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Os juros moratórios e as indenizações por dano moral

Tiago da Rocha Moreira

Uma reflexão sobre o marco inicial dos juros moratórios em indenizações por dano moral

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Atualizado em 6 de novembro de 2014 15:11

Há muito vem sendo enfrentada pela doutrina e jurisprudência uma questão essencial: o termo inicial para incidência dos juros de mora nos casos de indenização por dano moral (extrapatrimonial).

Em 23 de novembro de 2011, no julgamento do REsp 1.132.866-SP1, a 2ª seção do STJ, por maioria, decidiu por firmar entendimento sobre o termo inicial para incidência dos juros moratórios em casos de indenização por danos morais, fixando-o a partir na data do evento danoso, aplicando irrestritamente a súmula 54 do STJ2, publicada em 01/10/1992, ainda sob a vigência do CC de 1916.

Apesar de vencidos, o voto da ministra relatora Isabel Galotti, acompanhado pelos ministros Antônio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Raul Araújo, merecem a máxima estima, pois provocaram reflexão sobre o assunto, repleta de clareza e razoabilidade, que não poderia passar despercebida pela doutrina, advogados e magistrados.

Inicialmente, para entender o contexto da controvérsia, necessário tecer ponderações sobre a responsabilidade contratual e extracontratual, uma vez que a súmula 54 vem sendo aplicada indistintamente em todo e qualquer caso versando sobre indenização por danos morais.

Como o próprio conceito sugere, a responsabilidade contratual decorre de um contrato, um acordo preestabelecido entre as partes, escrito ou tácito, no qual são fixadas obrigações preexistentes e eventuais penalidades para a hipótese de descumprimento.

Entre os exemplos mais comuns estão: atraso no pagamento do aluguel, comodatário que não devolve a coisa emprestada, venda de produto com vício de fabricação.

Por sua vez, a responsabilidade extracontratual, também conhecida como aquiliana, resulta do inadimplemento normativo, ou seja, de inobservância de dever legal, a partir de ato contrário ao ordenamento jurídico, que lesa direito da vítima e, simultaneamente, lhe causa prejuízo financeiro. Entre os exemplos mais comuns estão: danos causados por acidente de trânsito, prejuízos decorrentes de ilícitos penais (furto ou roubo) e lucros cessantes.

O CC brasileiro em vigor distingue ambas as espécies de responsabilidade, disciplinando, nos artigos 186, 187 e 927 a responsabilidade extracontratual, e, nos artigos 389 a 395, a responsabilidade contratual.

Neste sentido, defende Claudio Luiz Bueno de Godoy3:

"No seu caput, o art. 927 reproduz a cláusula geral da responsabilidade aquiliana, que estava contida no art. 159 do CC/1916. E o fez de maneira compartimentada ao estatuir que quem comete ato ilícito é obrigado a reparar, remetendo, porem, aos artigos 186 e 187 para a definição do que seja ato ilícito."

E de forma sucinta, elucida Carlos Roberto Gonçalves4:

"Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual (dever contratual). Por exemplo: o ator que não comparece para dar o espetáculo contratado; o comodatário que não devolve a coisa que lhe foi emprestada porque, por sua culpa, ela pereceu. O inadimplemento contratual acarreta a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil. Quando a responsabilidade não deriva de contrato, mas de infração ao dever de conduta (dever legal) imposto genericamente nos arts. 186, 187 e 927 do mesmo diploma, diz-se que ela é extracontratual, também chamada de aquiliana, por ter sido regulada na Lex aquilia, do direito romano."

Portanto, não há dúvidas de que, para a configuração da responsabilidade extracontratual, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 186 do CC, elementos intrínsecos à configuração do ato ilícito e do dever de indenizar, quais sejam: a ação ou omissão; culpa ou dolo do agente; nexo de causalidade e o dano (patrimonial e extrapatrimonial).

O dano patrimonial é aquele que causa prejuízo financeiro ao ofendido, podendo ser verificado e comprovado de forma concreta, através de elementos objetivos, a partir da lesão do bem ou do patrimônio.

O mesmo não ocorre com o dano extrapatrimonial (moral), que somente pode ser mensurado no momento em que é quantificado e estabelecido o dever de indenizar, o que somente ocorre através de decisão judicial, sendo impossível quantificá-lo em momento anterior.

Neste sentido, importa destacar o entendimento pacificado nas decisões do STJ sobre o pedido de indenização por danos morais, tratando-o como mera estimativa, sequer acarretando ônus de sucumbência caso o valor da indenização seja inferior ao pedido, como devidamente retratado na súmula 3265.

