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A questão da segurança pública, por Eudes Quintino

A questão da segurança pública

Não se altera o índice de criminalidade de um Estado ou do país com uma canetada simplesmente. Há necessidade de se buscar a fonte propulsora de toda a crise social.

domingo, 31 de agosto de 2014

Atualizado em 29 de agosto de 2014 12:58

O problema da segurança pública, assim como do aborto, eclode todas as vezes que se inicia uma etapa eletiva. Várias alternativas são tratadas e debatidas e as propostas apresentadas praticamente as mesmas, repetitivas de encontros anteriores. Voltam à baila o aumento dos índices de criminalidade com relação aos crimes de roubo, estupro, homicídios não esclarecidos, truculência policial, descriminalização do aborto, drogas e vários outros. Não que sejam desinteressantes os debates que se travam a respeito, mas tornam-se inócuos em razão das utópicas soluções apresentadas.

Vários diagnósticos a respeito da criminalidade, acompanhados de estratégias terapêuticas já foram lançados, assim como identificados fatores de correção, reduzindo a crise a uma questão essencialmente política e social, erigindo-a à categoria de problema científico e, como tal, recebe a aplicação de métodos pré-concebidos e esquemas conceituais para solucioná-la. Foram e serão inadequados enquanto não se conhecer o inimigo com que se vai terçar armas. Não se exige um diagnóstico de gabinete e sim uma opinião do mais comum dos cidadãos que diariamente transita pelas ruas e dialoga com o povo.

Não se altera o índice de criminalidade de um Estado ou do país com uma canetada simplesmente. Há necessidade de se buscar a fonte propulsora de toda a crise social e apontar estrategicamente um combate lançando mão de meios adequados e consistentes, com políticas discutidas em conjunto com a sociedade, visando atingir definitivamente o núcleo gerador da insegurança social. Abandona-se a abstração científica para, com base nos índices apurados,fomentar a argamassa do real.

Pensava eu, quando promotor de Justiça no Estado de São Paulo, que a chave do sucesso se encontrava na formatação de uma lei mais severa, que realmente afugentasse os delinquentes, reincidentes e iniciantes. No vale de lágrimas do Código Penal brotou a Lei dos Crimes Hediondos, punindo mais severamente a conduta ignóbil, aquela que provoca a indignação seguida da reprovação unânime da sociedade. Em razão disso, veio carregada de um plus legislativo diferenciado que permitia a segregação provisória, negava o benefício da fiança, estabelecia o cumprimento da pena em regime mais rigoroso, sem o alcance da graça, anistia, indulto.

Apesar de se apresentar como norma de endurecimento penal, a lei ordinária foi se atritando com o regramento constitucional e a consequência foi a suavização do preceito que previa o direito de se obter a liberdade provisória e o regime fechado integral de cumprimento da pena. Assim, ficou em aberto a possibilidade ao juiz de conceder liberdade provisória ao acusado pela prática de crime hediondo, sem o pagamento de fiança. De igual forma, em obediência ao princípio da individualização da pena, preceito contido no capítulo dos direitos e garantias individuais da Constituição Federal, o sentenciado passou a ter direito à progressão do regime de cumprimento de pena, como se tivesse praticado um crime comum, observando-se, no entanto, a exigência de cumprimento de 2/5 da pena se for primário e 3/5, se reincidente. Tal permissivo praticamente retirou o rótulo de hediondo do crime, que passa para a vala comum, com tratamento idêntico aos demais, justificando-se a prisão não mais pela gravidade da ação do agente e sua imediata reprovação popular, mas pelos parâmetros utilizados para os crimes comuns.

A esperança ficou no vazio e desfez-se no ar rapidamente, qual bolha de sabão, como diria Lygia Fagundes Telles.

Resta ainda tentar uma fórmula há muito desprezada e que, quando praticada, colhia frutos significativos: a educação. É certo que, em razão do avançado estado de abandono e descaso de muitos anos do poder público, o projeto é para ser executado em longo prazo para alcançar as novas gerações. Não se exige um manual prêt-à-porter, mas uma construção paulatina e sólida, abrangendo a educação no lar, de responsabilidade dos pais e sequencialmente nas escolas, por conta dos educadores, sempre repassando para as crianças e jovens os preceitos mais básicos da ética da convivência e respeito mútuo, traçados por políticas públicas responsáveis e exequíveis de acordo com a realidade do país. E não brandir ao vento um arsenal de boas intenções com medidas simplistas e paliativas. O combate, desta forma, passa a ser não só para os crimes reiteradamente praticados, mas também para o desemprego, a corrupção que se instalou com animus manendi, o paradoxo que se estabeleceu entre a tecnologia e a miséria, o niilismo cultural.

É, na realidade, uma revolução. Sem armas, com a vontade direcionada para o bem estar social. É melhor edificar escolas do que presídios.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.



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