O "Marco Regulatório" do terceiro setor e as novas regras para convênios
O que mudou com o novo "Marco" foi o uso de convênios para formalizar parcerias entre as entidades privadas sem fins lucrativos e o poder público. Agora, esses instrumentos serão aplicáveis apenas em relações firmadas entre instituições públicas. O conveniamento entre o Estado e o Terceiro Setor será agora substituído por termos de colaboração e de fomento.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Atualizado em 29 de outubro de 2014 15:52
Em 31/07/14, foi sancionado o novo "Marco Regulatório do Terceiro Setor" (lei 13.019/14), a partir do projeto de lei 7.168/14. Apesar do nome que está sendo dado à nova legislação, é importante esclarecer que ela não lida com todas as questões jurídicas relativas às organizações não-governamentais.
O que mudou com o novo "Marco" foi o uso de convênios para formalizar parcerias entre as entidades privadas sem fins lucrativos e o poder público. Agora, esses instrumentos serão aplicáveis apenas em relações firmadas entre instituições públicas. O conveniamento entre o Estado e o Terceiro Setor será agora substituído por termos de colaboração e de fomento. O primeiro se aplica nos casos em que a própria Administração Pública define o objeto da parceria, enquanto o segundo vale para ações propostas pelas organizações da sociedade civil.
Muitas questões referentes ao Terceiro Setor não sofreram mudanças significativas ou nem foram tratadas no novo texto legal, como temas tributários e trabalhistas, bem como a maioria dos títulos e certificados que podem ser requeridos pelas entidades sem fins lucrativos. Tampouco o novo "Marco" impõe que os termos de fomento ou de colaboração serão os únicos instrumentos de parceria aplicáveis às ONGs. A própria lei 13.019/14 indica expressamente que os termos de parceria e os contratos de gestão (celebrados, respectivamente, com entidades tituladas como OSCIP ou OS) continuarão existindo.
A nova legislação seria aplicável a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, bem como a suas respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do artigo 1º da lei 13.019/14. Porém, apesar desse suposto caráter nacional, é preciso destacar que a competência legislativa exclusiva da União no caso do Terceiro Setor limita-se à edição de normas gerais. Isso pode ser verificado a partir da leitura do artigo 22, XVII da CF, que atribui àquele ente o poder de criação de normas gerais de licitação e contratação. Da mesma forma, o artigo 24 da CR/88 (que trata de diversos temas correlatos ao Terceiro Setor, como cultura, meio ambiente, educação, saúde e desporto), também explicita que a competência legislativa da União, em relação ao alcance aos demais entes federativos, se limita ao estabelecimento de normas gerais (artigo 24, § 1º).
Nesse sentido, parece-nos que diversas disposições da lei 13.019/14 que tenham caráter específico (e não geral) não vinculariam Estados, Municípios e Distrito Federal, especialmente se estes tiverem editado regras próprias em sentido contrário. Exemplo disso seriam diversas limitações previstas no novo marco, como as estipuladas nos artigos 47 (gastos administrativos limitados a 15% do valor da parceria) e 56 (remanejamento de recursos que não pode ultrapassar 25% das rubricas originais). São dispositivos cuja avaliação é própria do caso concreto, impossível de serem adequadamente balizados por meio de uma norma geral ampla. Para uma determinada parceria, a aplicação de 15% dos recursos em gastos indiretos pode ser suficiente, mas isso não é necessariamente verdadeiro em outros casos. O mais adequado seria destinar ao administrador público definir o que é adequado em cada situação, considerando as particularidades das atividades e os objetivos perseguidos.
Dada a ausência de caráter geral desses dispositivos, que possuem um nível de detalhamento próprio de regras específicas, impor sua aplicação a todos os entes federativos configuraria invasão de competência legislativa constitucional. Nesses casos, tais dispositivos da lei 13.019/14 vinculariam a Administração Pública Federal, mas eventuais normas estaduais, municipais ou distritais em sentido contrário devem ser respeitadas e aplicadas em suas respectivas esferas. Em situações desse tipo, o alcance de vários pontos da nova legislação não seria nacional, mas sim federal, o que pode ser respaldado inclusive pela jurisprudência do STF em casos similares (vide a ADI 927-3, que suspendeu a aplicação de parte do artigo 17 da lei 8.666/93 no âmbito de Estados, Municípios e Distrito Federal, por faltar-lhe caráter geral).
De toda forma, em que pese as polêmicas jurídicas ainda em aberto sobre o alcance da lei 13.019/14, as entidades que lidavam com convênios devem atentar para a nova realidade. Os critérios de seleção foram alterados, sendo agora exigida a realização de chamamento público. As ONGs devem cumprir requisitos específicos, como tempo mínimo de existência, experiência prévia no objeto da parceria, criação de órgãos internos de fiscalização, elaboração de regulamento de compras e contratações para uso de recursos públicos e regras para prestação de contas.
Tudo isso pode gerar a necessidade de alteração do Estatuto Social da instituição. Assim, é fundamental que as entidades estejam atentas às mudanças e já se adequem, visando evitar problemas na continuidade de suas atividades até então executadas por meio de convênios.
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*Renato Dolabella é professor do IBMEC/MG. Advogado especialista em Terceiro Setor e Propriedade Intelectual. Presidente da Comissão de Terceiro Setor da OAB/MG. Mestre em Direito. Doutorando e Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação. Pós-graduado em Direito de Empresa. Professor de Terceiro Setor, Propriedade Intelectual, Direito do Consumidor e Direito Econômico em cursos de extensão, graduação e pós-graduação. Diretor Jurídico da Federação Mineira de Fundações e Associações de Direito Privado - FUNDAMIG. Membro fundador e diretor do Centro Mineiro de Estudos em Propriedade Intelectual e Inovação - CEMEPI. Membro da Comissão de Concorrência e Regulação Econômica da OAB/MG. Membro da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB/MG.