Não à toa, a jurisprudência está repleta de decisões que fixam indenizações por dano moral em valor distinto daquele pretendido pelo autor na petição inicial, ou mesmo julgando tal pedido improcedente.

Isto posto, a responsabilidade por indenizar dano extrapatrimonial somente existe no momento em que é arbitrada por determinação judicial a quantia a ser indenizada.

Logo, não é possível exigir do ofensor o adimplemento de obrigação fundada em mera estimativa/expectativa, por se tratar, de fato e de direito, de obrigação ainda inexistente e, portanto, inexigível.

Os juros de mora e dano moral. Da inaplicabilidade da súmula 54 do STJ.

Nos casos envolvendo indenização por danos morais, não há prejuízo aferível, mas, sim, estimado ou presumido. Por sua vez, o dever de indenizar, nesses casos está atrelado à decisão judicial que institui o dano e o quantifica, sequer existindo a certeza de sua ocorrência em momento anterior àquele em que é arbitrado.

Por consequência lógica, não se poderia afirmar que o ofensor estaria inadimplente, exigindo-lhe juros de mora a contar do suposto evento danoso, aplicando, nestes casos, a súmula 54 do STJ.

Evidente que, em se tratando de dano material decorrente de responsabilidade extracontratual, a aplicação da súmula 54 faz sentido, posto que o dano resultante do ato ilícito é tangível desde o evento danoso. O prejuízo material, as despesas e custas suportadas pela vítima, são consequência lógica do ato ilícito cometido pelo ofensor que, desde o momento em que prejudicou a vítima, se tornou inadimplente de seu dever legal (reparar, restituir, devolver, pagar).

Nestes casos, considera-se que o ofensor/devedor estaria em mora desde a data do evento danoso, momento em que o ofendido sofreu o prejuízo patrimonial, fazendo surgir, imediata e consequentemente, o dever de reparar. A ausência do pagamento é, portanto, considerada como omissão imputável ao ofensor/devedor que, devendo fazê-lo, eximiu-se injustificadamente.

Para o Direito brasileiro, a culpa é elemento essencial à mora, podendo ser elidida caso o devedor comprove que a inexecução da obrigação decorreu de caso fortuito ou força maior, ou se tornou impossível ante as peculiaridades do caso.

Defende Antunes Varela:

"Essencial à mora é que haja culpa do devedor no atraso do cumprimento. Mora est dilatio, culpa non carens, debiti solvendi... Não há mora, por falta de culpa do devedor, quer quando o retardamento é devido a fato fortuito ou força maior, quer quando seja imputável a fato de terceiro ou do credor, quer mesmo quando proceda de fato do devedor, não culposo (ignorância desculpável da dívida ou da data do vencimento etc.)6


Contudo, em se tratando de indenização por danos morais, a ausência do pagamento desde a data do ilícito não pode resultar em responsabilização do ofensor/devedor, pois o dano moral somente é convertido em pecúnia - obrigação de pagar - através da decisão judicial.

Afirmou a Ministra Isabel Galotti7:

"Em se tratando de danos morais, contudo, que somente assumem expressão patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de mérito (até mesmo o pedido do autor é considerado pela jurisprudência do STJ mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido, conforme a súmula 326), a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse o devedor, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo (CC/1916, art. 1.064 e cc/2002, art. 407)."

Neste sentido, o STJ reconheceu, na súmula 362, que a correção monetária do valor da indenização do dano moral tem inicio com a data do arbitramento, pois é a partir desse instante que o dever de indenizar passa a existir.

STJ: súmula 362: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento"

Irrefutável, portanto, a evidente contradição entre os posicionamentos adotados pelo C. STJ que considera como termo inicial da correção monetária da indenização por danos morais a data do seu arbitramento, enquanto o termo inicial da incidência dos juros de mora seria a data do evento danoso.

Os juros moratórios são a sanção pecuniária do devedor inadimplente de uma obrigação perante o credor, em geral causada pelo atraso no seu cumprimento. Sua natureza é essencialmente punitiva, penalizando aquele que descumpriu o dever que dele era esperado.

Portanto, é condição sine qua non para a mora, e, consequentemente, para a aplicação dos juros de mora, que exista o vencimento da dívida ou da prestação líquida e certa (andebeatur), que a torne exigível, ou seja, o descumprimento de uma obrigação instituída ou predeterminada.

Este é o entendimento uníssono na doutrina, e, há muito, arrazoado por Orlando Gomes8:

"Elemento Objetivo da Mora é o retardamento. Trata-se de conceito que se prende à ideia de tempo. Mora pressupõe crédito vencido, certo e judicialmente exigível. [...] Mora é demora, atraso, impontualidade, violação do dever de cumprir a obrigação no tempo devido."

