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Mapeamento genético, por Eudes Quintino

Mapeamento genético

"Conhecer detalhadamente cada função que o gene exerce no interior do DNA é praticamente descobrir o código da vida."

domingo, 3 de agosto de 2014

Atualizado em 1 de agosto de 2014 14:39

O Oráculo de Delfos, localizado no sopé do Monte Parnaso, dedicado a Apolo, exerceu grande influência na civilização helênica e sua fama chegou até Roma, que, apressadamente, verteu para a língua pátria os dizeres dos Sete Sábios da Grécia: nosce te ipsum. O templo era frequentado por pessoas que consultavam os deuses para saber qual a decisão tomar diante de determinada situação e a resposta era recebida como verdade absoluta. Sócrates foi proclamado o homem mais sábio da Grécia pela voz da sacerdotisa Pitonisa, título que refutou com sua peculiar humildade e respondeu: "o que eu sei é que nada sei", segundo o relato de Platão. Ninguém tomava qualquer decisão sem a consulta ao Oráculo, quer fosse para a guerra, iniciar qualquer tipo de atividade ou saber a respeito da melhor época para o plantio.  O conhecer a si mesmo compreendia a previsão do futuro para que a pessoa pudesse se ajustar desde o presente para o enfrentamento de intempéries vindouras.

Hoje, sem a conotação de consulta aos deuses, mas com o avanço da biotecnociência, o homem pode encomendar a realização de um teste genético para conhecer as possíveis doenças que poderá desenvolver e, desde já, apontada a provável listagem de moléstias, mudar seu estilo de vida para contrariar as previsões dos genes. Num repente, o homem tem em suas mãos um instrumento não para explorar o seu conhecimento interior, mas sim para conhecer seu próprio corpo. Trata-se do check-up genômico, com a facilidade de até mesmo contratá-lo pelo correio. O interessado recebe um kit de coleta, recolhe as células bucais e as envia para um laboratório especializado em fazer o mapeamento e leitura do genoma, apontando os prováveis riscos de doenças.

Seguindo-se a mesma linha de raciocínio, analisadas as características genéticas de um bebê e apontada um doença congênita ou alterações cromossômicas relevantes no rastreamento pré-natal, admite-se o procedimento corretivo. Nos EUA, por exemplo, de uma forma mais radical, se os genes apontarem para cânceres, as clínicas recomendam o abortamento. Se um jovem identificar os riscos de desenvolver Alzheimer ou diabetes, terá tempo suficiente para afastar as maléficas profecias e ajustar sua vida preventivamente. Da mesma forma se outro encontrar propensão para a obesidade e problemas cardiovasculares. Tudo isso porque as doenças, já estão previamente instaladas e escritas nos genes. Cabe ao homem conhecê-las para combatê-las, sem medo, receios ou covardia em detectá-las e impedir uma morte sem defesa, como aconteceu no romance Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel García Màrquez.

De acordo com o caminhar da nova trilha científica, chegará um tempo em que o paciente somente consultará o médico com a apresentação do seu DNA sequenciado, oportunidade em que o profissional, sem tocá-lo e sem qualquer indagação clínica, será um intérprete das informações contidas no check-up genético e aconselhará as condutas mais corretas para se evitar a aproximação com as prováveis doenças diagnosticadas. Dá-se a impressão de que um ser robotizado é encaminhado para a revisão ou até mesmo recall e, se for o caso, se submeterá à troca de equipamentos.

Angelina Jolie caminhou orientada pela senda da biotecnologia e submeteu-se a uma mastectomia dupla (retirada dos seios) porque, segundo os médicos, carregava 87% de chances de desenvolver o mesmo câncer que vitimou sua mãe. É uma atitude inusitada e que causou repercussão mundial. A decisão foi tomada após a realização de um mapeamento genético capaz de detectar o crescimento das células defeituosas com o consequente viciamento do DNA.

Não há dúvida que a decifração do código genético representa uma das maiores conquistas da humanidade. Conhecer detalhadamente cada função que o gene exerce no interior do DNA é praticamente descobrir o código da vida. Mas tudo deve ser realizado com ponderação, no âmbito ético mais recomendado e, num primeiro instante, somente as pessoas portadoras de doenças genéticas seriam aconselhadas a se submeterem ao exame. Seria até desesperador uma pessoa sem registro familiar, ao receber um laudo que seja comprometedor, provocará sérios dissabores ao seu médico, além de entrar em profunda depressão, que a levará, provavelmente, a outra moléstia.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.




 

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