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Delação x mensalão: reflexão

Apesar de suas falhas, a delação premiada tem apresentado resultados muito animadores.

sábado, 1 de novembro de 2014

Atualizado em 31 de outubro de 2014 10:51

Os acontecimentos anunciados ultimamente fizeram com que o brilho da justiça se apagasse e depois se acendesse com uma reflexão a respeito do mensalão e da delação premiada.

Findo o julgamento de uma década sobre o mensalão e com o julgamento dos embargos infringentes, o resultado não pode ser animador, na medida em que a maioria dos culpados está solta e o dinheiro público até agora não foi recuperado.

Lidamos com o problema do foro privilegiado, de autoridades governamentais e as seguidas transmissões com o peso da mídia que, ao término dos trabalhos, ficou com uma impressão de revigoramento da impunidade no Brasil, infelizmente.

Nada obstante, no exame das provas do caso de sociedade mista estatal, priorizou-se a delação premiada, instrumento eficaz e eficiente para debelar os efeitos da demorada tramitação do feito e as incontáveis oitivas de testemunhas pelo País e também no exterior.

Como metodologia, apesar de suas falhas, a delação premiada tem apresentado resultados muito animadores, já que os imputados revelam todo o esquema e o sistema que alimentava aos partidos políticos e seus correligionários.

A delação oportuniza o discernimento e o pleno conhecimento dos fatos, com a renúncia do meio de recursos e incidentes processuais infundados que delongam o julgamento.

Relativiza o trabalho hospedado no empenho do MP e coloca a Justiça em relevo por trazer ao conhecimento de toda a sociedade o mecanismo que presidiu as inúmeras mazelas ao longo dos anos.

E nem se diga haver um sigilo ou segredo de justiça, pois o destinatário final e único, exclusivo, é a sociedade atingida e afetada, a qual será minimizada em seu prejuízo se conseguir reaver o dinheiro desviado, no País e no exterior.

Em termos concretos, a delação representa a restituição de boa parte do dinheiro e encontra forte caminho no sentido de recuperação, sem precisar a interligação entre polícias e autoridades, já que o culpado revela com riqueza de detalhes quem participou e quais as formas de enriquecimento ilícito.

Ao contrário do mensalão, que se restringe ao processo em relação aos réus, a maior vantagem, senão a principal, da delação, é de tornar público corruptores e corruptos, ambos os polos que participaram desse meandro, em detrimento do funcionamento da governança corporativa, com a inserção de nomes de peso e empresas privadas bem conhecidas, já que, invariavelmente, participam de recursos financeiros para apoio nas campanhas políticas.

Quebrar esse esquema e desmontar sua estrutura parece ser uma notável operação, semelhante àquela acontecida décadas atrás, chamada mãos limpas, quando se conheceu o maior envolvimento e participação contrária aos ditames da vontade popular.

E quanto mais a delação se tornar uma realidade, menor será a preocupação do Ministério Público e da própria justiça, já que ela escancara nomes, cargos, partidos, empresas privadas e toda sorte que, concertadamente, imprime um rombo no Estado e resulta no cometimento do ilícito penal.

A autonomia da PF e o papel fundamental do MP somam ambos esforços para que a justiça seja mais célere e recupere os valores desviados ao longo desses anos.

Nada obstante, muitos contrariam a força da delação e dizem veemente e textualmente que nada tem de envolvimento ou implicação, mas a sutileza vai sendo posta de lado, portanto, quando as provas emergem de forma clara e de maneira transparente.

Todos ganhamos com a delação premiada, a qual deveria, para certos tipos de crime, predominar e prevalecer, já que representa a pura verdade real não perseguida, mas dita da própria boca do acusado, com subsídios e informes que permeiam um conhecimento bem maior do que se imagina.

Economiza-se busca incessante, expedição de mandados e escutas telefônicas desnecessárias, pois coloca em relevo o melhor que se aproveita em relação aos esquemas montados e desenvolvidos que passavam por cima da administração e Conselho de fiscalização da empresa.

O Brasil moderno não pode mais conviver com a roubalheira descarada e as formas ignominiosas de desvio do dinheiro público, a Nação se levanta e pede que todos os culpados se apresentem para minimizar prejuízos e repor aos cofres públicos o dinheiro desviado.

A criatividade e a imaginação superam as formas e, por meio da delação, conclui-se, no interesse da reflexão, que sua tessitura veio para ficar, rompendo com os enormes desacertos que o mensalão trouxe e, até agora, não se recuperou a importância maior do prejuízo da sociedade civil.

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* Carlos Henrique Abrão é doutor pela USP, com especialização em Paris, e desembargador do TJ/SP.

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