AFRMM: ilegal tentativa de majoração
"Não pode a administração pública buscar redefinir o conceito utilizado pelo legislador ordinário, para determinar que se considere como componente do frete os valores pagos a título de taxas."
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Atualizado em 15 de setembro de 2014 12:51
Desde o final do ano de 2012, as aduanas de alguns portos estão exigindo a inclusão na base de cálculo do adicional de frete da Marinha mercante, dos valores pagos a título de Taxas de descarga, Taxa de Utilização da Infraestrutura Portuária (TUIP), Taxa de Utilização Portuária (TUP), além de outras despesas, para viabilizar o desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas.
Essa exigência viola claramente o princípio da legalidade, pois essas despesas, por não comporem o valor do frete marítimo, e sem que estejam discriminadas no Conhecimento de Embarque, não se compatibilizam com a base de cálculo determinada pela lei 10.893/2004. E o seu indevido acréscimo ao cálculo do AFRMM implica em sua gravosa majoração, podendo chegar a mais de 200% (duzentos por cento).
A AFRMM foi instituído pelo decreto-lei 2.404/87 e, após diversos questionamentos judiciais, foi declarado constitucional pelo STF, que o enquadrou como uma contribuição de intervenção no domínio econômico.
Em 2004, o decreto-lei 2.404/87 foi revogado pela lei 10.893/2004, que, em seu art. 5º, definiu a base de cálculo do AFRMM com sendo o valor do frete marítimo: "Art. 5o O AFRMM incide sobre o frete, que é a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro."
Assim, a base de cálculo do AFRMM é o valor da remuneração do transporte aquaviário, que deve constar do conhecimento de embarque, ou, na ausência deste, o valor da remuneração desse serviço declarado pelo contribuinte. E quando o §1º tratou de "outras despesas de qualquer natureza a ele pertinentes", a intenção do legislador ordinário foi a de somente incluir na base de cálculo do AFRRM as despesas que são inerentes à prestação do serviço de transporte aquaviário, como é o caso de alguns custos adicionais ao frete básico, que podem ser cobrados em razão da alteração do trajeto, gasto de combustível, grandes volumes ou grandes pesos, congestionamento portuário, por exemplo. Caso contrário, o legislador não teria exigido, expressamente, que essas despesas constem do conhecimento de embarque.
Em se tratando de uma CIDE, que visa à intervenção na indústria naval brasileira, por meio da incidência sobre o custo do transporte aquaviário, o seu critério quantitativo não pode se desvincular do estrito custo deste transporte (que é o frete), sob pena de desvirtuação do seu critério material e a consequente extrapolação do campo constitucional de competência possível de instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico. Não há dúvida de que as taxas acima referidas e as despesas com a prestação de serviço de carga e descarga das mercadorias importadas não se prestam a remunerar o transporte aquaviário. São taxas que têm como finalidade remunerar os custos com a manutenção da infraestrutura portuária e as despesas com a carga e descarga das mercadorias importadas remuneram o serviço prestado após a atracação da embarcação no porto marítimo, ou seja, trata-se de gasto incorrido em território nacional, sendo totalmente desvinculado do transporte internacional.
Além disso, a pretendida majoração da base de cálculo dessa contribuição vem sendo exigida pela Receita Federal do Brasil com base em portarias, exemplo da portaria 06/2013, editada pela Alfândega da Receita Federal do Brasil no Porto de Vitória, o que também viola o princípio da legalidade. Como qualquer outro tributo, o AFRMM é passível de majoração do seu aspecto quantitativo, desde que o aumento dessa exação seja previsto em lei, nos termos do art. 97 do CTN. Assim, não poderia a Administração Pública utilizar-se de simples portaria para majorar a base de cálculo do AFRMM, por meio da exigência de inclusão no conhecimento de transporte de taxas e outras despesas que não se prestam a remunerar o serviço de transporte aquaviário, alargando indevidamente o conceito de frete, e extrapolando o que a Lei nº 10.893/2004 estabelece em relação à hipótese de incidência da referida contribuição.
Por fim, é importante ressaltar que não pode a administração pública buscar redefinir o conceito utilizado pelo legislador ordinário, para determinar que se considere como componente do frete os valores pagos a título de taxas que têm como finalidade remunerar os custos com a manutenção da infraestrutura portuária, e que não remuneram o transporte aquaviário. Essa extensão dos conceitos ou equiparações equivocadas implica instituição do tributo com extrapolação da norma de competência, e ofensa direta ao disposto no art. 110 do CTN.
Com base nessas questões de direito, é viável o questionamento judicial do indevido alargamento da base de cálculo do AFRMM, com a possibilidade de serem restituídos os valores recolhidos indevidamente a maior nos últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento de eventual demanda. Inclusive já existem decisões de primeira instância, liminares e sentença, reconhecendo o direito de contribuintes a não se submeterem a essa arbitrária exigência.
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*Alessandro Mendes Cardoso é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados. Mestre em Direito Tributário e professor da FGV e do IBMEC.
*Tatiana Rezende Torres é coordenadora de contencioso tributário do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados. Pós-graduada em Direito de Empresa pelo IEC/PUC/MG e pelo CADE.