Assim, se a obrigação ainda não se constituiu em dívida, vez que depende de decisão judicial para arbitrá-la, não há mora, sendo assim, impossível a incidência de juros moratórios em momento anterior à sentença.

Quando se trata de indenização por danos morais, não há dúvidas que, mesmo existindo fato que possa ter causado abalo moral ao ofendido, a obrigação de indenizar somente surge a partir da decisão judicial que a arbitrou. Isto porque, não poderia ofensor, por exemplo, adimplir ou quitar a suposta obrigação de indenizar, somente fixada em sentença, no curso do processo, ou em momento anterior.

Justifica Carlos Roberto Gonçalves9:

"Pela Súmula 163 do Supremo Tribunal Federal, 'salvo contra a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os juros moratórios desde a citação inicial para a ação'. Assim também dispõe o art. 405 do Código Civil. É esse o critério seguido nos casos de responsabilidade contratual. Já nos casos de responsabilidade extracontratual, pela prática do ilícito meramente civil, os juros de mora são computados desde a data do fato (CC, art. 398). Prescreve a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça: 'os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual'. [...] Os juros de mora sobre indenização por dano moral, todavia, incidem desde o arbitramento. Não há como se considerar em mora o devedor antes, se ele não tinha como satisfazer obrigação não fixada por sentença judicial, arbitramento ou acordo entre as partes." (grifos nossos)

Logo, a súmula 54 não deveria ser aplicada nos casos que versam sobre indenização por dano moral, pois a incidência de juros de mora deve partir do arbitramento da obrigação e sua correspondente quantificação por sentença judicial, nos termos do artigo 407 do CC/0210.

Conclusão

A ausência do pagamento de indenização por danos morais desde a data do ato ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao causador do dano, para o efeito de constituí-lo em mora, pois este não teria como satisfazer uma obrigação não traduzida em pecúnia antes da sentença em ação judicial.

Assim, só incidem juros de mora quando há inadimplência do devedor quanto a uma obrigação ou dever pretérito.

Se o dever de indenizar por danos morais somente surge com a sentença, não há justo motivo para que se fixe a incidência dos juros moratórios desde o evento danoso, porquanto o pretenso inadimplemento não pode ser imputado ao ofensor.

Portanto, entendemos que a súmula 54 não deve ser aplicada em casos de indenização por danos morais, devendo, os juros de mora incidir a partir do arbitramento, conforme previsão expressa do artigo 407 do CC.

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1 EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PURO. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54/STJ. 1.- É assente neste Tribunal o entendimento de que os juros moratórios incidem desde a data do evento danoso em casos de responsabilidade extracontratual, hipótese observada no caso em tela, nos termos da Súmula 54/STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual". Na responsabilidade extracontratual, abrangente do dano moral puro, a mora se dá no momento da prática do ato ilícito e a demora na reparação do prejuízo corre desde então, isto é, desde a data do fato, com a incidência dos juros moratórios previstos na Lei. 2.- O fato de, no caso de dano moral puro, a quantificação do valor da indenização, objeto da condenação
judicial, só se dar após o pronunciamento judicial, em nada altera a existência da mora do devedor, configurada desde o evento danoso. A adoção de orientação diversa, ademais, ou seja, de que o início da fluência dos juros moratórios se iniciasse a partir do trânsito em julgado, incentivaria o recorrismo por parte do devedor e tornaria o lesado, cujo dano sofrido já tinha o devedor obrigação de reparar desde a data do ato ilícito, obrigado a suportar delongas decorrentes do andamento do processo e, mesmo de eventuais manobras processuais protelatórias, no sentido de adiara incidência de juros moratórios. 3.- Recurso Especial improvido.

2 STJ: Súmula 54: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.

3 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: coordenador Cezar Peluzo - 6ª ed. Barueri, SP: Manole, 2012. p. 924.

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil esquematizado v.1 - 2.ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 386

5 STJ: Súmula 326: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca."

6 VARELA, Antunes. Direito das obrigações, vol. 2. p. 139.

7 RESP n. 1.132.866 - SP. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti (2009/0063010-6 (julgado em 23/11/2011)

8 GOMES, Orlando. Obrigações. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002, por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro:
Forense, 2010. P. 198.

9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil esquematizado v.1 - 2.ed. - São Paulo: Saraiva 2012 (fls. 684)

10 Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. (grifos nossos)

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*Tiago da Rocha Moreira é advogado do escritório da Fonte, Advogados.


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