas precárias, alimentos apodrecidos, servidão por dívida e alojamentos indignos e com riscos de incêndio/desabamento/alagamento.
Em prol de seu interesse exclusivo e exatamente como na escravatura clássica, o explorador do trabalho não vislumbra no explorado nenhum vestígio de humanidade, "coisificando-o" e o explorando de forma tão agressiva a ponto de lhe retirar seu maior bem que é a sua dignidade.
No entanto, diferente da escravatura clássica, a situação atual não exige o acorrentamento do trabalhador ou sua comercialização expressa. O trabalho escravo contemporâneo é muito mais ludibrioso e astuto eis que a coação ao trabalhador não se mostra direta e física, mas decorre de seu próprio instinto de sobrevivência e da pressão sistemática do mercado de trabalho.
É a coação psicológica encoberta e transvestida de consentimento, que se mostra ainda mais cruel eis que na escravatura clássica em que vigorava a coação física havia ao menos a revolta e recusa do explorado em ser usado, diferente da passividade e inércia vistas hoje e que decorrem justamente deste falso assentimento.
Submeter-se a condições sub-humanas pelo simples direito a sobrevivência jamais será sinônimo de concordância voluntária. É o sistema mostrando sua face mais cruel e maquiavélica.
No estado de São Paulo, os 2 principais ramos do mercado que se utilizam do trabalho escravo são o da construção civil e da indústria têxtil. Este último felizmente tem sido alvo de investigações do Ministério Público do Trabalho, que já resgatou centenas de trabalhadores em condições análogas a de escravo que na cadeia de produção laboravam para grandes e renomadas lojas.
O incentivo a um sistema que leva o trabalhador a se despir de sua humanidade e dignidade pela sobrevivência é a legitimação do trabalho escravo pela sociedade, o que não pode ser tolerado.
Neste Natal, evitar a compra em lojas envolvidas com a exploração de mão de obra escrava é um grande passo e uma verdadeira forma de protesto e repúdio a tal prática, e pode ser feita sem muitos transtornos. É a resposta social que declara a estas grandes corporações a discordância de que os fins justificam os meios e que afirma a necessidade de tratamento humano e digno para todos, dando forças para a construção de um mundo com mais amor e solidariedade.
O consumidor tem por sua responsabilidade buscar conhecimento e informação do que se compra, e neste aspecto o acesso a internet é de grande valia. Também está disponível gratuitamente para os sistemas IOS e Android o aplicativo "Moda Livre", que monitora 45 lojas e varejistas de moda que foram flagradas utilizando-se do trabalho escravo, resumindo o envolvimento destas empresas com a atividade ilícita e informando os compromissos assumidos, bem como as ações que estão sendo tomadas. É uma excelente ferramenta para levar consigo nas compras de Natal, que colaboram para o consumo consciente.
Abrace essa causa e compartilhe sem moderação, não apenas no Natal, mas até que esta prática de mercado seja efetivamente abolida. Discuta com seus amigos, parentes e filhos pois o debate é fundamental para trazer à luz o que está hoje encoberto e escondido: o trabalho escravo ainda existe.
Engajar-se nesta campanha que nega o consumo às lojas que se utilizam do trabalho escravo é, acima de tudo, um ato de cidadania, que se mostra um grande começo aos que tem vontade de se envolver em projetos sociais, mas dispõem de pouco tempo livre. É fazer muito e com pouco esforço.
Espalhe o espírito do Natal e apoie a causa em respeito à dignidade e à vida.
__________________
*Talita Harumi Morita é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.