A conciliação como tendência e remédio para o Judiciário
Deveríamos caminhar para uma sociedade onde somente buscam o judiciário pessoas que se confessam incapazes de resolver seus problemas de forma harmônica.
segunda-feira, 21 de julho de 2014
Atualizado em 18 de julho de 2014 12:25
Qualquer advogado que milite no contencioso já percebeu que a conciliação tem se mostrado um instrumento poderoso para resolver conflitos. Seja porque o judiciário está inchado e demora muito para encerrar uma discussão judicial e entregar ao jurisdicionado o resultado pretendido ou mesmo porque a resolução de um processo é determinada por muitas questões alheias ao simples direito do cliente e acaba por encerrar muitos riscos.
Podemos dizer, portanto, que a solução pacífica das controvérsias por meio de acordos é muito vantajosa e verdadeira tendência no mundo jurídico.
Ao abrir oficialmente a Semana Nacional de Conciliação, no Rio de Janeiro, o presidente do CNJ e do STF, ministro Cezar Peluso, destacou que a conciliação é um instrumento de pacificação com resultados sociais e econômicos "significativos e já comprovados pelas estatísticas do Judiciário". E mais: destacou a importância de se modificar o entendimento ainda vigente entre alguns magistrados e servidores de que proferir sentenças é mais importante do que conciliar. "Queremos conscientizar os magistrados para o fato de que conciliação não é tarefa subalterna, secundária nem extraordinária. É tão ou mais importante que proferir sentenças"
Contudo, essa mudança no modo de pensar não é fácil tampouco automática. A postura litigante reflete a educação formal dos advogados e a própria sociedade que, por motivação própria, não tem energia para a conciliação. Sendo assim, o famoso bordão "Um mau acordo pode ser melhor do que uma boa demanda", é cada dia mais atual e relevante.
Pode parecer contraditório advogados que vivem de conflitos insistirem na conciliação. Contudo, ante os benefícios, até mesmo econômicos, de se buscar fora do judiciário a resolução de controvérsias, mesmo os mais litigantes dos clientes reconhecem que o trabalho do advogado que concilia é tão nobre, porém mais árduo, do que o do profissional que se limita a litigar.
A tendência conciliatória, apesar de forte, ainda precisa de muita evolução. Até mesmo nas faculdades de Direito o senso comum é de que o estudante vai aprender a litigar. E, de fato, é o que acontece. Contudo, a grande verdade é que, normalmente, numa disputa judicial, 50% das partes sai satisfeita ou quase satisfeita e 50% sai totalmente insatisfeita. Então, a possibilidade de o judiciário resolver uma questão de forma que seja do agrado das duas partes praticamente não existe. Em uma conciliação, o grau de satisfação e, portanto, de pacificação social, é muito maior.
O litígio abriga um componente psicológico importante: o ânimo pela briga. Os clientes, por vezes, por desconhecer a morosidade e os riscos envolvidos no litígio e ainda movidos pela emoção ou excessiva ambição econômica, acreditam que procuraram um advogado para brigar na Justiça. E muitas vezes, o que as pessoas buscam no judiciário é conforto para uma sensação de injustiça causada pela parte contrária. Contudo, cabe ao advogado apaziguar esse ânimo e explicar que o litígio envolve riscos desconhecidos e nem sempre traz a paz e resultados esperados.
Há, no entanto, uma visão deturpada e corroída do que seja a composição. Muitas vezes a parte que busca a composição sofre um julgamento preconceituoso pela parte contrária que, por meio de uma visão caolha e deturpada, entende que a tentativa de conciliação é, de alguma forma, o reconhecimento do direito da outra parte ou de ausência de seu próprio direito naquela demanda.
Para que essa visão parcial e maniqueísta possa ser alterada e propicie a resolução de cada vez mais conflitos sem a interferência do judiciário, uma alteração da grade do curso de Direito seria um ótimo começo. Veja que a própria Constituição prevê outros mecanismos alternativos de solução de conflitos que, infelizmente, não ultrapassaram o campo da previsão. Juntamente com a mudança da grade curricular, teria que ser repensada a forma de atrair a sociedade para esses mecanismos alternativos.
Deveríamos caminhar para uma sociedade onde somente buscam o judiciário pessoas que se confessam incapazes de resolver seus problemas de forma harmônica. Assim, o processo serviria somente para as situações de alta complexidade, e não um sistema judiciário perdido na banalização das demandas. Seria um grande ganho para toda a sociedade. Imagine um judiciário que pode se concentrar em questões realmente urgentes e que consiga entregar ao jurisdicionado o que ele precisa no tempo e modo necessário. Se conseguirmos uma mudança de mentalidade e paradigma, pode ser que essa realidade saia da utopia.
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* Gabrielle Rossa é advogada da banca Rayes Advogados Associados.