O governo, as intervenções e os esqueletos
Fica evidenciado que as intervenções estatais devem ser feitas apenas em circunstâncias excepcionais, quando interesses públicos primários o exigirem, devendo os custos ser rigorosamente calculados.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
Atualizado em 8 de setembro de 2014 11:41
As intervenções do Estado no domínio econômico podem e devem ser feitas em determinadas circunstâncias, havendo previsão constitucional nesse sentido (art.173 e 174 da CF). Todavia, há limites que não podem ser ultrapassados. Se intervier na atividade econômica de forma a causar prejuízos anormais a determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, deverá o Estado indenizar os prejudicados na medida do dano que lhes causar.
Portanto, em toda intervenção, o Estado deve sopesar não só os custos diretos da atividade, mas também os reflexos a que estará sujeito. Refiro-me aos "esqueletos". Exemplos deles são as conhecidas demandas judiciais decorrentes da intervenção do governo nos setores aéreo e sucroalcooleiro nas décadas de 1980 e 1990. Embora as situações não sejam idênticas, há em comum o fato de haver o Estado obrigado os particulares a praticarem preços e tarifas administrados, fixando-os, porém, em níveis irreais e abaixo dos custos de produção dos respectivos setores.
O STF reconheceu o direito à indenização nesses casos. A despeito disso, o que se verifica é o recrudescimento de intervenções da União na economia, que, a par de prejudicar o livre jogo das forças de mercado, tem provocado disfunções em determinados segmentos.
Alguns exemplos merecem considerações especificas. O primeiro diz respeito à intervenção do governo na Petrobras, com reflexos diretos sobre a empresa, seus acionistas e demais partícipes do mercado de combustíveis. Aquele, na condição de acionista controlador, tem utilizado o congelamento de combustíveis como forma de controle da inflação, subsidiando o preço da gasolina no mercado interno. Em razão disso, há informações de que, desde 2010 até 2013, a empresa perdeu quase 50% do valor, as ações ordinárias se desvalorizaram 61,2%, entre 2009 e 2013, e os lucros têm caído significativamente.
Em 2012, por exemplo, o lucro líquido diminuiu 36,42% em relação a 2011. Entre 2010 e 2013, o prejuízo direto em decorrência da importação de gasolina para revenda soma, aproximadamente, RS 2,3 bilhões. Os acionistas, demonstrando o desvio de finalidade do controlador, poderão exigir que ele responda pelos danos causados à companhia. O segundo exemplo refere-se aos produtores de álcool, que têm sofrido prejuízos em decorrência da mesma política. Com efeito, por questões de eficiência energética dos combustíveis (substitutos perfeitos), só é vantajoso abastecer o veículo com álcool, em vez de gasolina, quando o preço daquele for inferior a 70% do preço desta.
Por isso, como o preço da gasolina está defasado, o do etanol tem de acompanhá-lo. As perdas do setor sucroalcooleiro, em decorrência desses fatores, são estimadas entre R$ 29,7 bilhões e R$ 38,7 bilhões e devem ser indenizadas por serem causadas por ato do governo, que tem fixado preços com o objetivo de controle da inflação, quando deveria fazê-lo no interesse da empresa (Petrobras) para atender seu objeto social.
O terceiro exemplo alude à intervenção do Estado no setor elétrico, ao manter artificialmente baixo o preço da energia elétrica consumida, impondo perdas às distribuidoras e concessionárias. Também afetadas pela persistente escassez de geração hidrelétrica, elas são obrigadas a adquirir, no mercado de curto prazo, energia mais cara, de geração termoelétrica, sem o necessário repasse de custo ao consumidor. Em razão dos prejuízos, o governo anunciou compensação direta ao setor por meio de um pacote de medidas que somam, aproximadamente, RS 12 bilhões, decorrentes de aportes diretos realizados pelo Tesouro Nacional e financiamentos bancários à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.
Se as perdas superarem as compensações diretas havidas, as empresas terão o direito de ser indenizadas. Fica evidenciado que as intervenções estatais devem ser feitas apenas em circunstâncias excepcionais, quando interesses públicos primários o exigirem, devendo os custos ser rigorosamente calculados. Além de causarem disfunções no mercado, criam ônus presentes e futuros. Os últimos, os esqueletos.
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*Hamilton Dias de Souza é advogado tributarista, sócio do Dias de Souza Advogados Associados S/C.