Delação premiada da Petrobras
O instituto da delação premiada é vinculado diretamente ao arrependimento, tanto com relação a seus efeitos como também com relação à aplicação da pena.
domingo, 14 de setembro de 2014
Atualizado em 12 de setembro de 2014 12:33
Circula na mídia, com todo requinte do jornalismo investigativo, que Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras, revelou em depoimentos à Polícia Federal (PF), "que três governadores, seis senadores, um ministro e pelo menos 25 deputados Federais embolsaram ou tiraram proveito de parte do dinheiro roubado dos cofres da estatal"1.
Valeu-se o depoente do instituto da delação premiada e a homologação do acordo depende da decisão do Supremo Tribunal Federal, vez que os cargos referidos gozam de foro privilegiado. Cabe aqui uma rápida incursão a respeito do instituto que ganha projeção política e uma sedimentação no direito brasileiro, observando que anteriormente Marcos Valério Fernandes Souza, pela mesma via, ofereceu elementos que instruíram a Ação Penal 470, conhecida como "mensalão".
A expressão delação, originária do latim (delatio) significa denunciar, delatar, acusar. Nascentes, em seu Dicionário, premiado ad immortalitatem, consegue atingir uma definição mais próxima do Direito e explica que é o fato de "revelar ocultamente à autoridade falta ou delito, designando o autor para satisfazer maus instintos ou auferir vantagens"2.
A legislação italiana foi a primeira a utilizar os mecanismos da delação premiada para combater a criminalidade organizada, com a operação conhecida entre nós como "mãos limpas" (mane pulite), com a criação da Lei dos Arrependidos (pentitismo), em 1979.
Exemplo típico é Tomasso Buscetta que, em troca de benefícios oferecidos pelo governo italiano, tais como segurança familiar, pessoal, troca de identidade, mudança de residência, delatou ex-companheiros de organizações mafiosas, possibilitando uma série de prisões importantes.
No Brasil, a delação premiada ingressou no ordenamento jurídico pela lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, que em seu artigo 25, § 2º, diz textualmente: "Nos crimes previstos nesta lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa, terá sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços). Igual postura foi adotada pela lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, mediante o acréscimo de um quarto parágrafo ao artigo 159 do Código Penal. Ingressou, também, na Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais (lei 9.613/88); Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica (lei 8.137/90; Lei de Proteção a Vítima e Testemunhas Ameaçadas (lei 9.807/99); Lei de Drogas (lei 11.343/06 e Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (lei 12.529/11)".
O destinatário da delação premiada é o delegado de polícia, na fase do inquérito policial, quer seja no interrogatório originário ofertado pelo indiciado ou em outro produzido em aditamento. Também é destinatário o Ministério Público quando o agente confessa o delito e pretende apontar outros responsáveis por meio de notitia criminis. Igualmente é destinatário o juiz, quando a confissão ocorrer no interrogatório coram iudice ou se a ele for encaminhada delatio criminis. Após tomar o conhecimento da confissão, o órgão jurisdicional poderá providenciar as medidas cabíveis com a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção. Além disso, o próprio juiz irá decidir a respeito da concessão do perdão judicial ou a diminuição da pena de um a dois terços, na sentença.
Para que a delação premiada seja recebida deve ser espontânea, voluntária e eficaz. O fato de ter o agente confessado o crime mediante coação não produz os efeitos desejados pela lei. A intenção é fazer com que o infrator, independentemente de qualquer providência policial ou judicial, confesse os fatos até então desconhecidos das autoridades policial e judicial. A voluntariedade consiste na iniciativa do agente, quer por arrependimento, que por oportunidade ou conveniência, em comparecer perante as autoridades já referidas e confessar o crime, com detalhes sobre a autoria e participação. A eficácia é medida pela exatidão dos dados fornecidos pelo agente delator proporcionando sucesso na diligência policial, visando a descoberta ou o desmantelamento do grupo criminoso. Desta forma, não se aplica o benefício se o acusado, apesar de confessar, não forneceu todos os elementos necessários para o esclarecimento do ilícito.
O instituto da delação premiada é vinculado diretamente ao arrependimento, tanto com relação a seus efeitos como também com relação à aplicação da pena. É o exercício do jus poenitendi. Há, por parte do Estado, um desinteresse em exercer o seu jus puniendi em razão da colaboração prestada pelo réu. É mais conveniente para o Estado interromper a ação criminosa do que, posteriormente, com o dano causado, aplicar a pena.
Beccaria, na sua imortal obra, demonstrou sua aversão à utilização da delação premiada, observando, porém, que caso utilizada, com vista à prevenção contra as organizações criminosas, deve-se atentar, também, para a pessoa do traidor, que não poderá ser recolhido entre os seus pares e sim em lugar diferente, bem distante, sob pena de sofrer o ônus de sua infidelidade às convenções particulares que compartilhou antes de trair seus cúmplices. Com sua ênfase peculiar, ressaltou que "o tribunal que emprega a impunidade para conhecer um crime, mostra que se pode encobrir esse crime, pois que ele não o conhece; e as leis descobrem suas fraquezas, implorando o socorro do próprio celerado que as violou"3.
A esse respeito, argumenta de forma convincente Sznick, que "o instituto da colaboração (e por extensão, do arrependimento) se apresenta rico em dois aspectos: para o réu, já que em reconhecendo seu erro e colaborando está se redimindo de sua participação na infração penal, uma atitude que merece ser encorajada e só merece elogios; para a sociedade, em virtude da coleta de material relevante, permitindo o desmonte do grupo criminoso. A sociedade que havia sofrido uma violação com a conduta delituosa, o colaborador, com sua colaboração, sente-se em parte ressarcida, daí a concessão do benefício"4.
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2Nascentes, Antenor. Dicionário da língua portuguesa. Departamento de Imprensa Nacional, 1943.
3Beccaria, Cesare B. Dos delitos e das penas, Tradução de Flávio de Angelis. Bauru: Edipro, 1999, p 78.
4Sznick, Valdir. Crime Organizado: comentários. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1997, p. 371.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.
* Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie, advogado, mestrando em Direito pela UNESP/Franca.