Reparação por dano social: da impossibilidade de condenação "ex officio"
Embora seja louvável a defesa da garantia de efetividade dos direitos fundamentais, com o intuito de preservar a dignidade da pessoa humana, as disposições do Código de Processo Civil devem ser observadas.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Atualizado em 4 de agosto de 2014 13:48
É majoritário o entendimento dos Tribunais Superiores sobre a possibilidade de reparação por dano social.
Os danos sociais são causados por comportamentos exemplares negativos ou condutas socialmente reprováveis.
Diferentemente do dano moral, cujo beneficiário é a vítima, a reparação por dano social deve ser destinada a um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Flávio Murilo TARTUCE Silva, Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58).
Ainda segundo o professor Flávio Murilo Tartuce Silva, o dano social não é sinônimo de dano moral coletivo, já que o primeiro também pode ser material, enquanto o segundo repercute apenas extrapatrimonialmente (Flávio Murilo TARTURCE Silva. Reflexões sobre o dano social. Disponível em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537).
Recentemente, a 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP condenou, de ofício, operadora de plano de saúde a pagar indenização por dano social no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), sob o fundamento de que o dano social ficou caracterizado em razão da necessidade de se coibir a prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro-saúde.
Para o relator do recurso, o desembargador Carlos Teixeira Leite Filho: "A reparação punitiva é independente da ação do segurado, porque é emitida devido a uma somatória de atos que indicam ser a hora de agir para estabelecer respeitabilidade e equilíbrio nas relações." (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0027158-41.2010.8.26.0564, Rel. Des. Carlos Teixeira Leite Filho, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 18.07.2013)
Nessa mesma linha, a Turma Julgadora Mista dos Juizados Especiais do Estado de Goiás também já reconheceu de ofício o dano social, gerando a insurgência da parte sucumbente via reclamação.
Nesse caso específico, no Agravo Regimental na Reclamação nº 13.200 - GO (2013/0197835-7), o ministro Luis Felipe Salomão, com assento na 2ª seção do STJ, determinou a suspensão do feito até o julgamento final da reclamação.
Segundo o ministro: "No caso em comento, o acórdão reclamado, ao impor condenação além da fixada na sentença, sem que a parte autora tenha feito pedido nesse sentido, incorreu em reformatio in pejus, o que é vedado pelo CPC" (STJ, AgRg na Reclamação nº 13.200 - GO, 2013/0197835-7, Ministro Luis Felipe Salomão, 2013).
Correto o posicionamento exarado.
O artigo 128 do CPC é claro:
"Art.128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte".
Nesse passo, assim já decidiu o STJ:
"É nulo o acórdão que, apreciando controvérsia não suscitada, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte, extravasa os limites da postulação recursal. Vulneração dos arts. 128 e 515 do CPC" (STJ-4ºT., REsp 12.093, Min. Barros Monteiro, j. 28.9.92, DJU 16.11.92).
Já o artigo 472 do mesmo diploma legal prevê que:
"Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.".
Nesse sentido:
"Não tendo sido as ações originárias ajuizadas em favor da categoria e, sim, em caráter individualizado, não se pode, portanto, extrapolar os limites subjetivos da coisa julgada sob o fundamento de isonomia, uma vez que a igualdade deve ser reconhecida frente à lei e não frente a decisões judiciais" (STJ - 5ªT., REsp 796.826- AgRg, Min. Gilson Dipp, j. 3.10.06, DJU 30.10.06).
Nos referidos casos, além da ausência de pedido expresso, as decisões supracitadas são oriundas de ações individuais.
Ainda que houvesse pedido de dano social nas referidas ações, é patente a ausência de legitimidade da parte para pleitear, em nome próprio, direito da coletividade.
Mesmo porque, "in casu", a ação civil pública seria o meio processual adequado para defender direitos da coletividade, e não ações individuais.
Embora seja louvável a defesa da garantia de efetividade dos direitos fundamentais, com o intuito de preservar a dignidade da pessoa humana, as disposições do Código de Processo Civil devem ser observadas.
A discussão apresenta várias controvérsias e aguarda um pronunciamento definitivo do STJ, com o objetivo de pacificar a matéria.
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Bibliografia
Flávio Murilo TARTURCE Silva. Reflexões sobre o dano social. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 59, nov. 2008. Disponível em:
https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537
Flávio Murilo TARTURCE Silva. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58.
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* Hernandes R. R. de Souza é advogado do escritório Angélico Advogados.